UnB: Comissão sugere demissão, mas professor acusado de assédio é suspenso
O professor de biologia da Universidade de Brasília (UnB) Jaime Martins de Santana, 62, recebeu em 2023 apenas 15 dias de suspensão do cargo após ser acusado de beijar à força duas colegas de trabalho. A Reitoria da instituição considerou que houve apenas uma "falta de urbanidade" e não acolheu a sugestão de demiti-lo.
A comissão responsável pelo Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto na UnB para apurar o caso concluiu que "o servidor [...] praticou assédio sexual contra as denunciantes", conforme documento ao qual a Agência Pública teve acesso. A comissão, formada por três professores, recomendou a demissão de Santana, que na época das denúncias era diretor do Instituto de Ciências Biológicas (IB).
A defesa de Santana contestou as denúncias, mas não negou diretamente os beijos. Seu advogado argumentou, na peça anexada ao PAD, que "não se afigura desvio de conduta do indiciado [Santana], já que o fato em análise ocorreu fora das dependências da UnB, em supostos episódios únicos, sem constância ou repetição". A defesa também negou ter ocorrido a prática de assédio sexual.
Ainda na fase inicial da investigação, em janeiro de 2023, a coordenação do PAD também sugeriu o afastamento do professor de todas as suas atividades na universidade. Mas a então reitora da UNB, Márcia Abrahão Moura, decidiu afastá-lo apenas da direção do IB e "sem prejuízo da remuneração". Ela argumentou, em documento, que seu objetivo era "evitar prejuízos aos estudantes, terceiros de boa-fé e à pesquisa e extensão da universidade".
Outra recomendação da comissão foi que a Reitoria comunicasse as denúncias ao Ministério Público (MP) para que fosse aberta uma apuração paralela, do ponto de vista criminal. A então reitora, cujo mandato expirou no dia 21 de novembro, não acionou o MP, segundo consta do processo. Indagada sobre esse ponto, a UnB não respondeu. No processo, Moura justificou que isso poderia ser feito ao final da investigação - o que não ocorreu.
Após o encerramento do processo administrativo, Moura decidiu apenas pela pena de suspensão de Jaime Santana por 15 dias. Antes, a Procuradoria Federal da Advocacia Geral da União (AGU) junto à instituição havia discordado da orientação da comissão do PAD e sugerido uma advertência, punição ainda mais branda do que a aplicada pela Reitoria. O órgão tem a função consultiva jurídica em diversos órgãos públicos, incluindo as universidades.
Pela lei, de acordo com a UnB, a reitora não é obrigada a seguir as recomendações da comissão do PAD e da AGU.
Nas duas acusações contra Santana, foi relatada uma cena semelhante. "Sem meu consentimento, ele me beijou, passando sua língua na minha boca. Na hora eu fiquei sem ação, muito constrangida. Eu reforcei que não queria nada com ele, e disse que precisava ir embora e o deixei", disse uma das docentes no PAD.
"O professor pegou o meu rosto nas suas mãos para eu não poder me mexer e enfiou a sua língua na minha boca. Fiquei pasma e imóvel, até tentava fechar mais a minha boca", contou a segunda professora.
Ambas são duas conhecidas professoras titulares na UnB com sólidas e produtivas carreiras acadêmicas, ambas mestres e doutoras, uma do Departamento de Biologia Celular e outra do Departamento de Ciências Fisiológicas. Elas foram procuradas e ouvidas pela Pública e confirmaram os assédios.
As professoras disseram que decidiram denunciar Santana à UnB com o objetivo de tentar impedir que ele repetisse o comportamento com outras mulheres, principalmente com alunas. "Porque se a gente deixa, agora é pegar no seio, depois é enfiar a língua na boca. Nós éramos professoras titulares, e se você é uma aluna?", ressaltou uma das docentes.
A similaridade entre as duas narrativas das denunciantes foi um dos indícios que levou a comissão do PAD a concluir que Jaime Santana cometeu assédio sexual; elas "denotam um padrão", disse a comissão. "O acusado primeiro age e depois pede desculpas, diz que foi mal interpretado, que foi 'uma besteira', e joga com a situação oferecendo possibilidades e vantagens profissionais", ressaltou o relatório. "Seria muito absurdo pensar que duas professoras com carreiras sólidas fariam tais acusações por diletantismo."
A comissão do PAD concluiu, no relatório final de 29 de maio de 2023, que Santana violou três incisos do artigo 116 e o artigo 117 da Lei 8.112/90, conhecida como Estatuto do Servidor Público.
"O acusado era superior hierárquico das denunciantes no momento dos fatos"; "As denunciantes se encontraram com ele em razão do trabalho"; "Os beijos não foram consentidos"; "Em casos como esse, a palavra das vítimas é um elemento que deve ser respeitado, para além do fato de que, neste processo específico, há prova de que houve o beijo forçado pelo áudio apresentado"; "O acusado não nega os fatos"; justificou a comissão, ao sugerir a demissão do servidor.
Ao final do PAD, a Reitoria pediu a opinião da Procuradoria da AGU na instituição. O trabalho ficou a cargo da procuradora federal Fábia Moreira Lopes. Para ela, Santana teria infringido apenas o inciso XI, do artigo 116, da Lei 8112/90, que prevê: "Tratar com urbanidade [respeito] as pessoas".
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Quero receberSegundo a procuradora, "restou [sic] na conduta do acusado apenas características próprias da violação do dever de urbanidade às pessoas, uma vez que dele se poderia esperar uma conduta mais respeitosa com as colegas de trabalho".
A manifestação da procuradora causou indignação nas vítimas. Para as professoras, o parecer diminuiu o peso dos seus depoimentos e relativizou as conclusões do PAD.
"Eu acho que tudo isso é muito nauseante. No parecer da AGU, é como se eles desconsiderassem qualquer coisa que a gente tenha feito [trazido aos autos]. Eles ridicularizaram, nos pormenores, o que foi que a gente colocou [nos depoimentos], o que a gente trouxe", desabafou uma das professoras em entrevista à Pública.
Santana ficou suspenso de suas atividades de 20 de setembro a 4 de outubro de 2023, mas depois retomou a rotina na universidade. Nesses 15 dias, ele deixou de receber salário.
Segundo o memorial da defesa apresentado pelo escritório de advocacia Brito e Colavolpe, Santana publicou "82 trabalhos científicos em periódicos internacionais especializados, orientou 14 dissertações de mestrado e 11 teses de doutorado", foi "representante regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência" de 2011 a 2015, participou de "projetos internacionais Brasil-França" pela Capes e tem dado "importantes contribuições" para a UnB.
O relatório final da comissão do PAD concluiu que o então diretor do IB "fez com que as professoras se sentissem constrangidas, violadas e desconfortáveis em seu ambiente de trabalho, afetando a regularidade das relações de trabalho, como a participação em reuniões onde pudessem encontrá-lo". "Em que pese os fatos terem ocorrido em espaço externo à unidade, os encontros se deram em razão das atividades e das relações profissionais."
Para a procuradora da AGU, Fábia Lopes, as denunciantes "não comprovaram um prejuízo nas carreiras". "Pelo contrário, constam mensagens que demonstram a boa vontade do acusado [Santana] em promover as solicitações relacionadas ao trabalho feitas pelas denunciantes", escreveu Lopes.
No final de outubro, a Pública foi até o prédio do IB na UnB a fim de ouvir Santana. A informação repassada no local por estudantes é que ele estava trabalhando pela UnB em Paris, na França. Foram deixados recados em seu telefone por meio do aplicativo Whatsapp, mas não houve retorno até o fechamento deste texto.
A defesa do professor, subscrita pelo advogado George Ferreira de Oliveira, disse, em petição no PAD, que o processo deveria ser anulado por "incompetência de foro", pois as denúncias estariam tratando de "atos ocorridos na sua vida privada e longe do ambiente e de trabalho, fatos confirmados pelas acusadoras". A defesa argumentou que a saída das professoras de Brasília não teve relação com os fatos narrados na denúncia.
Procurada pela Pública em outubro, quando a reitoria era ocupada pela professora Márcia Abrahão, a UnB afirmou, em nota, que "as decisões tomadas em processos administrativos disciplinares no âmbito da Universidade de Brasília (UnB) são embasadas em pareceres técnicos, elaborados por comissões de servidores públicos estáveis (todos com mais de três anos de serviço público), respeitando o devido processo legal e os princípios de imparcialidade, transparência e legalidade que regem o serviço público".
Segundo a Reitoria, "o caso mencionado seguiu rigorosamente todos os trâmites legais, que ofereceu subsídios técnicos para a decisão final, conforme determinado pela legislação".
Esta reportagem foi produzida pela Agência Pública e publicada em parceria com UOL, em versão exclusiva. Leia a reportagem completa em apublica.org.
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