Alvo de polêmica, indústria do lobby quer se distanciar de 'lobistas'
Quem frequenta o Congresso Nacional está acostumado à presença de lobistas e funcionários de agências de lobby circulando pelos seus corredores. Eles acompanham audiências que tratam de temas que afetam seus clientes, tomam notas e produzem relatórios. Nos bastidores, marcam reuniões com congressistas e assessores para tentar influenciar os debates.
Segundo o dicionário Aurélio, lobby significa "pessoa ou grupo que, nas antessalas do Congresso, procura influenciar os representantes do povo no sentido de fazê-los votar segundo os próprios interesses ou de grupos que representam". Ou seja: se aplica a representantes de empresas, ONGs, associações, entre outros, que atuam junto a parlamentares para convencê-los a atender seus pleitos em propostas legislativas.
No noticiário, porém, as palavras "lobby" e "lobista" quase sempre surgem ligadas a escândalos e operações policiais, como a realizada na semana passada no escritório da LFT Marketing Esportivo, cujo dono é Luis Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula.
Investigações da Polícia Federal apontam que a LFT recebeu R$ 2,4 milhões de uma empresa de lobby suspeita de "comprar" uma medida provisória de interesse do setor automotivo. Em nota, o advogado da firma do filho de Lula disse que a operação foi "despropositada" e que o valor transferido se deve à atuação no "âmbito do marketing esportivo".
Questão de nomenclatura?
Nos Estados Unidos, a Liga Americana de Lobistas anunciou em 2013 que, após mais de três décadas de existência, mudava seu nome para Associação dos Profissionais de Relações Governamentais. Saía de cena, assim, a sugestiva sigla em inglês ALL - palavra que pode ser traduzida como "tudo".
À época, a entidade disse que uma das razões da mudança era que seus membros não se consideravam "apenas lobistas". Embora regulamentada nos EUA, a atividade estava sob escrutínio devido a uma série de escândalos que emergiram nos anos anteriores. Como no Brasil nos dias de hoje.
Em terras brasileiras, a atividade é legal, embora não regulamentada. E não para de crescer: segundo a Abrig (Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais), 13 instituições de ensino - entre elas algumas prestigiadas, como FGV e Insper - oferecem cursos dedicados à área. Em 2012, não havia nenhum.
Mas, tal como nos Estados Unidos, a palavra "lobby" também está em maus lençóis, mesmo entre aqueles que trabalham com isso.
"O termo vale para uma quantidade enorme de coisas. A ponto de tanto no Brasil como fora ele ter sido abandonado como descritivo da atividade a que nos dedicamos", diz o presidente da Abrig, Caio Leonardo Bessa Rodrigues, advogado que trabalha há 15 anos na área.
"Fernando Baiano não é lobista, nunca participou de um processo de decisão. Ele intermediava negócios. Nós não tratamos de compras públicas, de transações econômicas e comerciais entre o Estado e o agente privado. Essa gente é de outro campo", afirma ele, em referência a Fernando Soares, réu e delator da Operação Lava Jato apontado como operador do PMDB na Petrobras - o que o partido nega.
Para Rodrigues, "esse tipo de confusão" reforça a necessidade de "deixar claro que o que nós fazemos é outra coisa e merece ser tratado por outro nome: relações governamentais". O profissional do setor, diz, atua apenas quando o tema é "mudanças na regra do jogo", ou seja, no ambiente regulatório, passando longe de licitações e afins.
"É claro que nos incomoda que o mesmo termo (lobby) seja aplicado a esse tipo de gente e ao trabalho que nós fazemos, que é de interesse público."
Lobistas na sala de aula
Rodrigo Martins Navarro de Andrade, coordenador do MBA (mestrado) de Relações Institucionais da FGV, não vê necessariamente um problema na palavra. "Entendo que ela tem um desgaste em função disso tudo, mas não tenho como falar para você 'não use mais, fale a seus colegas de imprensa que não usem'. É uma palavra usada há muito tempo."
Na sua visão, os escândalos estão, de certa forma, levando as companhias a buscarem profissionais especializados, o que se reflete no boom dos cursos de especialização. "Empresas grandes têm sido trazidas à mídia com um viés negativo justamente por causa dos apoios ou dos consultores que escolheram no passado. Essas pessoas que dizem 'a gente resolve isso rapidinho'."
Segundo o professor, que é engenheiro e trabalha com lobby há 25 anos, foi-se o tempo em que as pessoas procuradas para a atividade eram aquelas que tinham trabalhado no governo. "O setor privado está percebendo que só o networking não é suficiente. É necessária uma série de competências."
A FGV exige que os candidatos a seu curso - ministrado em São Paulo e Brasília e, em breve, no Rio - tenham ao menos dois anos de experiência em relações com governo. Advogados são os principais interessados, seguidos por jornalistas, engenheiros, economistas e até profissionais de educação física.
Além das agências que se dedicam exclusivamente ao lobby, há hoje escritórios de advocacia, agências de comunicação corporativa, consultorias econômicas e de relações internacionais se dedicando à atividade. Muitas grandes empresas também têm suas próprias áreas internas de relações governamentais - embora muitas nem por isso deixem de contratar os serviços dos lobistas.
Regulamentar ou não, eis a questão
Uma das agências de lobby com atuação no Congresso é o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que representa todas as centrais sindicais brasileiras.
O diretor de comunicação do órgão, Antonio Augusto de Queiroz, diz que dez funcionários levam as demandas dos sindicatos a agentes públicos e os mantêm informados sobre temas de seu interesse.
Ele afirma que o lobby "ajuda o decisor a se posicionar levando em conta a correlação de forças na sociedade" e não substitui o contato direto entre parlamentares e as entidades. "É um trabalho de mediação", define.
Queiroz afirma que uma série de leis aprovadas nos últimos anos - entre as quais a Lei de Acesso à Informação (2012) e a Lei de Conflito de Interesses (2013) - tornou mais claras as regras para a convivência entre lobistas e agentes públicos, facilitando a detecção de desvios.
A Abrig também afirma que já há legislação suficiente para punir crimes cometidos pelos dois lados. A entidade diz defender uma "agenda positiva" que inclui um projeto de lei, ainda incipiente, com regras para dar transparência a encontros entre lobistas e parlamentares - para, enfim, tornar público quem um parlamentar recebe e qual é o assunto abordado, entre outros itens.
Além disso, quer que os representantes de todas as partes sejam atendidos da mesma forma - caso se reúna com fazendeiros para tratar de uma lei ambiental, por exemplo, um parlamentar seria obrigado a se encontrar com ambientalistas.
Para Navarro, da FGV, a regulamentação ajudaria a melhorar a imagem da atividade perante a opinião pública.
Impor regras é o suficiente?
Em tese de doutorado sobre o lobby na Universidade de Brasília, o pesquisador Luiz Alberto dos Santos diz que os Estados Unidos são o país com a mais completa legislação sobre o tema.
Lobistas são obrigados a se registrar no Congresso e a divulgar relatórios sobre suas atividades. Há uma série de regras que ditam as relações entre eles e os agentes públicos.
Membros do Congresso e assessores são proibidos de aceitar presentes ou viagens pagas por lobistas, exceto em condições pontuais. Esses profissionais tampouco podem patrocinar eventos em homenagem a parlamentares.
Há ainda uma quarentena de até dois anos para congressistas e funcionários que queiram se dedicar ao lobby após deixar seus postos.
Apesar das restrições, Santos afirma em sua tese que "a existência de leis de lobby é condição necessária, mas não suficiente, para aumentar a transparência do acesso dos grupos de interesse aos responsáveis pelas decisões no âmbito das políticas públicas e dos meios e objetivos que buscam atingir por meio de sua influência no processo de políticas públicas".
Segundo ele, a legislação deve ser fiscalizada e acompanhada por outras medidas de caráter legal e institucional.
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