'Não estou proibido de conversar com Serra nem com Aécio', afirma Gilmar Mendes
Em meio à intensa turbulência política que tomou o país nas últimas semanas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes virou um dos focos das atenções ao decidir, na noite de sexta-feira, suspender a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff - algo que rendeu ao ministro críticas de suposta parcialidade contra o governo petista.
Mendes também determinou que a investigação que corre contra o petista na operação Lava Jato fosse mantida na vara do juiz Sérgio Moro, em Curitiba.
O ministro acolheu dois mandados de segurança, movidos pelo PPS e PSDB – os dois partidos de oposição argumentaram que a nomeação de Lula representava "desvio de finalidade" já que o verdadeiro objetivo seria, segundo eles, retirá-lo do alcance de Moro. Devido ao recesso de Páscoa, o STF não terá sessões nesta semana e, por isso, o caso só será submetido à análise dos demais dez ministros no dia 30.
Além de despertar a ira dos petistas, sua decisão foi criticada por alguns juristas.
Antes de proferir sua decisão, na quarta-feira de tarde, Mendes já havia feito duras críticas à nomeação de Lula. No mesmo dia, foi fotografado almoçando com o senador José Serra (PSDB-SP) e com o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso e apontado como possível ministro da Fazenda em um eventual governo de Michel Temer, atual vice-presidente.
A presença de Mendes no almoço despertou críticas de partidários do governo.
"Eu não estou proibido de conversar com Serra, nem com Aécio (Neves, também senador tucano), nem com pessoas do governo", disse Mendes, em entrevista à BBC Brasil por telefone nesta segunda-feira.
"Eu estava com meu filho e o professor Armínio Fraga tratando de assuntos acadêmicos, projetos de mestrado e coisas do tipo. Aí o senador (José Serra) ligou para o Armínio, que queria ter uma conversa com ele. Ele chegou, eu saí e eles continuaram conversando. Coisa normal. Em todo o lugar, em restaurantes, a gente encontra pessoas aqui em Brasília. Não tem nenhuma novidade", acrescentou.
Críticos alegam que Mendes toma decisões diferentes quando está julgando ações ligadas ao PT. Em artigo no portal de notícias Nexo, a coordenadora do Instituto Constituição Aberta, Damares Medina, e a professora de direito da FGV-SP Eloísa de Almeida avaliaram a decisão de Mendes sobre a nomeação de Lula como "incomum, rara e inusual".
Elas chamam a atenção, por exemplo, para o fato de que, em decisões anteriores, Mendes ter rejeitado mandados de segurança movidos por partidos políticos, sob o argumento de que esse instrumento só pode ser usado pelas legendas quando forem questionar assuntos diretamente ligados a seus filiados.
Pela jurisprudência do STF, notam elas, o instrumento mais correto para questionar a nomeação de Lula seriam as arguições de descumprimento de preceito fundamental, que foram sorteadas para o ministro Teori Zavascki.
"Tudo parece mais uma decisão de ocasião do que uma real mudança de entendimento", escrevem as juristas sobre Mendes.
Na própria fundamentação da sua decisão, o ministro reconheceu que estava mudando seu posicionamento. À BBC Brasil, disse que estava seguindo uma mudança de leitura do STF.
"Eu até justifiquei essa questão (na decisão) porque de fato isso está sendo discutido no tribunal. E o tribunal inclusive está ampliando a margem (de aplicação) do mandado de segurança quando ele é impetrado por partido político."
Mendes disse também que recebe as críticas de modo "muito tranquilo".
"Quanto a essas críticas da questão partidária, eu já votei em muitos processos relevantes a favor do PT, e não há nenhum problema quanto a isso. No caso do (Antônio) Palocci, eu fui o voto condutor naquele caso horroroso do caseiro", disse, em referência ao arquivamento da denúncia contra o ex-ministro da Fazenda de Lula, que era acusado de ter quebrado o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.
"Agora, sou crítico sim a determinadas práticas, e faço críticas ao sistema político brasileiro em geral. Não me limito a fazer críticas ao PT", acrescentou.
Grampos
Em sua decisão pela suspensão da nomeação de Lula, Mendes cita alguns grampos de conversa do ex-presidente, que foram divulgadas na noite de quarta-feira, após o juiz Sergio Moro retirar o sigilo das conversas.
O ministro reproduz, inclusive, a conversa entre Lula e Dilma, sobre o envio do "termo de posse", que foi gravada após o próprio Moro já ter determinado a interrupção do monitoramento.
Apesar de ter citado as gravações na sua decisão, Mendes reconheceu que a decisão de Moro de divulgar esses áudios é "passível de discussão" e deve ser analisada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Segundo o ministro, a conversa com Dilma pode vir a ser "descartada" por ter sido gravada após o término da autorização de monitoramento.
Em entrevista ao portal Sul21, o também ministro do Supremo Marco Aurélio Mello opinou que Moro cometeu crime ao divulgar os áudios. Questionado pela BBC Brasil se via alguma ilegalidade no episódio, Mendes disse que "não, não necessariamente".
"Agora, pode-se discutir a liceidade (licitude) da prova, a liceidade da divulgação. Isso poderá ser discutido. Ué, estão dizendo que vão levar isso ao CNJ, certamente isso é passível de ser discutido, embora ele (Moro) tenha fundamentado (sua decisão)", afirmou.
Outro ponto "passível de discussão", observou Mendes, é a decisão de Moro de divulgar integralmente os áudios.
"A legislação prevê a separação de coisas que são particulares e daquilo que é relevante para as investigações. A decisão que ele tomou, talvez em razão da suposta conspiração (para dar foro privilegiado a Lula) que ele vislumbrou, foi de divulgar integralmente, e isso está sendo objeto de polêmica."
"Ele decidiu abrir todos os diálogos, fundamentando na possibilidade de um fato extremamente grave. Isso terá que ser discutido (no CNJ)", destacou.
Críticas antigas a Moro
Em 2013, Mendes fez duras críticas à conduta de Moro, ao julgar um Habeas Corpus do caso Banestado que pedia a anulação da investigação por suposta falta de imparcialidade do juiz.
A ação foi julgada pela segunda turma do STF em 2013 – a maioria decidiu que não havia indícios suficientes para considerar Moro parcial, mas determinou que a conduta do magistrado fosse analisada pelo CNJ. O caso depois foi arquivado. O ministro Celso de Mello ficou isolado ao defender a anulação das provas.
No acórdão, Mendes classificou as decisões de Moro no caso Banestado como "conjuntos de atos abusivos" e "censuráveis", mas que "não implica, necessariamente, parcialidade do magistrado".
"Atua com inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito o juiz que se irroga de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional", escreveu ainda, ao analisar a conduta de Moro naquele processo.
Questionado agora sobre se via eventuais abusos nas decisões relacionadas à operação Lava Jato, Mendes disse que o STF "não tem acesso a todos os dados" e que "teria que examinar".
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