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#SalaSocial: Jornalistas usam tapa-olhos em protesto contra violência policial

Rubens Cavallari/Folhapress
Imagem: Rubens Cavallari/Folhapress

Ricardo Senra

Da BBC Brasil, em São Paulo

12/09/2014 15h08Atualizada em 12/09/2014 15h59

Maio do ano 2000, avenida Paulista, São Paulo, protesto de professores e profissionais de saúde. "Eu estava fotografando. Veio uma bomba de gás. Me virei para sair de perto. Foi quando a bala de borracha veio direto para o meu olho", conta o repórter fotográfico Alex Silveira.

No início deste mês, 14 anos depois, a justiça divulga sua conclusão sobre o caso: Silveira foi declarado culpado por perder a visão do olho esquerdo.

"Permanecendo no local do tumulto, dele não se retirando ao tempo em que o conflito tomou proporções agressivas (...), se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima”, diz o texto do acórdão (leia a íntegra aqui http://ponte.org/wp-content/uploads/2014/09/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-Apela%C3%A7%C3%A3o.pdf).

A conclusão dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo não ganhou grandes manchetes, mas repercutiu nas redações de jornais.

Usando tapa-olhos como símbolo para a perda de visão de Silveira e a "falta de visão" da justiça, jornalistas, militantes de direitos humanos, advogados e ativistas lançaram na última quarta-feira uma campanha de apoio ao fotógrafo.

"Quando vi tanta gente usando tapa-olhos como os meus eu chorei, bicho. Chorei muito", diz Silveira ao #SalaSocial

"Fiquei sem palavras mesmo. Se parar para pensar, nos não somos uma classe extremamente unida. É muito lindo ver todos juntos apoiando não só a mim, mas ao Sergio e a todas as pessoas que também sofreram violência."

Jurisprudência

Sérgio Silva, a quem Alex se refere, entende bem o que sente o colega de profissão. Não apenas por ser também é fotógrafo - mas porque no ano passado também perdeu a visão de um olho após levar um tiro de bala de borracha no olho esquerdo, durante os protestos de junho.

"Todos nós, na reunião sobre o caso do Alex, entendemos como absurda a decisão da justiça. Parece que estão criando uma jurisprudência. Quem pode garantir que meu caso não vai ser julgado igual, assim como tantos outros que não estão em evidência?"

O encontro foi organizado pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo e pela Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematógraficos do Estado de São Paulo.

Entre os participantes, profissionais de jornais como a Folha de S.Paulo e Agora São Paulo (onde Alex trabalhava), além de entidades como Conectas, Artigo 19, Advogados Ativistas e Associação Brasileira de Imprensa.

Além das fotos em seus perfis nas redes sociais, os profissionais decidiram usar tapa-olhos em seus ambientes de trabalho e nas ruas. A data da ação conjunta deve ser divulgada na semana que vem.

Dificuldades

Meses depois do disparo, quando percebeu que havia perdido 80% de sua visão, Silveira entrou com ação de danos morais e materiais contra o Estado.

"A primeira instância saiu em 2007, com ganho para mim e indenização de 100 salários minimos por danos físicos", conta Silveira.

"Mas disseram que eu não tive perdas materiais. Eu perdi meu material fotográfico, que é bem caro. Recorri, o Estado também, e no fim das contas, depois de sete anos, o Estado me vem dizer que sou culpado pela situação."

Segundo a justiça, Silveira também deverá pagar as despesas do processo, estimadas em R$ 1.200.

A cifra é bem maior do que parece.

"Tenho tido muito menos oportunidades de trabalho desde que tomei o tiro. Minha capacidade de trabalho mudou, mas não diminuiu, só funciono de outra forma."

Silveira não participou do encontro porque estava no Amapá, fotografando.

"Foi meu primeiro job de foto em 2014, não podia perder. Meu portifólio é tão bom quanto era, talvez seja melhor, mas não me contratam única e exclusivamente porque eu sou um deficiente. Sim, hoje eu sou um deficiente."

Leia a carta escrita por Alex Silveira aos colegas

"Carta aos companheiros!

Não é necessário dizer a vocês o quanto a posição tomada por esse Júri me afetou. Na prática, fiquei sem chão e me sentindo um lixo quando soube dessa notícia. Obviamente no primeiro momento foi um misto de indignação e auto piedade, coisa que quem me conhece direito sabe que passa logo, pois sou muito mais teimoso em tudo que faço.

Mas passado o susto da notícia, me veio o pior dos sentimentos, que foi o de me sentir literalmente “um boi de piranha” por tudo que vem acontecendo já há um tempo e com vários de nós. (Obviamente que estou citando a era pós-ditadura), na qual saímos pra trabalhar com convicção que somos abonados pela constituição e pelo direito de exercer nossa profissão livremente. E é isso que mais me preocupa e amedronta no momento.

Pois permanecendo este parecer ridículo, todos nós estaremos em um grande perigo de uma nova ditadura, mas agora velada de interesses mesquinhos e danosos, e dando para os agentes do estado um Salvo Conduto no qual o despreparo desses mesmos, certamente, causaram muitos danos, físicos, morais e constitucionais, mas isso tudo é muito óbvio.

Sobre essa decisão realmente não consegui encontrar outra forma de explicar tal absurdo: Sim eu estava lá no cumprimento de minha profissão, entendeu o Juiz. Sim, foi a polícia a responsável pelo tiro que me atingiu no rosto (bala de borracha) Mas julgou com isso que eu tenho culpa por ter me colocado na frente da bala rs (podem rir, isso realmente foi cômico). E deixou claro que eu deveria ter deixado o local assim que o confronto começou.

E o mais bizarro e perigoso "pra todos nós" Ele entendeu que ao permanecer no local eu "assumi o risco" de ter tomado o tiro. Bem, não acho que seja necessário falar sobre isso aqui entre nós, mas, alguém aí cobre, seja lá o que for, sentado na redação?? Obviamente não! Enfim, no fim das contas entendi com tudo isso que essa decisão tem uma clara intenção de "colocarmos em nosso lugar". Acredito que essa causa é maior que todos nós. Perdemos a nossa individualidade e nos tornamos um só Repórter, essa luta agora é de todos nós.

Alex Silveira"