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Por que projeto que criminaliza caixa 2 pode levar a 'anistia' de novos acusados da Lava Jato

22/11/2016 06h48

O texto-base do pacote anticorrupção, que propõe entre outras medidas, a criminalização do caixa 2 (movimentação irregular de recursos de campanha), foi aprovado em comissão especial da Câmara dos Deputados por unanimidade na noite desta quarta-feira.

No entanto, alguns pontos, os chamados destaques, ainda serão submetidos à votação. Deputados e partidos podem pedir que pontos específicos do projeto sejam votados separadamente.

Depois os destaques serem analisados, o projeto vai à votação no plenário da Câmara e, se aprovado, segue para o Senado. A sessão se estendeu até o fim da noite.

Há rumores, contudo, de que haverá uma mudança no texto-base aprovado ? que não previa anistiar expressamente crimes passados ? antes de ele ser votado na casa. Alguns parlamentares vêm se movimentando nos bastidores para aprovar o perdão.

Por trás dessa iniciativa, estaria o temor quase generalizado em Brasília de que um acordo de delação premiada de dezenas de executivos da Odebrecht, atualmente em fase final de negociação dentro da Operação Lava Jato, possa levantar acusações sobre recebimento de doações ilegais contra um grande número de políticos e partidos.

Como pode ser aprovada a anistia?

Atualmente, não há uma lei específica estabelecendo punição para transações de caixa 2 no país. O Ministério Público Federal defende que a criação de uma lei detalhada prevendo as práticas que seriam ilegais e estabelecendo punições mais duras é importante para coibir a corrupção no país.

Sempre que uma lei é criada prevendo uma novo crime ela só pode ser aplicada para atos praticados após sua criação. Com base nesse princípio, parlamentares argumentam que, caso o caixa 2 seja criminalizado, todas as transações anteriores a esse momento não poderão ser punidas. A essência do raciocínio é essa: "se virou crime agora, não era crime antes".

Na prática, porém, essa anistia não é automática, afirma a professora de Direito Eleitoral da FGV-Rio Silvana Batini, pois já existem leis que, embora não tratem especificamente do caixa 2, podem ser usadas para punir essas operações.

É o caso do artigo 350 do Código Eleitoral que estabelece de um a cinco anos de prisão para quem omitir documentos da prestação de contas de campanha.

Se a origem do dinheiro movimentado no caixa 2 for ilícita, também há a possibilidade de enquadrar a transação em outros crimes, como lavagem de dinheiro e corrupção.

Dessa forma, para conseguir aprovar uma anistia, os parlamentares terão que expressamente prever esse perdão no texto da nova lei - e a abrangência do texto proposto é que tem sido o foco de intenso debate e negociação nos bastidores do Congresso.

"Eles têm poder para anistiar? Têm, mas terão que ser explícitos", afirma Batini.

Reação do MPF

Na tentativa de barrar esse movimento, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, criou um grupo de quarenta procuradores para negociar e pressionar os parlamentares sobre esse e outros pontos do pacote de medidas anticorrupção.

"Nossa preocupação é com esses crimes correlatos (ao caixa 2, como lavagem de dinheiro e corrupção). A posição que se defende é que os crimes correlatos continuem a ser julgados de acordo com a legislação vigente à época que eles ocorreram", disse à BBC Brasil o subprocurador-geral da República Nicolao Dino, um dos integrantes do grupo.

"Não se pode, a pretexto de criminalizar o caixa 2, fazer lateralmente a aprovação de uma medida que acabe por anistiar os crimes correlatos. Isso configuraria um retrocesso e essa é uma das preocupações do grupo de trabalho que foi constituído", acrescentou Dino.

Caso a anistia seja aprovada, é possível que a nova lei seja questionada no Supremo Tribunal Federal, observa a professora da FGV.

"Se o Congresso vota uma anistia nessa situação, ele está legislando em causa própria, então você poderia questionar a constitucionalidade de lei, se ela fere o princípio da razoabilidade. Mas essa situação é inédita no Brasil, não dá nem para imaginar o que viria disso", disse Batini.

Quem está por trás da tentativa de anistia?

Parlamentares contrários à anistia do caixa 2, como deputados do PSOL e Rede, acusam os líderes dos principais partidos (PMDB, PSDB, PT, DEM, entre outros) de estarem por trás dessa articulação. Oficialmente, porém, essas legendas dizem que não têm posição fechada sobre a questão.

Em setembro, quando houve uma primeira tentativa de aprovar o perdão, um dos homens fortes do governo Michel Temer, o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, chegou a defender a medida em entrevista ao jornal O Globo.

"Se pede isso (criminalizar o caixa 2), é lícito supor que caixa 2 não é crime. Se não é crime, é importante estabelecer penalidades aos que infringirem a lei. Agora, quem foi beneficiado no passado, quando não era crime, não pode ser penalizado", afirmou.

"Esse debate tem que ser feito sem medo, sem preconceito, sem patrulha e sem histeria. (...) Não trataria como anistia porque anistia serve a quem cometeu um crime. No caso do caixa dois, se não tem crime, não tem anistia", disse ainda na ocasião.

Hoje, Geddel está enfraquecido com a revelação de que teria pressionado o Ministério da Cultura para liberar a construção de um prédio de 30 andares em região histórica de Salvador, empreendimento no qual comprou um apartamento. A repercussão negativa do episódio, revelado neste sábado, cria um ambiente menos favorável à aprovação da anistia.

"O espectro que ronda essa decisão (de anistiar o caixa 2) é a delação da Odebrecht, que pode pegar todos os grandes partidos, os médios e até parte dos pequenos. Há quase uma unanimidade (a favor da anistia), mas vamos resistir. A nossa salvação é a opinião pública, a reação da sociedade", afirmou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).