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Farc na política, processo de paz e chance da esquerda: o que está em jogo nas eleições presidenciais da Colômbia

Jairo Cassiani/Reuters
Imagem: Jairo Cassiani/Reuters

27/05/2018 09h00

Os eleitores colombianos foram às urnas neste domingo em eleições presidenciais levando muitos fatores em conta: há desde uma chance inédita da esquerda de chegar ao poder até debates quanto a se irá adiante o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que pelo primeiro ano participam do jogo eleitoral como partido político.

É, também, uma eleição em que a crise na vizinha Venezuela desempenha papel importante nos debates eleitorais.

Com 99,7% das urnas apuradas na noite deste domingo, o direitista Iván Duque, apoiado pelo ex-presidente Álvaro Uribe, teve 39% dos votos. Seu rival mais próximo, o esquerdista Gustavo Petro, ex-prefeito da capital Bogotá, recebeu cerca de 25%. Como nenhum deles obteve 50% dos votos, eles vão disputar o segundo turno, em 17 de junho, e brigar pelos votos em candidatos centristas.

Uma eventual vitória de Petro colocaria um político de esquerda pela primeira vez no assento presidencial. A tradicional rejeição à esquerda, que diferencia a Colômbia de seus vizinhos na América Latina, tem relação direta com as cinco décadas de embate com as Farc, além de um caráter particularmente conservador da sociedade do país, segundo analistas ouvidos pela BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.

Assessores de Petro têm apresentado o candidato como sucessor do ideário de políticos de esquerda populares como Jorge Eliécer Gaitán e Luis Carlos Galán, que foram assassinados em pleno auge (o primeiro, em 1948; o segundo, durante os sangrentos anos de confronto entre o Estado colombiano e o narcotráfico, em 1989).

Mas Petro é visto com desconfiança por uma parcela do eleitorado pelo fato de ter militado no grupo guerrilheiro M-19 (desmobilizado nos anos 1990) e de, hoje, defender, entre outros pontos, expropriação de latifúndios. A questão tem sido explorada amplamente na campanha, com adversários associando Petro ao regime chavista na Venezuela.

'Outra Venezuela'

"Vote para que a Colômbia não seja outra Venezuela", diz um enorme cartaz às margens de uma rodovia em Medellín, patrocinado pela coalizão de Duque para atacar a candidatura de Petro.

Petro era defensor do chavismo e próximo ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, mas tem dito que o atual regime de Nicolás Maduro "enfrenta uma crise de legitimidade estrutural".

Mas a crise político-econômica no país vizinho reverbera com força na Colômbia e foi apontada como fator de influência nas escolhas feitas neste domingo: segundo pesquisa encomendada recentemente pela revista Semana, 50,1% dos colombianos consultados "acham que o país pode, no futuro, estar na mesma situação que a Venezuela".

Segundo dados oficiais, mais de 660 mil venezuelanos migraram à Colômbia em decorrência da crise generalizada em seu país, e muitos vivem em situação precária.

Em declarações recentes, Duque defendeu a criação de "um fundo de atenção humanitária na fronteira" para amparar os migrantes recém-chegados; Petro afirmou em debate que o campo colombiano poderia elevar sua produção de alimentos para exportá-los à Venezuela e "tirar a pressão" de colapso sobre o país vizinho.

Processo de paz

Outra questão-chave é o processo de paz com as Farc. Assinado em 2016, terá sua continuidade dependente, em grande parte, da vontade política do sucessor do atual presidente Juan Manuel Santos. Analistas colombianos acreditam que uma vitória de Duque possa, na prática, inviabilizar o prosseguimento do acordo.

Pesquisas de opinião apontam uma divisão na sociedade colombiana: enquanto cerca de metade defende o acordo como está, a outra metade acha os termos demasiado generosos com os antigos guerrilheiros.

Líder nas pesquisas, Iván Duque é apoiado por Álvaro Uribe e Andrés Pastrana, ex-presidentes que estão entre os principais críticos do acordo. Ambos mostraram sua força ao liderar a campanha vencedora pelo "não" no plebiscito de outubro de 2016, em que a maioria da população rejeitou os termos do acordo.

Duque já falou em revisar pontos do processo de paz, para "defender as vítimas (das Farc) com verdade, justiça e reparação".

Em entrevista à agência Efe, Duque afirmou que, se eleito, "não rasgará" o acordo que herdará de Santos, mas buscará "consensos" e mudanças - defendeu, por exemplo, que acusados de narcotráfico não possam ser beneficiados por anistias e que a substituição de cultivos ilícitos deva ser compulsória, e não voluntária como é hoje.

Petro, por sua vez, tem dito que a paz vai além do desarmamento das Farc e exige investimentos em saúde e educação para a população mais pobre.

Os candidatos também divergem quanto ao destino do ex-guerrilheiro Jesús Santrich, um dos negociadores do acordo de paz em 2016 e detido em abril passado, sob acusações de traficar drogas aos EUA em 2017. Duque defendeu sua extradição à Justiça americana, enquanto Petro argumentou que o tribunal especial de ex-guerrilheiros dê a palavra final sobre se Santrich deve ser julgado na Colômbia ou nos EUA.

Ainda sobre as Farc, as eleições deste domingo, junto ao pleito legislativo realizado em março passado, são as primeiras realizadas na Colômbia tendo a Farc não como força de guerrilha, mas sim como partido político - são, agora, a Força Alternativa Revolucionária do Comum.

Pelo acordo de paz, as Farc tiveram direito a representação garantida no Congresso: cinco assentos no Senado e cinco na Câmara - algo que foi alvo de críticas de uma parcela da população e da classe política colombianas.

Analistas ouvidos pela BBC Mundo também afirmam que a participação mais ativa das Farc na política pode impulsionar agendas sociais.

Em defesa da presença da antiga guerrilha na política colombiana, o atual presidente Juan Manuel Santos afirmou, em entrevista à BBC em março, que considera "melhor ter as Farc fazendo campanha do que matando, sequestrando ou plantando bombas".