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'Eles não queriam algazarra', diz subprefeito sobre servidores que dormiram no trabalho

Paulo Mathias disse ter apenas atendido o pedido dos trabalhadores da subprefeitura - Mayra Sartorato/BBC BRASIL
Paulo Mathias disse ter apenas atendido o pedido dos trabalhadores da subprefeitura Imagem: Mayra Sartorato/BBC BRASIL

Ingrid Fagundez

28/04/2017 18h31

O subprefeito de São Paulo que atraiu atenções na véspera da greve geral por ter anunciado que servidores dormiriam no trabalho para não aderir ao movimento diz que apenas "colaborou" com o desejo dos funcionários.

"Eles só queriam trabalhar, não queriam algazarra", afirmou à BBC Brasil Paulo Mathias, de 26 anos, administrador da região paulistana de Pinheiros. "A gente apenas colaborou, da forma como pode, para que eles pudessem trabalhar."

Na noite de quinta-feira, Mathias publicou vídeo no Facebook anunciando que seis funcionários tinham solicitado passar a noite no trabalho.

O grupo, afirmou ele, temia não conseguir voltar na manhã seguinte por força de eventuais interrupções no transporte público motivadas pela greve geral, convocada por centrais sindicais em todo o país.

Na gravação, em que os subordinados aparecem mas não falam, o subprefeito afirma que a atitude dos subordinados o deixara "arrepiado" e "emocionado."

"Somos a favor do direito à greve, mas não em dia de trabalho. Queria olhar para vocês e dizer: 'Aqui na prefeitura de Pinheiros amanhã (sexta-feira) é dia de trabalho'". O vídeo foi criticado por supostamente expor os funcionários e apresentar uma definição inusitada de paralisação trabalhista.

Mathias afirmou à BBC Brasil que se expressou mal. Disse ser contrário a manifestações, e não a greves, em dias de trabalho.

O gestor rebateu as críticas - que incluíram a presença de sindicalistas na subprefeitura protestando contra o que classificaram como trabalho escravo.

"(Na sexta-feira) chegaram aqui cerca de 20, 30 sindicalistas protestando contra trabalho escravo. Nunca vi trabalho escravo no qual as pessoas simplesmente querem trabalhar. É só isso. E ninguém obrigou ninguém."

O subprefeito reiterou que a ação não foi iniciativa da prefeitura, mas de funcionários - motoristas, marceneiros, membros da manutenção e da limpeza - com mais de 20 anos de experiência, que "não pediram suas aposentadorias", "gostam de trabalhar" e "tem amor pelo que fazem".

Histórico da medida

Mathias afirmou ter recebido, na tarde de quinta-feira, uma mensagem da chefe do setor administrativo informando que alguns funcionários dormiriam ali para não perder o dia seguinte de trabalho.

Àquela altura o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), já havia anunciado o desconto nos salários de contratados pelo município que aderissem à paralisação.

O subprefeito disse ter sido tocado pela iniciativa - "que gesto de cidadania, que exemplo de funcionalismo público" - e que por isso chamou os funcionários na mesma hora.

"Perguntei: 'Vocês querem dormir aqui?'. Eles falaram: 'Sim, porque a greve vai atrapalhar nossas vidas'."

A administração montou uma estrutura para o pernoite: seis colchões, seis cobertores e uma pizza, dividida com Mathias. Todos jantaram juntos. "Foi muito bom, muito bacana", diz o gestor.

Críticas

A publicação de Mathias no Facebook suscitou comentários como "explorador" e "escravocrata", além de ícones expressando rejeição ao conteúdo. Para o subprefeito, as críticas vieram de uma "massa robótica acionada pelos sindicatos".

"Entramos em alguns perfis para dar uma olhada. Tudo fake, a grande maioria tem um amigo, dois amigos. Você já percebe a coisa construída", disse o subprefeito, que foi um dos coordenadores da campanha de Doria e presidiu o setor de juventude do PSDB paulista por duas gestões.

Em resposta às críticas, ele disse que a situação objeto que motivou a polêmica não foi causada por ele, mas por "quem está parando a cidade".

"Infelizmente, (são) algumas pessoas que insistem em paralisar avenidas e causar transtorno na cidade, impossibilitando pessoas de bem, como eles (funcionários da subprefeitura), de trabalhar."

Nas redes sociais, críticos também questionaram o silêncio dos servidores durante a gravação. Para Mathias, porém, a presença dos servidores já era suficiente naquele momento.

"Só de estarem junto comigo no vídeo... são funcionários públicos concursados, não são comissionados. Então, trabalham aqui há muitos anos... não teria sentido, sabe? São pessoas que aderiram, que realmente quiseram fazer aquilo."

Servidores

Após a entrevista com o subprefeito, a BBC Brasil tentou localizar o grupo que pernoitara no local, mas todos tinham sido chamados por Mathias.

Protesto na capital paulista durante paralisação nesta sexta-feira - Cesar Itiberê/Fotos Públicas - Cesar Itiberê/Fotos Públicas
Protesto na capital paulista durante paralisação nesta sexta-feira
Imagem: Cesar Itiberê/Fotos Públicas

Enquanto aguardava os seis, a reportagem conversou com alguns de seus colegas. Na cozinha dos empregados, a caixa de pizza estava no lixo.

"Pois é, o pessoal dormiu aqui. Sou terceirizado, não tem como não trabalhar, não é? Até pensei em pedir para dormir também, mas aí acordei às 4h30 e vim", disse um funcionário da equipe de manutenção.

Os servidores acabaram não aparecendo. "Talvez tenham ido almoçar", palpitou o colega.

Meia hora depois, um novo vídeo apareceu na página de Paulo Mathias.

E começa assim:

"Meu nome é João, trabalho há 35 anos aqui na (sub)prefeitura de Pinheiros. Eu, com meus amigos, resolvemos conversar com o prefeito para pousarmos aqui à noite, devido a essa greve do dia seguinte. Que eu moro longe, (em) Ibiúna, eu e meus amigos moramos longe. Então, o prefeito deu colchão, coberta, lanche, que nós não trabalhamos, mas pousamos aqui à noite", disse um dos funcionários.