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África é o novo campo de disputa entre Rússia e China por influência comercial e política

Luanda, capital de Angola - AFP
Luanda, capital de Angola Imagem: AFP

25/08/2018 16h58

"A África deve entender que a China, assim como Estados Unidos, Rússia, Reino Unido e Brasil, não chegou [ao continente] porque interessava à África, mas por interesse próprio", afirmou Sanusi Lambido Sanusi, ex-diretor do Banco Central da Nigéria, num artigo publicado no jornal britânico "Financial Times", em 2013.

Sanusi fazia uma reflexão sobre uma realidade que começou com o colonialismo europeu, seguiu com a influência dos Estados Unidos e da União Soviética durante os tempos de Guerra Fria e, mais recentemente, pode ser observada por meio da presença de novas forças que buscam ampliar seu poder econômico e político.

À medida que o Ocidente passou a reduzir sua presença no continente africano, o "vácuo" abriu caminho para estratégias e interesses de Pequim e Moscou. Mas a China e a Rússia caminham rumo a uma disputa pela hegemonia na África?

Se comparada a muitos outros países, a China é relativamente uma recém-chegada. Mas desenvolveu um plano agressivo de investimento e comércio com grandes projetos de infraestrutura e cooperação econômica, em especial na África Subsaariana, formada por 47 dos 54 países do continente.

A Rússia já não desfruta, por sua vez, dos mesmos vínculos fortes da era soviética. Mas as últimas investidas russas apontam para a reativação dessa histórica relação com os antigos aliados africanos "anti-imperialistas" e também para a expansão para novas áreas.

A estratégia da Rússia ficou em evidência com o giro que o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, fez em março passado por Namíbia, Zimbábue, Angola, Moçambique e Etiópia, países que, no passado, estiveram sob influência soviética.

Além disso, o recente assassinato de três jornalistas russos, que morreram em circunstâncias misteriosas ao investigar a presença militar russa na República Centro-Africana, atraiu novas especulações sobre os interesses do Kremlin e possíveis operações clandestinas no país africano.

Investidas chinesa e russa têm escalas diferentes

No momento, não há uma corrida aberta para impor uma marca no continente africano. Com frequência, China e Rússia competiram pelos mesmos mercados, mas conseguiram lidar com a rivalidade em nome de um bom relacionamento entre os dois países.

"Isso não quer dizer que não possa haver um enfrentamento no futuro", diz Mikhail Smotryaev, da BBC News Rússia, que tem se debruçado sobre o tema.

As iniciativas da China na África, afirma ele, são relativamente recentes. A presença chinesa no passado podia ser considerada inexpressiva se comparada à dos russos nos anos 1970 e 1980. Mas as coisas mudaram.

O comércio entre China e a África Subsaariana já movimentava cerca de US$ 220 bilhões (R$ 903,2 bilhões) em 2014. A projeção para 2020 é de que chegue a US$ 350 bilhões, apesar de, em 2015 e 2016, o montante das transações de importação e exportação da China na África tenha ficado abaixo dos US$ 200 bilhões.

Ainda assim, o valor previsto para 2020 seria cem vezes maior que o movimentado pela Rússia -- as relações comerciais deste país com o continente africano alcançam o montante de US$ 3,6 bilhões.

A título de comparação, o comércio dos Estados Unidos com a África já movimentou US$ 30,5 bilhões nos seis primeiros meses deste ano, mas a relação entre americanos e africanos, ano a ano, vem perdendo fôlego, de acordo com dados do governo americano.

Em contrapartida, dados atribuídos ao FMI (Fundo Monetário Internacional) indicam que as importações da China para a África aumentaram 233% de 2006 a 2016 e as da Rússia, 142%. As exportações de produtos africanos para esses dois países também cresceram no período.

Mikhail Smotryaev observa que, por causa de diferentes acordos e condições, não é fácil calcular as cifras exatas, mas está claro que a China investe muito mais na África do que a Rússia.

Sufocada por sanções impostas pelo Ocidente, a economia russa está em declive já há algum tempo e seu alcance não se compara ao da antiga União Soviética.

Nesse contexto, o país se viu motivado a ser mais agressivo na África. A base russa se fundamenta, principalmente, nos laços econômicos que existiam desde os tempos soviéticos, e parte das negociações está condicionada ao apoio às políticas de Moscou dentro da ONU (Organização das Nações Unidas).

Ao longo dos anos, esses países africanos acumularam uma dívida de US$ 20 bilhões, que a Rússia cancelou no final de 2012.

Foi mais uma estratégia de generosidade, assinalou Vladimir Shubin, subdiretor do Instituto para África em Moscou, numa entrevista à BBC News Rússia. "Em princípio, é uma coisa boa. Cria condições mais favoráveis para nossas relações com a África", avaliou.

Rússia e China podem competir por armas e a exploração de recursos

Essas relações podem ser observadas no comércio de um objeto em particular: armamentos.

A Rússia é um importante exportador de armas no mundo. Em 2015, a África respondia por 12% do mercado de armas. Do ponto de vista africano, 35% das armas são russas -- e há espaço para esse comércio crescer.

As armas russas são competitivas, porque são mais baratas, têm demonstrado ser suficientemente confiáveis em numerosos conflitos bélicos e são compatíveis com o armamento usado ainda durante a Guerra Fria.

Nos últimos cinco anos, a Rússia estabeleceu um serviço de manutenção de equipamentos militares e programas de modernização de armamento. Para Mikhail Smotryaev, China e Rússia poderiam competir por esse mercado.

Mas, de acordo com especialistas, as armas chinesas respondem por quase dois terços do arsenal dos países africanos. Há ainda acordos militares, e Pequim construiu uma grande base militar na República do Djibouti.

Outro setor potencialmente lucrativo é o de exploração de recursos naturais.

Ainda que a Rússia seja um país rico neste sentido e dependente de exportações, Moscou tem interesse em explorar diamantes, petróleo e metais raros na África. Por isso, tem financiado minas, plantas de processamento, fábrica de veículos, observa Smotryaev.

Agora, está buscando estabelecer um acordo de aviação com Zimbábue, Angola, Congo e Senegal, em troca de produtos agrícolas.

A China, como grande consumidor de hidrocarbonetos e outros recursos naturais, se mostra mais dependente de acordos de exploração para alcançar um fluxo comercial constante.

Para isso, investiu grandes somas e esforços em infraestrutura, como ferrovias, barragens, oleodutos e estradas, e estabeleceu empresas que operam em parceria com vários países.

Em 2006, um acordo para obter licenças de exploração na Nigéria em troca de um investimento multimilionário em projetos de petróleo e infraestrutura foi um marco para a China na garantia de fornecimento de energia e acordos comerciais na região.

Ao mesmo tempo em que a Nigéria fornece o petróleo e o gás que Pequim precisa, abre um mercado para os produtos chineses. Empresas chinesas passaram a operar fábricas na Nigéria, e está prevista a abertura de muitas outras na zona de livre comércio localizada no sudoeste do país.

A China também tem mandado a própria força de trabalho para tocar as obras de infraestrutura em vários países da África. À Nigéria, por exemplo, enviou 11 mil trabalhadores para construir uma rede ferroviária. Há milhares de chineses trabalhando em outros projetos em todo o continente.

Uma pesquisa da Universidade Johns Hopkings, nos Estados Unidos, calculou que havia mais de 200 mil trabalhadores chineses na África em 2016, em sua maioria na Argélia, em Angola, na Etiópia, na Nigéria e no Quênia.

Há ONGs que questionam as condições a que esses trabalhadores chineses são submetidos. Apesar da polêmica, entre 2005 e 2015, chineses investiram US$ 66 bilhões na África Subsaariana, criando 130 mil empregos, de acordo com a empresa de auditoria Ernst & Young.

Há cerca de cinco anos, a China transferiu parte de sua produção de itens de mão de obra barata para a África, já que sua própria força de trabalho encareceu. Também se transformou em uma grande provedora de crédito, que vai além do propósito financeiro.

Pesquisadores do centro internacional AidData descobriram uma relação direta entre o tamanho da assistência financeira oferecida pela China a diferentes países africanos e a forma como eles votam na ONU em relação a resoluções que podem afetar Pequim, como, por exemplo, o não reconhecimento de Taiwan.

Apoio estatal chinês frente às dificuldades burocráticas russas

Para Mikhail Smotryaev, a investida chinesa está associada à iniciativa privada. No entanto, avalia ele, não se pode ter tanta presença sem que essas iniciativas tenham passado anteriormente pela estrutura do Partido Comunista chinês.

"É um plano que é coordenado pelo governo, e o Estado chinês está por trás [da expansão das empresas]", afirma Smotryaev. "A China não tem pressa, faz as coisas quase que por etapas, quase invisivelmente."

As metas da Rússia são mais modestas e imediatas. Os russos sinalizaram que quererem avançar sobre o comércio já existente e criar alguns novos mercados.

A África está mais uma vez se tornando um mercado para grãos russos. E verduras e legumes africanos encontram demanda na Rússia, especialmente após as sanções do Ocidente.

No entanto, ao contrário da China, a Rússia é atormentada por dificuldades burocráticas que impedem o acesso de produtos africanos aos seus mercados.

Embora esteja incorporando sua estratégia no contexto histórico -- com a premissa de que é mais fácil sustentar o que já foi feito --, a Rússia não fez muito esforço para tirar vantagem de suas conexões com as elites africanas, muitas das quais foram educadas na antiga União Soviética, de acordo com Smotryaev.

O desafio parece ser transformar uma relação que antes era política em comercial.

Por enquanto, o comércio e o investimento da Rússia não são robustos o suficiente para colidir imediatamente com a China. Por outro lado, Pequim ainda não atingiu o desenvolvimento de infraestrutura a que aspira em qualquer país africano, e isso não acontecerá tão rapidamente.

"Em muitos assuntos de sua agenda internacional, as posições da Rússia e da China são próximas, paralelas ou coincidentes", disse Andrei Karneev, diretor do Instituto de Estudos Asiáticos e Africanos da Universidade Lomonosov, em Moscou, à BBC.

Assim, ambas, em termos gerais, "estão prontas para a possibilidade de seus interesses comerciais colidirem e não permitirão que isso afete as relações de longo prazo entre os poderes".