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Migração de homens cria 'cidades das mulheres' na Armênia

12/08/2011 06h27

  • BBC

    Mulheres da Armênia temem que maridos tenham outras famílias na Rússia

A pobreza e o desemprego estão forçando muitas pessoas a deixarem áreas rurais da ex-União Soviética em busca de trabalho em zonas urbanas. Na Armênia, a emigração é predominantemente de homens, que ao abandonarem o país rumo à Rússia, acabam deixando alguns vilarejos quase que totalmente povoados por mulheres.

No vilarejo armênio de Dzoragyugh, frequentemente só mulheres e crianças são vistas trabalhando nos campos.

Isto ocorre porque ir para a Rússia é a única maneira para os homens ganharem dinheiro suficiente para sustentar as suas famílias.

Uma das mulheres deixadas para trás é Milena Kazaryan, de 20 e poucos anos e mãe de dois filhos.

Enquanto lavra a terra nos fundos de sua casa, ela diz que seu marido está trabalhando em Moscou, assim como seu pai, seu avô e todos os seus irmãos. Na verdade, todos os homens de sua família deixaram a localidade.

Medo de "segundas famílias"

Milena sorri muito, mas explica o que preocupa a ela e a suas amigas: que seus maridos formem "segundas famílias" na Rússia. Isto é algo que ocorre muito, ela diz.

"Todas as mulheres estão com medo de verdade. Nós telefonamos toda manhã e toda noite, para descobrir o que os nossos maridos estão fazendo", afirma.

"É quase sempre estressante ficar pensando se ele vai voltar ou não. Muitas mulheres aqui se preocupam porque acham que na Rússia todas as garotas são bonitas, e o problema é que os homens trabalham muito duro, então é claro que eles querem relaxar. É por isso que elas estão assustadas."

Milena diz que os maridos de muitas de suas amigas agora têm "segundas famílias" na Rússia.

"Mesmo que tenham filhos pequenos, os homens deixam as suas mulheres e arranjam namoradas russas, mas quando eles ficam velhos e não podem trabalhar mais, eles voltam para cá", diz.

Milena casou-se cinco anos atrás. Desde então, o seu marido tem passado a maior parte do tempo trabalhando na Rússia. Assim como muitos armênios morando lá, ele volta para casa na época do Natal e vai embora novamente em março. Assim, segundo Milena, é difícil manter a família unida.

HIV

As mulheres em Dzoragyugh dizem que quase todos os homens do vilarejo foram trabalhar na Rússia. Eles deixam as mulheres tomando conta de tudo, inclusive do trabalho pesado, normalmente visto como tarefa masculina.

Quando se anda nos vilarejos da região, mulheres são vistas tocando gado, indo para os campos com ferramentas em suas mãos ou carregando fardos de feno nas costas.

Mas o peso também é psicológico, diz Ilona Ter-Minasyan, chefe da Organização Internacional para a Migração (IOM, sigla em inglês) na capital da Armênia, Yerevan. As mulheres agora também precisam tomar todas as decisões, um ponto de conflito em uma sociedade rural e patriarcal.

"Eventualmente isso leva à troca de papeis entre gêneros, porque, enquanto o homem fica fora por oito ou nove meses, a mulher fica como chefe do lar", diz.

Ter-Minasyan também levanta outras questões fatais.

"A Armênia tem uma população muito pequena de pessoas com HIV, mas pesquisas recentes indicam que, frequentemente, grandes percentagens dessas pessoas são migrantes que vão à Federação Russa, tornam-se soropositivas, voltam e então transferem o vírus para suas mulheres. Este é o pior cenário de todos."

Baixa natalidade

Grupos de defesa dos direitos humanos acusam o governo de não fazer o suficiente para conter o problema da emigração.

Mas Gagik Yeganyan, chefe do departamento armênio para a migração, afirma que a única solução é aumentar a oferta de empregos, em vez de criar algum programa específico. E isto é algo que não só o governo, mas toda a sociedade, inclusive a mídia, deve se esforçar para fazer, diz ele.

Oficialmente, o desemprego está em torno de 7%, mas a IOM diz que os benefícios são tão baixos que muitas pessoas não se registram como desempregadas. Assim, os números verdadeiros são estimados em torno de 30%.

De acordo com grupos de direitos humanos e partidos de oposição, isto significa que todo ano quase 100 mil pessoas deixam o país - em sua maioria, homens, que vão à vizinha Rússia para trabalhar na construção civil.

O governo nega que os números sejam tão altos, mas existe uma concordância geral de que em torno de 1 milhão de armênios estão vivendo na Rússia, deixando apenas 3 milhões no país.

Isto representa uma queda de 25% na população desde o colapso da União Soviética, em 1991, quando a Armênia tinha cerca de 4 milhões de habitantes.

Pedidos por ação

Existem alguns pedidos para que as autoridades armênias ajam. Em julho, ativistas dos direitos humanos redigiram uma carta aberta ao governo, chamando a emigração um desastre nacional.

Um dos autores da carta é Karine Danelyan. Ela diz que a falta de homens está começando a ser sentida pela sociedade.

"É um problema realmente sério. Existe uma nova geração de garotas crescendo que não têm chance de se casar porque todos os rapazes estão deixando o pais. Com isso, as taxas de natalidade na Armênia estão muito baixas para manter a população estável", diz.

No entanto, no vilarejo de Dzoragyugh, as preocupações de Milena Kazaryan são mais imediatas.

"É realmente difícil , porque toda a família está só esperando e esperando que os homens voltem. Tudo que queremos são empregos na Armênia, para que as nossas famílias possam ficar juntas, e para que os pais possam ver os seus filhos crescer. Uma família é mais que somente a mãe, nós precisamos dos pais aqui também."