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Alexandre de Moraes tem os requisitos para ser ministro do STF?

Alexandre de Moraes, então ministro da Justiça, detalha o Plano Nacional de Segurança - André Dusek/Estadão Conteúdo/6.jan.2017
Alexandre de Moraes, então ministro da Justiça, detalha o Plano Nacional de Segurança Imagem: André Dusek/Estadão Conteúdo/6.jan.2017

21/02/2017 07h45

Desde que o ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, foi indicado pelo presidente Michel Temer ao Supremo Tribunal Federal, questionou-se se ele cumpriria os critérios constitucionais para ocupar o cargo.

Entre os argumentos contrários, estão falhas no seu currículo, ações controversas de sua gestão na secretaria de Segurança Pública de São Paulo e outras questões --que podem vir à tona nesta terça, durante sabatina no Senado, onde sua indicação será votada.

A BBC Brasil ouviu nomes do mundo jurídico para responder a esse questionamento. A maioria deles não tardou em afirmar: sim, ele atende aos requisitos estabelecidos pela Constituição de "notável saber jurídico e reputação ilibada", além de ter entre 35 e 65 anos.

Mas isso não significa que o nome seja considerado ideal pelos entrevistados. Eles explicam que o ministro é aceito num sistema de parâmetros muito amplos, no qual quase tudo passa --o último a ser vetado pelo Parlamento foi o médico Barata Ribeiro, no século 19.

Segundo especialistas, para descumprir as normas da Constituição, pelo menos da forma como são encaradas hoje, seria necessário indicar alguém muito inadequado para o posto.

"O Senado está proibido de escolher quem não tem qualquer vestígio de saber jurídico. Agora, havendo, como há com Moraes, livros publicados, concursos, exercício de advocacia, afasta-se a hipótese anterior. Ele passa com certa folga", diz o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Luiz Alberto David Araujo.

De acordo com o professor, como os conceitos citados pela Constituição não são detalhados, eles são moldados pela ação dos senadores, que não costumam ser minuciosos na análise da carreira e vida intelectual dos indicados.

Critérios vagos

Mas o que significa, afinal, "notável saber jurídico e reputação ilibada"?

Os entrevistados citam alguns elementos que podem integrar a definição de notável saber, como produção acadêmica, livros publicados e reconhecimento pela comunidade jurídica.

No entanto, ressaltam, nada disso é especificado pela Carta Magna. Não há determinações sobre como isso deve ser aferido. E a falta de um currículo na área não necessariamente atesta falta de conhecimento --alguém pode dominar as leis sem tê-las estudado formalmente.

"Tirando isso, que é muito pouco, você tem nada específico (na Constituição) sobre experiência prévia: se estudou na faculdade X ou Y, se tem especialização, se passou em concurso", afirma a professora de Direito da FGV-SP Eloísa Machado.

A noção de reputação ilibada também é bem ampla, apesar de ser considerada mais fácil de descrever, na opinião dos juristas: é basicamente não ter cometido crimes.

Carreira de Moraes

Amplas, as regras constitucionais são interpretadas pelo presidente, que indica o novo ministro, e pelo Senado, responsável pela sua aprovação.

Em teoria, os parlamentares deveriam servir como um instrumento de controle, usando a sabatina --marcada para esta terça-feira-- para averiguar detalhadamente a obra e a reputação do candidato, ponderando se ele se encaixa na Corte.

Mas não é bem isso que acontece, dizem os entrevistados. Os critérios constitucionais não costumam ser levados tão à risca e os interesses políticos predominam.

"(O conceito) é preenchido pelo juízo político do Parlamento. No nosso sistema, essa revisão da vontade presidencial é entregue para o Senado, que diz 'ele deu aula, escreveu um livro', então está bom", diz Luiz Alberto David Araujo, da PUC-SP.

No caso específico de Alexandre de Moraes, sua carreira é considerada mais do que suficiente para se encaixar nos padrões não tão exigentes da Casa.

Integrante do núcleo principal do governo Temer, o ministro tem uma carreira longa na administração pública.

Depois que saiu do Ministério Público de São Paulo, foi secretário municipal, durante a prefeitura de Gilberto Kassab, e secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo de Geraldo Alckmin. Também é considerado um dos mais bem sucedidos autores da área jurídica, com livros na 32ª edição.

"Não é um consenso, mas ele é reconhecido por ser um professor, um acadêmico, tem obras que estão em trigésima edição, tem uma produção importante. Que ele possui uma carreira reconhecida é fato", diz a professora de Direito Constitucional da PUC-SP Marina Faraco.

Plágio

O que traz dúvidas aos estudiosos da área são as queixas de plágio contra Moraes. Para eles, as acusações que o ministro sofreu poderiam, se comprovadas, ferir os requisitos constitucionais.

No episódio mais conhecido, uma reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que o livro de autoria de Moraes Direitos Humanos Fundamentais contém trechos idênticos aos de uma obra do jurista espanhol Francisco Rubio Llorente (1930-2016), Derechos Fundamentales y Principios Constitucionales. Em resposta ao jornal, o ministro licenciado disse que "o livro espanhol mencionado é expressamente citado na bibliografia".

Deputados do PT apresentaram uma ação no Conselho de Ética da USP pedindo que Moraes seja desligado da instituição. Eles também pediram que a Procuradoria-Geral da República denuncie Moraes ao STF por crime de violação de direito autoral.

"A depender dos desdobramentos da acusação, uma coisa só conseguiu fragilizar os dois critérios da Constituição. É uma violação ética relevante e mancha a reputação da pessoa. Também dá margem para que se diga que ele copiou porque não saberia dizer outra coisa no lugar, prejudicando o saber jurídico", afirma Eloísa Machado, da FGV-SP.

No entanto, os senadores - alguns, investigados por suspeitas de delitos bem mais graves - não devem prestar muita atenção para esse tipo de infração, opina Luiz Alberto David Araujo, da PUC-SP.

"Pelo modelo do Senado, não há um rigor muito grande com determinados comportamentos. Provavelmente, a partir da história recente é possível que esta falha editorial ou de organização seja relevada."

O mesmo valeria para questões como falhas no currículo, no qual indica a realização de um pós-doutorado entre 1997 e 2000, simultâneo ao doutorado.

Estilo e interferência política

Para muitos especialistas em Direito, o que mais preocupa não são tanto os aspectos observados pela Constituição, mas aquilo que não está escrito na lei: o estilo de Moraes e suas relações políticas.

Membro do governo até o começo do mês e ex-filiado do PSDB, teme-se que ele possa sofrer pressão de futuros réus da Operação Lava Jato, que têm processos no STF.

O professor de Direito da FGV-SP Oscar Vilhena diz não ter dúvidas de que o ministro licenciado da Justiça possui saber jurídico, mas questiona a conveniência da indicação, quando há nomes mais reconhecidos e neutros na academia.

"É um cara que fez um livro de direito constitucional que vendeu mais de um milhão de cópias. Não me parece que seja incompetente. Mas temos um processo muito importante, que é o da Lava Jato, e ele tem proximidade com membros do partido que eventualmente serão submetidos a julgamento. O Supremo precisava de alguém mais imparcial."

Outro ponto questionado é a atuação de Moraes em cargos públicos, especialmente como secretário de Segurança Pública de São Paulo.

Ele comandava o órgão em janeiro de 2016 quando ocorreram casos de repressão a manifestantes na capital paulista. Os protestos pela redução da tarifa do transporte foram coibidos pela ação policial, criticada pela truculência.

Tudo isso torna Moraes uma figura controversa, diz Eloísa Machado, da FGV-SP.

"É um nome controvertido tanto no mundo jurídico como no político. É muito diferente do [Edson] Fachin, alguém da academia, um nome sem projeção política. Ele [Moraes] me parece pouco chegado na garantia dos direitos processuais, da visão de direitos humanos, de segurança pública."

Orientador de doutorado de Moraes, o jurista Dalmo Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, concorda. Ele diz que respeitava a produção científica de seu orientando até que se informou sobre suas ações na administração pública.

Dallari frisa uma portaria de janeiro que dava ao Ministério da Justiça o poder de rever as análises da Funai sobre demarcação de terras indígenas. Apesar de o documento ter sido revogado no dia seguinte, o jurista viu nele uma clara falta de "consciência jurídica".

"Foram portarias escancaradamente inconstitucionais e ilegais para favorecer invasores de áreas indígenas. E óbvio, se ele tivesse consciência jurídica, não faria uma coisa dessa."

Sem tal consciência, diz Dallari, Moraes também não teria notável saber jurídico e, logo, não se encaixaria nos preceitos constitucionais.

"Notório saber não significa apenas conhecimento do que está escrito na lei, é ter consciência do significado ético e social das normas de direito a partir da Constituição. Cheguei a conclusão de que realmente ele não preenche os requisitos."

Especialista em STF e colega de Moraes no Conselho Nacional de Justiça no início dos anos 2000, o professor Joaquim Falcão, da FGV-RJ, destoa do jurista.

Ele descreve Moraes como um vanguardista, que não cedia às pressões de ninguém e se comportava com "ousada independência". Na visão de Falcão, Moraes não só cumpre os itens previstos na Constituição como seria ingênuo pensar que os ministros do tribunal votam de acordo com o presidente que os indicou.

"A experiência aqui mostra: Ayres Britto e Joaquim Barbosa foram indicados por Lula, (e condenaram réus do PT no mensalão). Acho que o futuro de qualquer ministro do Supremo está na mão do ministro do Supremo. É ingenuidade achar que as pessoas ficam dependentes."

O fato é que, dentro ou fora da Constituição, Alexandre de Moraes não é consenso.