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A cidade holandesa com 225 nomes diferentes

Leeuwarden, na Holanda, é a Capital Europeia da Cultura em 2018 - Reprodução
Leeuwarden, na Holanda, é a Capital Europeia da Cultura em 2018 Imagem: Reprodução

Mike MacEacheran

BBC Travel

09/06/2018 19h34

A histórica praça de Oldehoofsterkerkhof, em Leeuwarden, capital da província de Friesland, na Holanda, é uma mistura impressionante do estranho com o misterioso.

Nela está a De Oldehove, uma torre inacabada do século 16 que é até mais inclinada que sua colega mais famosa, a de Pisa, na Itália. Há ainda o deslumbrante Museu Nacional de Cerâmica de Princessehof, uma imponente casa reformada, repleta de raridades da dinastia chinesa Ming e de obras de Pablo Picasso, além de ser o lugar onde cresceu MC Escher, artista gráfico do século 20 que criou cenários oníricos de escadarias intermináveis e cachoeiras intrigantes.

E, finalmente, o Gemeentehuis, a prefeitura, onde os holandeses ouviram pela primeira vez a lenda de Grutte Pier, um pirata gigante com força sobre-humana que mataria qualquer um que não fosse frísio - grupo étnico germânico da parte costeira da Holanda, onde está a cidade, e do noroeste da Alemanha.

Mas talvez mais estranho que tudo isso é a Lân fan taal ("terra das línguas", em frísio), uma casa dedicada a milhares de idiomas.

Inaugurada em janeiro na praça, a construção foi erguida como parte do programa de Leeuwarden como Capitail Europeia da Cultura neste ano. A instalação dispõe 6.720 línguas, um catálogo extenso dos idiomas ao redor do mundo, incluindo o frísio, a principal língua da província.

E faz todo sentido estar ali. Especialmente por que Leeuwarden - ou Ljouwert, Liwwadden, Leewadden, Luwt, Leaward ou ainda Leoardia, como chegou a ser chamada entre os séculos 11 e 19 - é conhecida como "A Cidade de 100 Nomes".

"Estamos tentando dar vida às línguas, e não há lugar melhor para se fazer isso do que em um lugar com uma história linguística tão única", disse Siart Smit, diretor de programação da Lân fan taal, enquanto caminhava pela instalação. "Esta é uma província bilíngue, onde se fala holandês e frísio, e há 128 nacionalidades vivendo em Leeuwarden. Então essa história celebra nossa diversidade e promove o multilinguismo".

O fato de que metade das línguas do mundo está ameaçada de extinção é razão suficiente para explorar Lân fan taal. Ao redor dessa maravilhosa exposição, blocos de madeira pendem do teto com idiomas em ordem alfabética inscritos neles - um trecho lista, por exemplo, sueco, suábio, suwawa e suruí do Pará, este último de um grupo indígena paraense, e a maioria desconhecida do visitante comum.

Em outra parte, 84 placas de neon em branco, vermelho, azul e verde - mostrando como as pessoas usam palavras diferentes para expressar a mesma ideia - cobrem o espaço como um arco-íris.

Mas se o objetivo da Lân fan taal é promover uma maior compreensão sobre os dialetos, Leeuwarden, ao contrário, guarda uma profunda estranheza linguística em sua própria criação: seu nome esteve em constante mudança desde o século 10.

No Guinness World Records, o livro dos recordes, Leeuwarden aparece com 225 variações, e não apenas as cem de seu apelido.

Mas afinal, como o vilarejo holandês adquiriu tantos nomes?

Geografia e guerras

Para começar, há uma razão geográfica. Localizado na remota área do nordeste do país, a província de Friesland está rodeada por planícies de maré (territórios que variam entre períodos submersos pelo mar ou com extensos bancos de areia), pântanos e o mar de Wadden.

A região se tornou parte do moderno reinado da Holanda, criado em meio às guerras napoleônicas no início do século 19, quando a Europa batalhava contra o líder francês.

Mas ainda hoje os holandeses enxergam Friesland como parte de outro país. Casas triangulares, canais sinuosos e ciclovias cobertas de trepadeiras são as mesmas que existem em outros lugares da Holanda, mas a vida aqui é mais lenta, os moradores são estereotipados como mais retraídos e conservadores.

No entanto, pelo menos na minha experiência visitando a província, eles são muito menos expansivos do que os compatriotas do Sul.

Considere ainda que Friesland é também a parte menos povoada do país e que a sensação de isolamento foi o que levou parte dos francos, holandeses, flamengos, saxões e valonianos, entre outros, a escolher o local como moradia.

Foi essa pulverização cultural que levou tanto a pronúncia quanto a ortografia de Leeuwarden a mudar.

Para entender melhor esse processo, procurei o historiador Henk Oly, do Centro Histórico de Leeuwarden, que me deu um explicação nem fácil nem direta para a profusão de nomes.

Tradicionalmente, ele explicou, Leeuwarden tem várias formas: em frísio (Ljouwerd), em um equivalente do holandês (Leeuwarden) e em dois formatos (Leewwadden e Liwwadden) provenientes do dialeto Liwwadders.

Para complicar ainda mais, a cidade é conhecida como Luwt em outras partes da província, enquanto que, ao longo dos séculos, estudiosos costumavam latinizar o nome para Leovardia. Ao acrescentar-se as variações fonéticas, que também implicaram em mudanças ortográficas, as possibilidades simplesmente explodem.

"Antes de 1804, não havia uma ortografia oficial, então cada um escrevia mais ou menos como costumava pronunciar as palavras", diz Oly. "Era possível escrever Ljouwerd ou Ljouwert, porque o 'd' no final da palavra soa como 't', por exemplo. Ou escrever Lyouwerd, Ljouwerd ou Liouwerd, já que eles são pronunciados exatamente da mesma maneira. Quando se combinam as variações, o potencial é quase sem fim."

A lista campeã mundial, com 225 nomes, é um legado do recordista do século 19 Wopke Eekhoff, filho de um ourives que assumiu o cargo de arquivista da cidade em 1838.

Primeiro a desempenhar essa função na Holanda, ele foi incumbido de coletar tudo o que pudesse sobre a história de Leeuwarden e fazer a curadoria de uma coleção de arte municipal.

Como Leeuwarden acumulou dezenas de apelidos ao longo dos séculos - de 1500 a 1520, por exemplo, a ortografia do nome da cidade mudou a cada quase dois anos - era uma tarefa, no mínimo, complexa.

Ainda assim, Eekhoff continuaria a registrar incansavelmente dois volumes de 400 páginas da história da cidade, eventualmente elaborando uma linha do tempo de Livnvert, em 1039, para Luweden, em 1846.

Ao final do século 19, mais mudanças ocorreram quando tanto a Academia Real Holandesa de Ciências, em 1864, e a Sociedade Real Holandesa de Geografia, em 1884, publicaram, respectivamente, a primeira lista do país com nomes de lugares, com base nas regras contemporâneas de ortografia.

Logo depois, as formas holandesa e frísia se tornaram o padrão.

Enigmas

"Até hoje os nomes das cidades e vilarejos holandeses não foram oficialmente padronizados pelo governo federal", explicou Oly, acrescentando que vários mapas e trabalhos de Eekhoff ainda são usados.

"Não há regras, então desde o início do século 20 temos escrito Leeuwarden em holandês, e o governo frísio insiste em usar Ljouwert como sua forma oficial."

Para o visitantes de hoje, o brasão de Leeuwarden, impresso em sua bandeira e em prédios do governo, também é um enigma. Ele retrata um feroz leão dourado em um fundo azul real e sob uma coroa cravejada de esmeraldas e rubis.

"A maioria pensa que 'Leeu' significa leão e que somos a 'cidade do leão' por causa do brasão, mas isso está errado", explicou-me a guia turística Christina Volker enquanto explorava as vibrantes ruas do centro.

"O nome originalmente vem de 'Leeuw', que significa vento, e 'warden', que são pequenas colinas, em frísio. A cidade foi erguida sobre três montes artificialmente construídos (terpen) para proteger e abrigar a área do impacto do mar. Isso a torna um lugar tranquilo", acrescentou.

Mas se antes era um lugar sossegado, Leeuwarden agora está chamando a atenção do público com seu mais recente título: o de Capital Europeia da Cultura neste ano.

Isso fica claro nas filas que se formam para o Museu de Friesland e nas muitas imagens da cidade pintadas ou impressas, antes colecionadas por Eekhoff e agora exibidas nas galerias do Centro Histórico de Leeuwarden.

Ao colocar essa rica história linguística no centro das atenções desse festival cultural que se estende pelo ano, pode-se dizer que Leeuwarden completou seu ciclo. Apenas agora os frísios têm certeza de que o mundo dirá seu nome corretamente.