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Por que autoridades não desconfiaram de casal que aprisionou 13 filhos na Califórnia

18/01/2018 11h10

A história do casal David e Louise Turpin, que manteve os 13 filhos em cativeiro em Perris, na Califórnia, ainda suscita muitas perguntas sem respostas.

Mas o principal segredo dos Turpin, que aparentavam ser uma típica "família feliz", foi revelado quando uma das filhas, de 17 anos, conseguiu fugir no domingo. Por meio de um celular que achou em casa, ela contou à polícia que os 12 irmãos estavam encarcerados e, em alguns casos, acorrentados pelos próprios pais.

A polícia encontrou os filhos do casal trancados em um ambiente que descreveu como "sombrio e com mau cheiro".

Autoridades acreditam que o fato de os Turpin terem registrado uma escola privada para educar os filhos em casa ajudou a não levantar suspeitas sobre a forma como eles eram tratados.

Segundo o Departamento de Educação da Califórnia, David Turpin era o diretor da escola Sandcastle ("Castelo de Areia"), um centro privado de ensino que funcionava na casa dele e tinha seis alunos, cada um fazendo um curso distinto. A escola foi registrada como sendo não religiosa, e inaugurada em março de 2011.

A facilidade com que Turpin abriu o centro de ensino tem gerado debate sobre a existência desse tipo de escola na Califórnia.

Afinal, qualquer pessoa pode dar aula aos filhos em casa?

Direito reconhecido

A tradição de educar filhos em casa nos EUA não se restringe à Califórnia.

Em praticamente todo o país, esse modelo tem ganhado adeptos desde os anos 1970.

Em 2016, havia um total de 2,3 milhões de estudantes de todas as idades que não iam para a escola convencional.

Uma decisão de 1972 da Suprema Corte dos EUA permitiu que uma família Amish, grupo religioso que evita usar tecnologia e defende o isolamento em relação ao mundo moderno, tirasse os filhos de uma escola tradicional. A corte reconheceu ainda o direito fundamental dos pais de direcionar a educação dos filhos.

Desde então, a educação em casa é um direito que já não é discutido nos tribunais. O que se debate é a regulamentação e os benefícios, que variam a depender da legislação de cada Estado.

No caso específico da Califórnia, a lei é bastante flexível, exceto para casos de criminosos condenados.

Os dados do Departamento de Educação indicam ainda que no ano escolar de 2016-2017 havia mais de 3 mil escolas privadas registradas, muitas delas funcionando em lugares pequenos e para poucos alunos.

Documentação simples

Na Califórnia, a lei local exige que crianças com idade entre seis e 18 anos frequentem a escola no período diurno.

No entanto, pais e tutores podem tirar os filhos de escolas convencionais e educá-los em uma escola privada existente, um programa de estudos independente ou abrindo uma escola em casa. Para isso, basta apresentar uma declaração registrada.

Nessa declaração, é preciso informar que os estudantes matriculados assistem aulas diariamente e em tempo integral.

A Califórnia é um dos 15 Estados onde é preciso registrar formalmente uma escola domiciliar. Em outros 11 Estados, entre eles o Texas, os pais não têm que apresentar nenhum documento.

Mas o que chama a atenção das escolas particulares na Califórnia é que elas ficam fora da jurisdição do Departamento de Educação. Assim, o governo local não tem autorização para monitorá-las ou avaliá-las.

Além disso, no Estado os professores de escolas privadas não precisam de um título específico. Basta ser "capaz de ensinar" para dar aulas, de acordo com a lei estadual. Também não há restrições em relação às matérias que são ensinadas.

Riscos da educação em casa

Pam Sorooshian, da Associação de Escolas em Casa da Califórnia, reconhece os perigos potenciais desse tipo de educação, como o de pessoas que não educam seus filhos adequadamente e, o pior, cometam abusos.

"A maioria de nós faria o necessário para proteger um menor, mas, se pais quiserem cometer crimes em casa, não teriam problemas em registrar (uma escola)", diz.

Esse pode ter sido o caso da família Turpin.

Dados nacionais mostram que a maioria dos casos de abuso infantil nos EUA são cometidos por pais ou adultos que vivem na mesma casa que a criança, diz Amy Hartfeld, advogada e diretora de políticas do Children's Defense Institute, uma organização sem fins lucrativos da Califórnia.

Hartfeld ressalta a importância de garantir que as crianças entrem em contato com adultos de fora da casa, especialmente médicos e professores, que são legalmente obrigados a reportar suspeita de abuso infantil a autoridades competentes.

Por outro lado, Sorooshian sustenta que ensinar em casa por si só não é o problema. E lembra ainda que há risco de abuso nas escolas também.

Quem defende a educação em casa destaca questões como segurança, flexibilidade e controle maior sobre o currículo escolar, além da garantia de liberdade religiosa.

Os críticos, por sua vez, dizem que os casos de abuso doméstico acabam ficando fora do radar. Também dizem que faltam medidas para controlar não apenas as condições de saúde e segurança, mas a formação educacional.

Apesar de o debate sobre os riscos e benefícios da educação em casa ser anterior ao caso da família Turpin, o fato é que a escola que David mantinha em casa reacende a discussão - segundo o chefe de polícia local, a adolescente que conseguiu fugir e denunciou o caso aparentava ter dez anos, embora tivesse 17.

Os vizinhos dizem ter visto os filho do casal pouquíssimas vezes.

Kimberly Milligan, de 50 anos, que mora do outro lado da rua, disse ao jornal Los Angeles Times que a família era estranha - e que se perguntava por que as crianças nunca saíam para brincar.

"Eu achava que as crianças eram educadas em casa", disse ela.

O casal permanece detido sob fiança de US$ 9 milhões (cerca de R$ 29 milhões) cada. Eles são acusados de tortura e de colocarem menores de idade em situação de perigo.