Topo

Atos pró-Bolsonaro: Documentos de inteligência revelam quem são os líderes

São Paulo

16/11/2022 18h46

Relatórios enviados pelas Polícias Militar, Civil e Federal e pelo Ministério Público nos Estados ao Supremo Tribunal Federal (STF) indicam o perfil dos líderes e financiadores dos protestos com mensagens antidemocráticas que resultaram em bloqueios de estradas após as eleições e concentrações próximas a instalações das Forças Armadas pelo País.

Os documentos foram produzidos por ordem do ministro Alexandre de Moraes e reúnem fotos, levantamentos sobre os alvos e detalhes a respeito do trabalho em curso para desmobilizar as manifestações. As primeiras informações foram divulgadas pelo site SBT News. A reportagem do Estadão teve acesso aos documentos encaminhados pelos órgãos de segurança ao STF.

Os relatórios citam políticos, policiais e ex-policiais, servidores públicos, sindicalistas, fazendeiros, empresários do agronegócio e donos de estandes de tiro. Eles não são acusados de crimes, mas poderão ser investigados criminalmente.

Os relatórios com base em dados colhidos nos pontos de manifestação, citam o protagonismo dos líderes, identificam os donos de veículos usados para bloquear vias e os responsáveis por alugar banheiros químicos e carros de som. Os investigadores também buscaram dados nas redes sociais, onde algumas pessoas se identificaram como lideranças ao divulgar os protestos.

Desde o resultado do segundo turno das eleições, manifestações convocadas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro questionam o resultado das urnas. Concentrações mantidas nas sedes de comandos militares foram engrossados ontem no feriado de Proclamação da República. Os manifestantes defendem ações contra o Supremo e fazem pedidos de intervenção federal.

Na noite desta segunda, 14, após ser alvo de manifestantes em Nova York, Moraes publicou em sua conta no Twitter que "o povo se manifestou livremente e a Democracia venceu!". "O Brasil merece paz, serenidade, desenvolvimento, e igualdade social. E os extremistas antidemocráticos merecem e terão a aplicação da lei penal."

Conheça os fichados em cada Estado:

Acre

Relatório de inteligência da Polícia Militar do Acre aponta que dois fazendeiros locais estariam entre os financiadores dos protestos em defesa de uma intervenção das Forças Armadas contra o resultado da eleição: Jorge José de Moura, conhecido como "rei da soja", e Henrique Neto.

O procurador-geral de Justiça do Acre, Danilo Lovisaro do Nascimento, disse ao STF ter "certeza de que os atos antidemocráticos estão sendo financiados pelos fazendeiros do agronegócio". Ele cita como financiadores João Moura e Henrique Luis Cardoso Neto.

A reportagem busca contato com os citados. O espaço está aberto para manifestação.

Ceará

A Secretaria de Segurança Pública do Ceará afirma que não conseguiu "identificar uma liderança local". O relatório enviado ao STF se limita a apontar quem são os proprietários dos carros presentes nos locais de manifestação. O documento cita o empresário Eládio Pinheiro Canto, o policial penal Abrahao Vinicius Batista Possidonio, o sargento do PM Anderson Alves Pontes Garcias e as empresas Lucky Aviamentos e Viva Agrícola.

A reportagem busca contato com os citados. O espaço está aberto para manifestação.

Espírito Santo

A Polícia Federal (PF) identificou comerciantes locais, caminhoneiros e uma ex-policial militar como possíveis organizadores dos bloqueios em São Mateus, município de 134 mil habitantes a 190 quilômetros de Vitória, mas afirmou ao STF não ter encontrado uma "coordenação centralizada".

Em Linhares, município de 180 mil habitantes a 105 quilômetros da capital, comerciantes e empresários locais, com apoio de caminhoneiros, teriam organizado os protestos, segundo a Polícia Federal. A corporação informou que também não conseguiu apontar "com precisão uma coordenação".

Após contato com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a PF informou que Wanderson de Paula, candidato a vereador pelo partido Cidadania em 2020, estaria entre as pessoas flagradas "agitando e dando suporte à manifestação" em Linhares.

Em Guarapari, no litoral do Estado, a professora da rede municipal e candidata a deputada estadual na última eleição Ticiani Rossi (PL) "mostrou ser uma das lideranças com acesso irrestrito a barraca da coordenação do movimento", de acordo com o relatório da PF. Ela se apresenta nas redes sociais como "ativista política" e foi identificada pelos policiais no protesto na BR 101, na altura de Guarapari.

Procurada pelo blog, Ticiani negou participação em atos políticos depois da eleição. "Não sou liderança em de nenhuma manifestação em nenhum lugar do País. Fui candidata a deputada estadual pelo PL por Guarapari, portanto tenho liderança política na cidade conhecida por todos. Não confirmo participação em nenhum ato", disse.

O caminhoneiro Thiago Queiroz Rodriguez, o candidato a governador em 2020 Cláudio Paiva (PRTB) e o instrutor de tiro Flávio Silva Polonini também seriam lideranças. "A maioria das adesões eram espontâneas, no que se pôde presenciar, contudo alguns caminhoneiros queriam prosseguir viagens", diz um trecho do documento.

O Estadão entrou em contato, por e-mail e via redes sociais, com os citados no relatório da PF, mas ainda não teve retorno.

Goiás

Os empresários Tales Cardoso Machado, dono de uma panificadora, e Pedro Sanches Roja Neto; o ex-vereador de São Miguel do Araguaia Leonardo Rodrigues de Jesus Soares; o corretor e candidato derrotado a prefeito da cidade em 2020 Sandro Lopes (PRTB); e o ruralista Hernani José Alves são citados pela Polícia Civil de Goiás como lideranças dos bloqueios na zona rural de São Miguel do Araguaia, onde uma das rodovias chegou a ser fechada com pneus incendiados.

O relatório aponta ainda que, em Goianésia, caminhoneiros e moradores "que atuam principalmente no agronegócio" mobilizaram os bloqueios. O documento cita nominalmente o advogado e candidato a vereador em 2020 Jamil El Hosni (PSL), que segundo a Polícia Civil foi flagrado no protesto "fazendo a liberação ou não de veículos para passagem", e o presidente da Comissão Provisória Municipal do Partido Liberal (PL), Rafael Luiz Ottoni Peixoto, apontado como responsável por organizar também as carreatas que aconteceram na cidade antes da eleição.

Procurado pela reportagem, El Hosni negou participação nos protestos. Os demais citados no relatório da Polícia Civil de Goiás não foram localizados ou não retornaram os contatos do blog.

Maranhão

O investigador de polícia Marcelo Thadeu Penha Cardoso, lotado na Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, que foi candidato a deputado estadual pelo Podemos na última eleição, e o também candidato a deputado estadual em 2022 Claudio Rogerio Silva Raposo (PTB), líder do movimento Patriotas do Asfalto SLZ, foram apontados como responsáveis pelas manifestações que ocorreram em frente ao quartel do 24º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), em São Luís.

"A quantidade de pessoas durante os dias úteis é maior no período noturno, mas, nos finais de semana, a movimentação é intensa durante todo o dia. Possuem estrutura de alimentação, banheiros químicos, tendas, barracas, carro de som (identificado, placa OIS-8958) e alguns pernoitam no local. No presente momento o principal pedido dos manifestantes é'S.O.S. FORÇAS ARMADAS'", diz um trecho do relatório da Polícia Militar do Maranhão.

O Estadão buscou contato com Raposo por e-mail, mas não teve retorno. Cardoso não foi localizado.

Mato Grosso do Sul

A Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul disse ao STF que identificou sete lideranças dos eventos no Estado: a médica Sirlei Faustino Ratier, a servidora da Câmara Municipal de Campo Grande Juliana Caloso Pontes, o comerciante Julio Augusto Gomes Nunes, o agricultor Germano Francisco Bellan, o ex-prefeito de Costa Rica Waldeli dos Santos Rosa e os pecuaristas Rene Miranda Alves e Renato Nascimento Oliveira, conhecido como Renato Merem.

O Estadão entrou em contato, por e-mail e telefone, com os citados no relatório da Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, mas ainda não teve retorno. Sirlei, Bellan e Alves não foram localizados até o momento.

Minas Gerais

Um dos líderes do Movimento Direita BH, Cristiano Rodrigues dos Reis, e o comerciante Esdras Jonatas dos Santos seriam os articuladores dos atos em Minais Gerais. A reportagem busca contato com ambos.

Paraná

O empresário Valmor Geronimo Ferro foi apontado pela Polícia Militar do Paraná como uma das lideranças dos protestos em Curitiba. Ele teria sido responsável por levar água e comida para os manifestantes. O Estadão busca contato com o empresário por e-mail.

De acordo com o documento, os empresários José Antonio Rosolen e Robson Leandro Calistro teriam "ascendência sobre as decisões" dos manifestantes em Cianorte. Uma mulher identificada como Claudia Varella Costa Pernomian também é citada por ter feito "diversos discursos" no protesto organizado na cidade. A reportagem fez contato com ela pelas redes sociais, mas não teve retorno. Os empresários não foram localizados até o momento.

O candidato a deputado estadual Ranieri Alberton Marchioro (PTB) é listado como liderança em Foz do Iguaçu. Um homem identificado como João Bosco de Oliveira Melo também teria ajudado a organizar a concentração em frente ao 34º Batalhão de Infantaria Mecanizado. De acordo com o setor de inteligência da PM, ele pediu que as Forças Armadas atuassem "em favor do brasileiros" e disse que "não vai entregar, de jeito nenhum, a nação aos criminosos". Marchioro foi procurado por telefone, mas ainda não retornou o blog.

Rio Grande do Sul

O relatório da Polícia Civil do Estado cita o policial militar aposentado Vilmar Luis Vicinieski, o coordenador do movimento Direita RS Ezequiel Vargas, o deputado federal eleito Tenente Coronel Zucco (Republicanos) e a agente penitenciária Mariana Lescano como organizadores e incentivadores de protestos no Rio Grande do Sul. Há outras lideranças que ainda não foram identificadas. Vargas foi procurado via redes sociais, mas ainda não respondeu o blog.

O documento afirma que não foi possível encontrar os responsáveis pelos cartazes contra o resultado da eleição e a favor de intervenção militar.

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul também monitorou as redes sociais de agentes públicos que, segundo o documento, tiveram "intensa atividade" dentro e fora da internet. "A partir de ações de coleta, foram possíveis as identificações de algumas dessas publicações no sentido de apoio ou incentivo a presença de cidadãos nos locais de reunião e/ou manifestações populares", diz a investigação preliminar.

Entre eles, estão o policial civil e vereador na cidade de Dom Pedrito, Patrício Jardim Antunes (PP), conhecido como Inspetor Patrício, que fez publicações acusando corrupção e fraude no processo eleitoral, o comissário de Polícia Thiago Teixeira Raldi e o delegado Heliomar Athaydes Franco. Todos foram procurados via redes sociais ou e-mail, mas ainda não retornaram o Estadão.

Santa Catarina

Wuillian Lanza, Odair Breier, Valnir Camilo Scharnoski, Rodrigo Cadoré, Itamar Schons e Vanirto José Conrad são listados pela Polícia Civil de Santa Catarina como lideranças em São Miguel do Oeste.

Já Francisco Dalmora Burgardt, conhecido como Chicão Caminhoneiro, se apresentou em entrevista a uma rádio local como porta-voz do movimento em Canoinhas. O empresário Luis Cesar Fuck, dono de uma produtora de erva mate, seria um dos financiadores dos protestos locais, de acordo com o documento enviado ao STF.

André Júnior Bello, Oelivir José Luzzi e Everton Marques seriam organizadores do bloqueio na rodovia SC-355 no perímetro urbano de Fraiburgo. A Polícia Civil afirma que eles se apresentaram aos agentes como responsáveis pelos eventos. O grupo também é investigado em um inquérito policial sob suspeita de incentivar o fechamento do comércio na cidade de Turvo.

A reportagem busca contato com os citados no relatório da Polícia Civil de Santa Catarina.

COM A PALAVRA, OS CITADOS

Até a publicação deste texto, a reportagem buscou contato com todos os citados, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestação.