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Ex-sócio da Cambridge Analytica no Brasil diz que empresa não tinha banco de dados de brasileiros

Christopher Wylie, ex-diretor de pesquisa da Cambridge Analytica, diz que empresa aprovou gastos para aquisição de dados - Reprodução/Guardian
Christopher Wylie, ex-diretor de pesquisa da Cambridge Analytica, diz que empresa aprovou gastos para aquisição de dados Imagem: Reprodução/Guardian

Nathalia Passarinho

Da BBC Brasil, em Londres

21/03/2018 07h13

O consultor brasileiro André Torretta tinha parado de fazer marketing político havia uma década. Mas a perspectiva de trabalhar em conjunto com a empresa estrangeira Cambridge Analytica, que dizia ser uma das responsáveis por eleger Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o fez mudar de ideia.

Mas, nos últimos dias, os projetos caíram por terra com a revelação de que a empresa se apropriou dos dados de 50 milhões de usuários do Facebook para fazer propaganda política. As informações teriam sido adquiridas por meio de um teste de personalidade na rede social que capturava não apenas as informações do usuário que se submetia ao teste como também os dados de amigos daquele perfil.

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O escândalo acabou por levar ao afastamento do CEO da Cambridge Analytica, Alexander Nix, nesta segunda-feira. O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, tem sido procurado por autoridades britânicas e americanas para dar explicações sobre o caso. André Torretta rescindiu a parceria com a Cambridge Analytica.

"Ainda bem que isso saiu agora. Se tivesse saído daqui a seis meses eu estava morto. Foi uma surpresa. Eu não sabia de nada", diz Torretta, para quem as denúncias parecem "coisa de filme de 007". Ele nega repetidas vezes que tivesse conhecimento do modo como a empresa obteve informações sobre eleitores americanos.

Nos últimos meses, ele se reuniu com equipes de candidatos às próximas eleições para apresentar uma proposta tentadora: a possibilidade de ter como instrumento de campanha o "expertise" da Cambridge Analytica na segmentação e análise dos dados de eleitores. O objetivo final era direcionar mensagens políticas personalizadas, que apelassem para os medos, anseios e demandas de cada "tipo" de brasileiro.

Para viabilizar a tão esperada parceria, Torretta abriu, em 2017, uma empresa com o nome CA Ponte (junção dos nomes Cambridge Analytica com Ponte Estratégia). Ele deu entrevistas a diversos veículos nacionais em nome da Cambridge Analytica, se apresentando como representante da empresa no Brasil. E estava ansioso para ampliar o uso do "direcionamento inteligente das mensagens políticas" para o WhatsApp - coisa que, segundo ele, os executivos da Cambridge Analytica ainda não haviam pensado em fazer.

Em entrevista à BBC Brasil, Torretta afirmou que, embora prometesse uma metodologia eficaz na segmentação de eleitores em categorias "psicológicas" (patriota, progressista, emocional, por exemplo), a Cambridge não tinha um banco de dados com perfis de brasileiros - tal como a que ajudou a eleger Trump. A ideia, segundo o empresário, era que ele próprio corresse atrás de coletar dados de eleitores.

"Mas eu não iria pedir isso no Facebook. Imagina eu indo lá e pedir. O pessoal do Facebook ia rir da minha cara. Ia usar o que já tem disponível na rede social e fazer pesquisas em bairros, entrevistas, usar dados do IBGE", afirma.

'Conversa de 007'

O empresário brasileiro afirma que nunca desconfiou de irregularidades na atuação da Cambridge Analytica no exterior, embora admita que se reunia com os sócios estrangeiros "semanalmente" e que já esteve com o presidente da empresa, Alexander Nix, filmado por uma emissora britânica conversando sobre uso de suborno, ex-espiões e prostitutas para encurralar políticos.

"Foi uma surpresa. Nao tenho nem o que dizer. Foram 72 horas de tsunami tentando entender o que aconteceu", afirma sobre seus momentos depois que o caso foi revelado pelos jornais The New York Times e The Guardian.

"Eles me passaram confiança. Atenderam o Donald Trump e clientes no mundo inteiro. O portfólio deles era um belo portfólio. A princípio você confia até porque esse tipo de coisa não está no Google", justifica.

A Cambridge Analytica dizia ser uma das responsáveis por eleger Donald Trump à presidência dos Estados Unidos - Evan Vucci/AP Photo - Evan Vucci/AP Photo
A Cambridge Analytica dizia ser uma das responsáveis por eleger Donald Trump à presidência dos Estados Unidos
Imagem: Evan Vucci/AP Photo
Perguntado se em algum momento os executivos da empresa propuseram táticas de campanha questionáveis, como montagem de dossiês contra adversários ou armadilhas, ele disse que não.

"O vídeo (em que o Nix é flagrado falando de uso de prostitutas e espiões) é assustador em qualquer lugar do planeta. Se eles realmente tiverem o que dizem que tem, é um escândalo. É uma conversa de filme 007.", diz.

"A gente nem chegou a passar pela experiência de fazer campanha juntos. Não teve conversa que não fosse técnica. Graças a Deus isso está acontecendo agora. Se tivesse acontecido há seis meses eu estava morto."

Torretta afirma que não chegou a falar com os sócios da Cambridge Analytica após o escândalo, mas divulgou nota à imprensa no sábado anunciando o fim da parceria.

"Rescindi unilateralmente o nosso acordo. Nem tentei falar com eles. Porque não tem o que ser dito. O que eles vão dizer para mim? André, desculpa aí?".

A Cambridge Analytica afirmou que investiga o caso e que tornará o resultado da auditoria independente público. O afastamento do CEO pretende garantir a isenção das apurações, segundo a empresa. Já o Facebook informou que as configurações da rede que permitiam a captura dos dados foram alterada antes da revelação do caso.

O início da parceria

Segundo Torretta, caberia à Cambridge Analytica dar apoio na análise das informações que ele recolhesse no país, para enquadrar os eleitores brasileiros em perfis. A partir daí, criariam em conjunto estratégias de comunicação direcionada para os diferentes segmentos e adequadas aos candidatos que contratassem o serviço.

Mas como a parceria se formou?

André Torretta diz que foi procurado por um "emissário" da Cambridge Analytica, em 2016. Ele se recusou a revelar o nome do intermediário.

Segundo ele, a proposta era para que atuasse na "prospecção" de clientes. Depois, acabaram propondo uma "parceria".

"Como eles tinha uma parte de conhecimento digital que eu não tinha, fiquei interessado. E decidi abrir a empresa."

A Cambridge tinha especial interesse nas eleições brasileiras de 2018 - via no pleito uma oportunidade de expandir seus mercados. Que tipo de candidato queriam como clientes?

"Candidato à Presidência, a governador, a deputado, senador... Também tinham interesse em atuar em outras eleições pela América Latina", detalha.

Embora tivesse experiência de mais de dez anos no marketing político, nos últimos anos, Torretta se dedicava a uma consultoria que fazia pesquisas sobre "classes emergentes", vendendo as informações para empresas privadas que pretendiam orientar suas campanhas de marketing.

Como a empresa atuaria no Brasil

Segundo Torretta, o acordo com a Cambridge Analytica era "operacional" e seria colocado em prática quando assinassem contratos com clientes, o que ainda não havia ocorrido.

"O acordo funcionaria na base de interesses em comuns. Eu teria acesso a tecnologia e metodologia (na categorização de grupos de eleitores). E eles teriam alguém que consegue abrir portas", afirma. "Abrir portas" para Torretta significa apresentá-lo para os contatos políticos certos, que o escolheriam para comandar as campanhas em que a empresa tivesse interesse.

A BBC Brasil perguntou se, em algum momento, foi comentada a existência de dados de usuários brasileiros de redes sociais e se Torretta tinha conhecimento do uso de dados de perfis do Facebook pela Cambridge Analytica.

Torretta afirma que a empresa estrangeira não tinha um banco de dados de brasileiros e queria ajuda para montar um.

"O que me diziam era: 'vamos montar o banco de dados brasileiro'. Nunca foi citado para mim isso (de acessar perfis do Facebook por meio de quiz de personalidade). Até porque se eles tinham só de americano. Isso não me serviria para nada."

Segundo Torretta, as negociações com possíveis clientes estavam começando e nenhum contrato havia sido firmado até o escândalo vir à tona. Ele não quis revelar os nomes dos interessados no serviço da Cambridge Analytica, em cumprimento com o que chamou de "ética do marketing político".

Torretta apenas negou que tenha procurado o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, porque o tucano já teria um marqueteiro, e ressaltou que nunca trabalharia para Jair Bolsonaro. "Minha regra era não trabalhar com extremos, tanto de esquerda quanto direita."