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Como belgas e alemães planejam repovoar Brasil com ararinha-azul que só existe em cativeiro

Márcia Bizzotto - De Bruxelas para a BBC Brasil

03/07/2018 06h52

Ela é protagonista de uma das séries de filmes de animação de maior sucesso nos últimos anos. Em Rio, Blu é o último macho da espécie Cyanopsitta spixii e a última esperança de um grupo de biólogos para salvá-la do desaparecimento. O enredo foi inspirado na ameaça real que enfrentam essas ararinhas-azuis, consideradas um dos pássaros mais raros do mundo, que hoje só vivem em cativeiro.

Agora, o zoológico belga Pairi Daiza, no município de Brugelette, a 65 km de Bruxelas, se associou ao governo brasileiro para tentar reverter essa situação e repovoar com a espécie o vale do rio São Francisco, de onde é originária.

O último exemplar de Cyanopsitta spixii em estado selvagem foi visto pela última vez em outubro de 2000 na Caatinga baiana, seu único habitat original.

Hoje, 90% das 158 ararinhas-azuis que vivem em cativeiro no mundo todo estão em um aviário em Berlim, da Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados (ACTP), organização alemã sem fins lucrativos.

O governo brasileiro mantém onze aves em um centro de conservação e outras duas estão em um zoológico de Cingapura, as únicas expostas ao público.

Nova casa

Este mês, como parte do acordo assinado com o Brasil, o Instituto Chico Mendes e a ACTP, o Pairi Daiza recebeu a custódia de quatro aves pertencentes à organização alemã.

O zoo belga foi escolhido pela experiência de seu diretor de zoologia, Tim Bouts, na criação e reprodução da Cyanopsitta spixii. Ele trabalhou com a ave durante anos no centro de preservação de espécies ameaçadas Al Wabra Wildlife Preservation, em Doha, no Catar, pioneiro na conservação da ararinha-azul.

Depois da morte de seu fundador, o xeque Saoud Bin Mohammed Bin Ali Thani, em 2014, seus herdeiros decidiram transferir as ararinhas-azuis de Al Wabra à ACTP, organização com a qual o centro catariano já colaborava na conservação e reprodução da espécie.

Na Bélgica, os quatro exemplares cedidos ao Pairi Daiza ganharam um viveiro exclusivo, separado das demais aves para garantir sua segurança, explicou Bouts à BBC Brasil.

O viveiro será aberto a visitação e terá troncos e plantas para tentar reproduzir o habitat original da espécie.

A temperatura é controlada entre 20 e 25 graus centígrados, considerada por Bouts como ideal para esses pássaros nascidos em cativeiro, apesar de inferior às máximas predominantes no cerrado baiano.

Preparação

Até o final do ano, o parque contará com um Centro de Conservação e Reprodução de Araras-Azuis, o segundo do tipo no mundo, depois do que existe na ACTP, e deverá receber em seguida novos casais de Cyanopsitta spixii.

"Nosso objetivo será preparar as aves que nascerão em Pairi Daiza para que possam ser soltas em seu habitat natural no Brasil. Queremos reintroduzir dez animais por ano, a partir de 2019", disse Bouts.

Para isso, é preciso primeiro alcançar uma população "razoável, sustentável e forte" de aves, segundo o biólogo.

Como as probabilidades de acasalamento natural e as taxas de fertilidade são baixas entre a espécie, Bouts e sua equipe recorrerão à inseminação artificial.

O segundo passo será a adaptação desses pássaros delicados e de saúde frágil a seu habitat natural brasileiro.

O processo será realizado em um Centro de Readaptação e Reintrodução que o zoo belga construirá também este ano no município baiano de Curaçá. Assim como as instalações do local, também sua manutenção e mão de obra serão financiadas pelo zoo Pairi Daiza.

O parque não revela quanto está investindo no projeto.

Liberdade

As primeiras 50 aves a ocupar o centro de readaptação no Brasil devem chegar ao Brasil no primeiro trimestre de 2019, em transferências financiadas pelas instituições belga e alemã. No entanto, elas não serão soltas na natureza antes de 2021.

"É difícil prever uma data exata para a libertação. Vai depender de como evolui cada uma em seu novo habitat", explica Bouts.

Os pássaros precisam se aclimatizar, aprender a buscar seu próprio alimento e a defender-se de eventuais perigos.

"Reintroduzir ao estado selvagem animais nascidos em cativeiro é um processo longo e difícil. Os animais, não importa quais, têm que ser preparados para ganhar liberdade progressivamente, por etapas. Essa descoberta da liberdade pode levar meses."

É necessário também recuperar o habitat natural das aves. O corte indiscriminado de árvores e a criação de cabras mudaram a paisagem do vale do São Francisco na Bahia e contribuíram para o desaparecimento das ararinhas-azuis, ameaçadas igualmente pelo tráfico de animais selvagens.

A reabilitação da região começou em junho, com a criação do Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-azul, em Curaçá, e da Área de Proteção Ambiental da Ararinha-Azul, em Juazeiro.

Juntas, as duas reservas somam cerca de 120 mil hectares protegidos.

A assinatura do acordo de cooperação com Pairi Daiza foi celebrada pelo ministro brasileiro de Meio Ambiente, Edson Duarte, como "um marco histórico da luta pela preservação das espécies".

"Estou aqui para realizar o sonho de ambientalistas, não só do Brasil, mas do mundo: trabalhar na reintrodução do animal no seu habitat natural e permitir que ele volte a voar em casa", disse no zoológico belga.