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Os solitários homens do 'vilarejo dos solteiros' na China

Xiong Jigen é um dos muitos solteiros do vilarejo de Laoya  - BBC
Xiong Jigen é um dos muitos solteiros do vilarejo de Laoya Imagem: BBC

Robin Brant

Da BBC News

29/08/2016 15h32

Xiong Jigen culpa a estrada. O local onde mora "é isolado e o transporte é muito difícil", explica.

Ele está em frente à própria casa, de onde se pode ver um galinheiro e campos de milho, tudo perto do topo de uma colina.

Aos 43 anos, Xiong é o que os chineses costumam chamar de "galho seco" -- um solteiro.

Este é o rótulo dado aos que, como ele, não encontraram uma esposa em um país no qual ainda se espera que um homem na faixa dos 20 anos já esteja casado e com a continuidade de sua família garantida.

Xiong mora no vilarejo de Laoya, na região rural da província de Anhui, no leste da China.

Para chegar ao local é preciso encarar uma hora de carro, avançando lentamente por uma estrada de terra, e depois caminhar por uma trilha também de terra.

A casa de Xiong é uma das sete que ficam em uma área cercada por uma floresta de bambus e árvores. Um lugar bonito.

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A casa de Xiong foi construída há apenas três anos, mas não foi o bastante para atrair uma esposa
Imagem: BBC

Transporte difícil

Laoya significa "Pato Velho", mas o local é conhecido mesmo como "vilarejo dos solteiros".

Um levantamento de 2014 concluiu que o vilarejo tinha 112 homens entre 30 e 55 anos em meio a uma população de 1,6 mil pessoas. E isto é surpreendentemente alto.

Xiong conta que conhece mais de cem homens que ainda não se casaram.

"Não consigo encontrar uma esposa. Elas se mudam para outros lugares para trabalhar, então como posso conhecer alguém para me casar?"

Novamente, ele fala das estradas. "Transporte é tão difícil aqui, não podemos atravessar o rio quando chove. As mulheres não querem morar aqui."

A parte do vilarejo onde ele mora é isolada, mas, independente disto, as probabilidades já estão contra Xiong Jigen. A China tem muito mais homens do que mulheres e, atualmente, existem cerca de 115 meninos para cada cem meninas.

Em uma cultura que historicamente favorece os homens, a política do filho único do Partido Comunista chinês levou a abortos obrigatórios e a um excesso de nascimento de meninos a partir da década de 1980.

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As mulheres de Laoya geralmente se mudam para outras cidades onde encontram trabalho e maridos
Imagem: BBC

Casamenteiras

Os pais chineses ainda têm um papel importante arrumando casamentos para os filhos, e as casamenteiras ainda são figuras comuns nos vilarejos do país.

Xiong conta que já usou os serviços de algumas delas.

"Algumas (mulheres) visitaram o vilarejo através das casamenteiras, e foram embora pois tiveram uma impressão terrível do transporte."

Parados na porta de seu quarto, perguntamos a Xiong se ele já se apaixonou.

"Já estive em um relacionamento, mas não deu certo. Ela reclamou que o vilarejo não era bom para ela, principalmente as estradas", relembra.

Ele encontrou esta mulher por meio de uma casamenteira.

"Ela era quase da minha altura, não muito gorda e nem muito magra. Era bem extrovertida."

As mulheres abandonam vilarejos como este para tentar trabalho nas cidades maiores.

Na província de Anhui, onde Xiong mora, o destino para arrumar trabalho é Xangai. As mulheres vão para a cidade para conseguir um salário mais alto e até encontrar um marido.

Algumas até voltam, mas, neste caso, já estão casadas.

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O tio (à esq.) foi o motivo que fez Xiong permanecer no vilarejo
Imagem: BBC

Os que ficam

Os homens também abandonam os vilarejos, mas, geralmente, só para trabalhar. Alguns ficam para cuidar os pais idosos, mantendo a tradição chinesa de os filhos homens cuidarem dos pais.

Xiong Jigen decidiu ficar para cuidar o tio. A reportagem da BBC viu o idoso do lado de fora da casa perto de uma bacia cheia de grãos de milho.

"Ele não vai conseguir comida se eu for embora. Ele não pode ir para um asilo", disse.

A noção de dever que a geração mais jovem tem em relação aos idosos ainda é uma parte muito importante da vida familiar na China.

O presidente Xi Jinping disse acreditar que nada pode atrapalhar uma família forte e tradicional.

Para se ter uma ideia da força desta tradição, uma nova lei introduzida na cidade de Xangai no começo de 2016 determina punições para filhos que não visitam os pais.

Mas, no "vilarejo dos solteiros", não são apenas os homens que ficaram para trás. A vizinha de Xiong, Wang Caifeng, ainda mora no local e é uma agricultora com duas filhas e um marido.

"A cidade natal é melhor. Eu realmente escolhi ficar."

Perguntamos sobre o futuro de suas duas filhas. As meninas caminham por mais de uma hora duas vezes por dia para ir à escola.

Wang concordaria caso elas decidissem ir embora quando forem mais velhas?

Ela responde que espera que as filhas fiquem em Laoya. Mas a filha de 14 anos não concorda.

Fujing quer ser médica, como o pai, e acredita que este plano vai funcionar melhor "no mundo lá fora".

O "mundo lá fora" não está tão longe assim. Na verdade, está nas casas dos moradores do vilarejo: eles têm TV por satélite, Xiong tem uma moto.

Mas Laoya ainda parece muito distante e, em algumas ocasiões, até isolada do resto do país.

Para se ter uma ideia, a casa de Xiong foi construída há apenas três anos. Mas a moradia nova não é o suficiente para convencer as mulheres que vêm visitá-lo a morar ali.

Laoya não é o único "vilarejo dos solteiros" na China, mas apresenta os dilemas da vida na zona rural do país: a fuga da pobreza e a ligação com a terra, o desequilíbrio entre os gêneros e o dever de cuidar dos pais e familiares idosos.

E, claro, as estradas ruins.