Criativo e conciliador, novo chefe da PF assume comando da Lava Jato com suposto apoio de investigados
O presidente Michel Temer anunciou na quarta-feira a mudança de cúpula da Política Federal. O delegado de carreira Fernando Segóvia assume como novo diretor-geral no lugar de Leandro Daiello, cuja saída já era esperada após sete anos à frente da instituição. A troca levanta questionamentos sobre o futuro da operação Lava Jato - integrantes da PF ouvidos pela BBC Brasil se dividem sobre os riscos de interferência na investigação.
Segóvia, que tem 22 anos como delegado, estava entre os cotados para assumir a PF e acabou vencendo a disputa com Rogério Viana Galloro, atualmente diretor-executivo da PF e considerado o número dois de Daiello. Sua indicação teria contrariado a vontade do Ministro da Justiça, Torquato Jardim, e contado com apoio de políticos do PMDB investigados na Lava Jato, como o chefe da Casa Civil, Edson Padilha, e o senador Romero Jucá (RR).
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Ele começa no cargo com a autorização para trocar os demais diretores da cúpula da Polícia Federal, em Brasília. Existem hoje seis diretores abaixo do diretor-geral, além da Corregedoria. Ainda não está claro qual será a extensão das mudanças, mas pelo menos uma troca é dada como certa: a saída de Galloro do cargo.
A escolha política por Segóvia desagradou alguns delegados, que preferiam ver indicado um dos três nomes eleitos em uma consulta formulada pela Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), em maio passado. Na ocasião, a mais votada foi a delegada Erika Marena, que já atuou em investigações da Lava Jato e hoje trabalha na superintendência do órgão em Santa Catarina. O nome de Segóvia teria ganhado tração depois que ele conseguiu o apoio do PMDB, dizem estes delegados.
"Nós temos uma pauta que é a indicação do diretor-geral através de uma lista tríplice, discutida e eleita pela categoria, tal como acontece no MPF (Ministério Público Federal). O presidente (da República) resolveu fazer uso de sua prerrogativa prevista em lei", disse o presidente da ADPF, o delegado Carlos Sobral.
"Em relação à troca de comando (da corporação), desejamos sorte e sucesso para a nova gestão, e que busque sempre o fortalecimento da PF", acrescenta Sobral.
A PF, porém, não é formada apenas por delegados. Representantes dos peritos e agentes federais elogiaram a indicação de Segóvia. Outros integrantes da PF ouvidos pela BBC Brasil também minimizaram os riscos para o andamento das Lava Jato.
Formado pela Universidade de Brasília, o novo diretor-geral foi superintendente regional da PF no Maranhão e adido policial na República da África do Sul, tendo exercido parcela importante de sua carreira em diferentes funções de inteligência nas fronteiras do Brasil.
"Conhecendo o perfil do Segóvia, não vejo risco para a Lava Jato. É uma escolha muito acertada", afirmou Paulo Lacerda, que dirigiu a Polícia Federal e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) durante o governo do ex-presidente Lula (PT).
Dois integrantes da Polícia ouvidos pela BBC disseram que a passagem de Segóvia pelo Maranhão é que teria lhe rendido proximidade com o ex-presidente José Sarney e o apoio do PMDB. Já outro delegado ponderou que é comum que os superintendentes mantenham boas relações com as autoridades estaduais.
"Quem foi superintendente no Maranhão sempre ganhou essa imagem de ser subserviente à família Sarney, e eu nunca vi nada concreto de isso ter ocorrido. Para afirmar isso, é preciso apontar: qual foi o fato concreto, qual foi a investigação em que ele tenha favorecido quem?", ressaltou.
O presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Marcos de Almeida Camargo, por sua vez, disse que natural que a escolha para cargos de grande importância como a direção da PF envolva algum grau de articulação política e descartou impactos negativos para Lava Jato. Na sua visão, Segóvia é "competente", "agregador" e a troca de comando após sete anos é importante para "oxigenar" a instituição.
"As trocas existem e são normais em qualquer serviço público. A Polícia Federal é uma instituição sólida a ponto de poder fazer troca sem que isso necessariamente vá interferir em padrões de atuação. A própria operação Lava Jato já teve trocas no seu comando, trocas de equipe, sem que isso comprometesse seu resultado", destacou.
A mudança foi bem recebida também entre os agentes, segundo representantes. "Todos os três que estavam cotados (Galloro, Segóvia e o delegado Luiz Pontel) tem currículo para ocupar o cargo", diz o vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Flávio Werneck Meneguelli.
Para ele, a trajetória de Segóvia no órgão o habilita a ocupar o comando da instituição. "Ele foi um dos primeiros a levantar aquelas denúncias de má utilização dos Vants (veículos aéreos não-tripulados, uma espécie de drone)", lembra. Na ocasião, a Polícia Federal teria gastado mais de R$ 150 milhões em dois veículos do tipo, e os aparelhos terminaram sub-utilizados, segundo Werneck.
"Cumpridor da lei e criativo"
Atual diretor para América Latina da Open Society Foundations, Pedro Abramovay teve contato próximo com Segóvia quando era assessor especial do então Ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos, durante o governo Lula. Na ocasião, Segóvia chefiou o Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Segundo Abramovay, o delegado teve desempenho "impecável" nessa função, resistindo ao lobby da indústria de segurança contra a política mais restritiva de controle de armas que o governo estava implementando. Além disso, disse, executou bem operacionalmente uma ampla campanha de desarmamento, que recolheu mais de 460 mil armas entre 2004 e 2005.
"Tínhamos uma relação muito próxima, de contato quase toda semana naquele momento, que deixou uma impressão muito boa, de alguém muito competente, sério, tanto cumpridor da lei como criativo para pensar normas mais efetivas no controle das armas", disse Abramovay.
Depois de trabalhar no controle de armas, Segóvia cumpriu um período de cerca de 3 anos como chefe da PF no Maranhão.
Segóvia assumiu o cargo no Maranhão em agosto de 2008. Chefiava o órgão quando foram deflagradas a 3ª e 4ª fases da operação Rapina, no começo de 2009. A apuração girava em torno de má-versação de verbas em prefeituras. Na 4ª fase da Rapina, por exemplo, foram presos quatro prefeitos que teriam relações com os Sarney, segundo registrou a imprensa local, à época. A investigação foi conduzida em conjunto com a Controladoria-Geral da União, e já estava em andamento antes da chegada de Segóvia.
A PF também indiciou um filho de Sarney, Fernando, por suposta evasão divisas (retirar dinheiro do país sem declarar). O indiciamento se deu em maio de 2010, durante a gestão de Segóvia (ele deixou o cargo no Maranhão em 2011). Fernando, que é empresário, foi investigado na operação Boi-barrica (mais tarde rebatizada de Faktor).
Foi também em meados de 2009 que Segóvia ficou responsável pela retirada de produtores rurais (especialmente de arroz) que estavam dentro da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. A expulsão fora determinada pelo STF meses antes, em março de 2009. Em abril Segóvia chegou ao local, com uma equipe de 45 policiais. Antes, os chamados "arrozeiros" já tinham inclusive atacado um posto da PF. O clima foi tenso durante a atuação de Segóvia, inclusive com fazendeiros adotando táticas de guerrilha e contratando pistoleiros. No fim, porém, ele conseguiu fazer uma amistosa dos arrozeiros pavimentou um caminho de diálogo com os índios.
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