Empresa acusada de desvio de dados para eleições iniciava operações no Brasil
Executivos da Cambridge Analytica, empresa acusada de desviar dados pessoais de usuários do Facebook e usá-los de maneira controversa para influenciar na eleição de Donald Trump em 2016, admitiram começar operações no Brasil neste ano. As afirmações foram feitas em uma reportagem investigativa da TV britânica Channel 4, que foi ao ar nessa segunda-feira (19).
A Cambridge Analytica está sob os holofotes desde sábado (20), quando os jornais "The New York Times" e "The Guardian" revelaram o esquema de manipulação eleitoral da empresa, que envolveu a coleta de dados de 50 milhões de usuários do Facebook, a fim de manipular a opinião pública a favor do então candidato republicano Donald Trump.
Mas a organização britânica não limitou sua atuação à campanha dos EUA: sabe-se que ela atuou também durante o processo de consulta popular que levou ao Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), além de participar em eleições no México e na Malásia, entre outros países.
Em dezembro de 2017, a Cambridge Analytica abriu uma filial no Brasil com a intenção de atuar na campanha de 2018. No vídeo escondido feito pelo canal britânico entre o fim de 2017 e o começo de 2018, o diretor da empresa Mark Turnbul lista locais em que a empresa já atuou e cita novos países. "Fizemos no México, na Málásia, e agora estamos indo para o Brasil, China, Austrália."
Depois da revelação que a empresa usou ilegalmente dados de Facebook de milhões de usuários, a empresa brasileira que se associou à britânica, a Consultoria Ponte, do publicitário baiano André Torretta, afirmou que não irá renovar a parceria.
Entendo o caso:
O que é a Cambridge Analytica
A empresa analisa o comportamentos de eleitores nas redes sociais a fim de direcionar propagandas políticas para perfis específicos. Ou seja, ela analisa os desejos de um público diverso e consegue assim criar peças publicitárias direcionadas, que agradem diferentes perfis, garantindo os votos para um único candidato.
O que foi revelado agora sobre a atuação da empresa
Críticos já chamavam a atenção para o fato de que, ao aliar psicologia com análise de dados, a Cambridge Analytica criava uma máquina de propaganda efetiva que, se usada sem escrúpulos, poderia ser danosa. É justamente a falta de escrúpulos que agora pesa sobre a empresa.
Funcionário que se diz arrependido, o analista de dados Christooher Wylie revelou à imprensa que a Cambridge Analytica teria coletado informações pessoais de até 50 milhões de usuários do Facebook e desviado as informações para o uso em campanhas. A partir das informações obtidas, a empresa teria tanto criado peças publicitárias específicas, como também permitido a criação e circulação de desinformações específicas - notícias falsas cuidadosamente confeccionadas.
Além disso, o canal britânico Channel 4 mostrou em reportagem investigativa na segunda (19) executivos da empresa falando, a uma câmera escondida, sobre como se utilizam de recursos como subornos, redes de ex-espiões e identidades falsas durante campanhas eleitorais.
"Não é bom disputar uma campanha eleitoral com fatos porque ela é, na verdade, completamente sobre emoção", diz em um momento o CEO da empresa, Alexander Nix, a um repórter disfarçado de cliente. Nix também afirma que a empresa está "operando por meio de diferentes veículos, nas sombras."
Nix foi afastado da empresa nesta terça-feira (20). Oficialmente, a empresa nega usar dados desviados, criar "fake news" e diz fazer frequentemente reuniões com clientes para dissuadi-los do uso de redes de notícias falsas.
Como os dados foram coletados
Segundo Christopher Wylie, ex-funcionário da empresa que falou ao "The New York Times" e ao "The Guardian", os dados foram coletados a partir de uma pesquisa elaborada por Alexandr Kogan, professor da universidade britânica Cambridge.
Kogan elaborou um aplicativo no Facebook que fazia perguntas sobre personalidade aos usuários. Antes de responder às questões, os usuários autorizavam que o aplicativo tivesse acesso a seus perfis de Facebook e também ao de seus contatos. Com essa rede, a empresa que teve autorização de 270 mil pessoas teria coletado dados de 50 milhões --que, por sua vez, não deram qualquer tipo de autorização nem foram alertados sobre a pesquisa.
As reportagens, além de jogarem luz sobre como de fato atuava a empresa de análise de dados, também aumentaram os questionamentos em torno da responsabilidade do Facebook em influenciar a política norte-americana.
No dia anterior à publicação da reportagem dos jornais, a rede social excluiu os perfis da empresa e de seus empresários. Além disso, as ações do Facebook despencaram e seu CEO, Mark Zuckerberg, foi convocado nesta terça a prestar explicações ao Parlamento britânico. Parlamentares americanos querem fazer o mesmo.
Em sua defesa, o Facebook alega que os usuários autorizaram o acesso aos próprios dados e a de seus amigos. Além disso, apesar das revelações, não há consenso sobre o poder de influência da publicidade direcionada nas redes sociais para manipular a opinião pública.
Como a Cambridge Analytica poderia atuar no Brasil
Na reportagem do Channel 4, o CEO Alexander Nix diz ao repórter disfarçado de cliente que a Cambridge Analytica estava começando a operar no Brasil.
Aqui, a lei não permite que empresas "vendam" informações de seus clientes uma para outras, como é possível nos Estados Unidos. Por isso, empresas de comunicação estratégica no geral trabalham com um volume menor de informações sobre seus públicos alvos --que podem ser obtidas de órgãos como o IBGE e o Serasa. Esse seria também o caso da Cambridge Analytica, guardados possíveis vazamentos de informações e acessos controversos a bancos de dados de redes sociais, como no caso norte-americano.
Em contrapartida, com a reforma política de 2017, o Congresso aprovou que candidatos façam campanha eleitoral paga nas redes sociais. Ou seja, pagar para que posts atinjam um número determinado de pessoas pertencentes a grupos específicos, o que tornou o terreno mais propício ao trabalho da empresa.
No mesmo ano, a Cambridge Analytica se fundiu com a brasileira Consultoria Ponte, do publicitário André Torretta, passando a se chamar CA-Ponte. Na época, Torretta disse à revista "IstoÉ" ter fechado acordo com dois candidatos a senador e um candidato a governador para trabalhar em suas respectivas campanhas.
Agora, em nota, a empresa brasileira afirma ter decidido por não renovar a parceria. "No início de 2017, a Ponte foi procurada pela Cambridge Analytics e celebrou uma parceria com interesse em atuar no Brasil. O principal critério de busca dos parceiros locais pela CA era a expertise local", diz a nota. A Ponte diz ainda que os fatos citados pelas reportagens não ocorreram no Brasil.
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