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As meninas retiradas da família para trabalharem 'para os deuses' e pagarem pelos erros de parentes

16/05/2018 17h11

Um programa de TV americano mostra, em 1997, o rosto de uma menina negra, com semblante triste, olhando para baixo. “Essa criança está pagando por qual crime?”, pergunta a apresentadora de TV. “Seu tio cometeu adultério”, responde um homem.

“Você sabe o que está fazendo aqui?”, a apresentadora pergunta à menina. “Não”, ela responde.

Milhares de mulheres no oeste da África tiveram sua liberdade confiscada por causa de uma prática chamada trokosi, que ainda existe em grupos étnicos de Gana, Togo e Benin.

Meninas que são classificadas como trokosi viram “esposas dos deuses” e pagam por um crime cometido por algum de seus parentes. São levadas a santuários administrados por sacerdotes e que servem à adoração de deuses onde, na prática, viram escravas.

Trokosi é ilegal e não é algo sobre o que se fala muito nesses países.

“Quando eu tinha sete anos, fui levada a Gana e forçada dentro de um sistema sobre o qual não sabia nada”, diz Brigitte Sossou Perenyi. Ela é a criança que apareceu na televisão.

“Me disseram que eu tinha que sair de casa para ir morar com meu tio. Me colocaram na parte de trás de uma moto e me levaram para um lugar desconhecido. Eu não entendia a língua. Tiraram minha roupa e me embrulharam em um tecido roxo. Até tiraram meu nome.”

A reportagem mudou sua vida. Um telespectador americano que a viu foi buscá-la em Gana. Negociou sua libertação, a adotou e a levou aos Estados Unidos, onde ela viveu por 13 anos.

“Me senti aliviada por ter sido libertada depois de um ano no santuário. Mas também senti um vazio gigante”, diz ela, em referência à família biológica que nunca mais viu. A BBC acompanhou o reencontro com sua mãe: sem conseguir falar, as duas soluçam de chorar, em um abraço forte e emocionado. Brigitte descobre que tem um irmão mais novo, que nunca havia conhecido. “Foi um dia surreal, quase como um sonho.”

Ela quer entender por que sua família a entregou para esse sistema. “Seu tio disse que precisava de você para tarefas domésticas em sua casa”, diz seu pai. “Eu fui para lá procurar você e seu tio me disse que você não estava lá. Procurei pelas ruas e voltei desolado.”

Ele conta ter descoberto que ela estava viva, mas sem saber onde ela estava. “Hoje, você entende para onde eu fui levada?”, pergunta Brigitte. Seu pai não responde. “Me levaram para Gana, para um santuário. Ele (o tio) me abandonou. Era para eu ter ficado lá pelo resto da vida.”