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Após pegar em armas, jovens sonham com emprego e estabilidade na Líbia

06/07/2012 16h03

Com eleições parlamentares marcadas para este sábado (7), a Líbia vive dias de incertezas quanto ao futuro, com disputas entre milícias armadas, tribos e uma população descontente com a falta de progressos e insegurança.

Três líbios, que lutaram contra o regime de Muammar Gaddafi, falaram com a BBC Brasil sobre suas expectativas e medos com a instabilidade no país. Mahmoud Tawari, 25 anos, está desempregado desde que entregou suas armas após a revolução do ano passado, quando lutou ao lado do Exército rebelde que depôs Gaddafi.

"Eu trabalhava em um café quando entrei para o Exército revolucionário e ganhava alguma ajuda financeira e comida. Não era muito, mas ao menos completava meu desejo de ajudar na derrubada de Gaddafi", disse Tawari.

Tão logo a revolução terminou, Tawari entregou suas armas, atendendo um apelo dos líderes de Benghazi, sua cidade natal, no leste do país. Mas o que deveria ser o retorno à vida normal tornou-se o início do tormento da vida de Tawari.

"Há nove meses que não arrumo um emprego. Vivo de ajuda de familiares e alguns trabalhos informais de vez em quando", revelou.

Uma das causas da insatisfação entre jovens líbios com o governo central em Trípoli é o desemprego. Muitos, cansados de esperar por melhoras de suas vidas, oportunidades e desenvolvimento, resolveram entrar para as milícias armadas que desafiam o poder das autoridades.

"Eu escolhi não fazer isso. Achei errado. Hoje não sabemos quem realmente governa o país, se Trípoli ou as milícias. Não era esse tipo de democracia que planejamos", desabafou.

Segundo a imprensa árabe e internacional, disputas tribais levaram à criação de milícias leais a seus chefes e não à causa revolucionária que previa um governo democrático.

Tribos líbias acusam o governo de relegar algumas regiões a segundo plano, o que teria motivado a criação de milícias que atuam como força policial.

"Com frequência vejo veículos com milicianos pelas ruas perto de Benghazi, como se a guerra não tivesse acabado. Eles passam insegurança à população, uma sensação de que não temos um governo de fato", salientou Tawari.

Anarquia

Alguns grupos armados, que reuniam guerrilheiros de diversas tribos, não abandonaram suas armas após o fim da guerra no país, e continuaram atuando por mais poder de acordo com os interesses de seus líderes.

Após a guerra, Hassan, 32, continuou com sua Brigada de Ajdabiya, ao sul de Benghazi, mas resolveu sair após se ver envolvido em brigas tribais entre milícias que durante a guerra lutaram lado a lado.

"Alguns integrantes abusaram de seu poder e a população claramente nos temia. Um dia resolvi sair, entreguei minhas armas ao líder de nossa milícia e disse que aquilo não era para mim, que anarquia não melhoraria nossas vidas", falou Al-Habashi.

Embora esteja trabalhando em construção, ele lamenta que o sonho de uma Líbia melhor e mais justa para sua população parece ainda distante.

"Se depender dos discursos de divisão entre alguns de nossos líderes, não vejo um futuro bom para o meu país".

Ele revelou que o movimento por uma autonomia do leste da Líbia, que provoca receios de uma tentativa separatista do governo central, só causou mais tensão na região entre os que são a favor da ideia ou contra.

"A Líbia parece dividida em tudo, a questão da autonomia, tribalismo, milícias, direitos e deveres. Nada está claro", enfatizou.

Otimismo

Embora analistas vejam com pessimismo as eleições líbias e prevejam dificuldades para o país no futuro próximo, alguns líbios ainda acreditam que a Líbia deverá tomar rumo após o pleito parlamentar.

"Acho que tudo está muito complicado, mas nós nunca tivemos eleições, sempre vivemos sob o medo e à sombra de Gaddafi. Acho que conseguiremos sair dessa desconfiança tribal com o tempo", disse o vendedor Mohamed Hanoushi, 29, também de Benghazi.

O jovem não lutou durante a guerra, mas ajudou a transportar comida durante as manifestações organizadas pela oposição no início do levante popular contra Gaddafi.

Ele admite que há muitas divisões no país e obstáculos a serem superados pelo governo interino do Conselho Nacional de Transição (CNT), como desemprego, justiça social e obras de desenvolvimento.

"Ainda vejo com otimismo tudo isso. Acho que uma vez resolvido esse impasse com as milícias, haverá uma solução política para o impasse, o governo poderá concentrar suas forças em reconstruir o país e trazer mais empregos", falou Hanoushi.