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'Eleições de 2018 não vão trazer consolo ao brasileiro', diz presidente de consultoria de risco dos EUA

Luis Barrucho

Da BBC Brasil em Londres

08/07/2017 08h42

Em um tuíte recente, o americano Ian Bremmer, especialista em países emergentes e presidente do Eurasia Group, uma das maiores consultorias de risco político do mundo, ironizou que o "Brasil está mostrando aos americanos no que consiste realmente um escândalo político".

A publicação fazia alusão à então recém-instaurada crise no governo, deflagrada a partir da divulgação da conversa entre o empresário Joesley Batista, dono da JBS, e o presidente Michel Temer.

Em entrevista à BBC Brasil, Bremmer diz acreditar que as eleições do ano que vem "não vão trazer consolo aos brasileiros".

"As regras atuais que envolvem as eleições legislativas tornam mais provável que o Brasil assista a muitos dos mesmos problemas acontecendo no ano que vem, como o custo alto do pleito e muitos partidos criando um Congresso fragmentado", avalia.

Apesar disso, ele se diz otimista quanto ao futuro do país.

"No fim das contas, os brasileiros devem se reconfortar com o fato de que todos esses escândalos políticos estão, na prática, trazendo à tona a verdadeira corrupção. Sim, é um processo extremamente doloroso, mas precisa acontecer", opina.

Confira a seguir a entrevista, realizada antes de Temer ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República.

BBC Brasil - A crise política brasileira parece interminável. O senhor vê alguma luz no fim do túnel? Qual é a solução para o Brasil?

Ian Bremmer - Um bom jeito de começar seria tornar os sistemas eleitorais mais responsáveis e transparentes, com campanhas mais baratas. Isso reduziria os incentivos para a corrupção logo de cara.

Mas, no fim das contas, os brasileiros devem se reconfortar com o fato de que todos esses escândalos políticos estão, na prática, trazendo à tona a verdadeira corrupção. Sim, é um processo extremamente doloroso, mas precisa acontecer.

O Brasil precisa dar um basta na propina e na corrupção. Sem isso, as leis não vão funcionar. Também precisa cobrar maior transparência das empresas. Só dessa forma elas irão se tornar mais eficazes e eficientes.

Considero que, em última análise, a Lava Jato está ajudando o país a trilhar um caminho melhor.

BBC Brasil - Mas o que o Brasil deve fazer para entrar nos eixos? Quais mudanças o senhor gostaria de ver implementadas?

Bremmer - Além das reformas políticas que mencionei, o Brasil precisa de uma reforma da Previdência eficaz para colocar as finanças em ordem.

Também precisa de uma legislação tributária mais simples, de modo que as empresas - nacionais ou internacionais - tenham mais facilidade para operar. Precisa trazer a experiência de gestão para dentro das estatais.

E, por último, precisa investir em infraestrutura tanto para a classe trabalhadora quanto para a classe média.

BBC Brasil - Qual é a sua avaliação sobre o governo de Michel Temer? É melhor ou pior do que o de Dilma?

Bremmer - Considero o governo Temer melhor do que o de Dilma no sentido de que tem um melhor entendimento dos mercados e da economia. Mas claramente é tão corrupto e parte do mesmo sistema falido.

Olhando mais para frente, Temer parece ser o fim de um ciclo político que começou na década de 1980, quando o país estava caminhando de volta para a democracia. Essa classe política específica atingiu a maioridade durante a ditadura militar, e passou as três décadas seguintes consolidando as instituições políticas (anos 1980), a estabilidade econômica (anos 1990) e os ganhos sociais (anos 2000).

Agora uma nova geração precisa surgir e assumir a liderança política, mas não está claro quem será. Daí o risco de grandes surpresas no ano que vem durante as eleições.

BBC Brasil - Como os políticos brasileiros podem recuperar a confiança do povo? Isso é possível?

Bremmer - Isso só será possível por meio da emergência de verdadeiras lideranças nas eleições brasileiras. Há dois grandes desafios para esses novos aspirantes à política: 1) melhorar as condições de vida para o brasileiro médio por meio de melhores serviços públicos e 2) não roubar.

Até o momento, tem sido difícil encontrar políticos capazes de alcançar esses dois objetivos. Isso é um problema, especialmente porque os últimos protestos têm mais a ver com o fato de que as expectativas da população não estão sendo atendidas do que propriamente uma reação contra a corrupção.

BBC Brasil - O que os brasileiros podem esperar das eleições do ano que vem? O senhor acredita que as eleições podem trazer reconforto aos brasileiros dado que muitos não veem mais esperança no país?

Bremmer - Triste dizer, mas as eleições do ano que vem não vão trazer muito consolo ao brasileiro médio. O pleito vai ser menos entre a direita e a esquerda e mais sobre o velho e o novo - e já temos visto que a demanda por candidatos antissistema vem crescendo.

Enquanto é perfeitamente possível sermos surpreendidos com quem vai ser eleito presidente, as regras atuais que envolvem as eleições legislativas tornam mais provável que o Brasil vá assistir a muitos dos mesmos problemas acontecendo no ano que vem, como o custo alto do pleito e muitos partidos criando um Congresso fragmentado.

O país precisa de uma vez por todas de reformas eleitorais essenciais, mas isso não deve acontecer a tempo das eleições do ano que vem, dado que qualquer mudança nas regras tem de ser aprovada um ano antes. Não teria essa ilusão.

BBC Brasil - Todas as atenções estão voltadas para o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Doria se apresenta como um "forasteiro" que está mudando a forma de fazer política no Brasil. O senhor realmente considera que ele está redefinindo a forma de fazer política no Brasil?

Bremmer - Não resta dúvida de que Doria representa uma reviravolta na política brasileira. Apesar de ele não ser o "messias político" que muitos imaginavam, a forma como ele faz política - o uso das redes sociais, a relação com o setor privado, suas habilidades de gestão - vão forçar políticos antiquados a se submeterem a uma mudança radical.

Os resultados desse novo tipo de estilo na política ainda não são conhecidos - e podem nem ser tão frutíferos quanto imaginariam os mais otimistas. Mas é difícil imaginar as coisas ficando piores do que estão atualmente.

Da forma como está agora, Doria é um candidato muito forte para 2018, não por causa dos métodos que ele vem usando, mas porque ele tem o apoio de um partido dominante, o que é importante em um país continental como o Brasil.

A legislação eleitoral dá aos maiores partidos dominantes maior alavancagem durante as eleições, seja pelo tempo de TV ou dinheiro.

BBC Brasil - Em vários países do mundo, como nos Estados Unidos e na França, candidatos que não se dizem políticos vêm sendo eleitos. Essa é a nova tendência na política?

Bremmer - Não. Pelo menos ainda não. Não estamos vendo isso acontecer no Japão ou na Alemanha, onde a classe trabalhadora ou a classe média não têm os mesmos níveis de populismo dos Estados Unidos. Ou na China, onde o Partido Comunista continua firme e forte.

Os contextos locais importam, mas esse tipo de perfil político está certamente crescendo - e precisamos ficar atentos a isso.