Canadense e executiva: a verdadeira história da 'brasileira negra e pobre' de vídeo divulgado pela campanha de Bolsonaro
A mulher descrita como "negra e de família pobre" em um vídeo favorável ao candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) é na verdade canadense e trabalha como executiva na coordenação financeira de uma multinacional.
O vídeo causou polêmica na última terça-feira. A campanha do candidato diz não ter relação direta com o material e que ele foi produzido por um apoiador.
Filho do presidenciável, o deputado federal Eduardo Bolsonaro publicou o vídeo em seu perfil no Twitter e divulgou a página dos autores para mais de 500 mil seguidores.
- Por que juristas avaliam ser improvável que Lula seja perdoado e solto pelo próximo presidente
- Eleições 2018: as propostas de todos os candidatos a presidente do Brasil
- Com 3 ações de erro médico por hora, Brasil vê crescer polêmico mercado de seguros
A mulher retratada mora em Toronto e gravou o material em 2011, junto a uma série de outros filmes produzidos por um diretor também canadense especializado em criar conteúdo para bancos de imagens.
A ex-atriz tem origem etíope e um perfil bastante diferente daquele descrito na narração usada junto à sua imagem no vídeo.
"Sim, sou mulher negra e vinda de família pobre. Mas não passei procuração para que ninguém fale em meu nome. Há muitos (anos) me libertei do vitimismo que ainda insistem em me colocar nos ombros", diz a narração do vídeo.
"Meu voto é Bolsonaro", continua o texto do vídeo.
Junto a um link para o vídeo, Eduardo Bolsonaro escreveu no Twitter: "Somente a verdade nos liberta. Quem pede tudo ao Estado, tudo lhe é retirado, inclusive a liberdade".
A publicação foi um dos temas mais comentados no Twitter nesta terça-feira - usuários criticaram a divulgação de imagens de uma estrangeira apresentada como brasileira e pobre.
Vídeo publicitário
A BBC News Brasil localizou o autor do filme, que diz nunca ter passado por situação semelhante em seus 11 anos de carreira.
"É bastante triste. Eu sou completamente contra qualquer politica de divisão, de ódio. Me sinto mal e sinto que fui roubado", diz Robert Howard por telefone, durante temporada de férias em Paris.
"E não me parece muito patriótico usar as imagens de uma estrangeira, sem prévia autorização, em um vídeo que supostamente fala pelas mulheres negras brasileiras", continua Howard, que se descreve como "um cara moderado, liberal, opositor de qualquer extremismo".
Howard conta que foi pego de surpresa com uma enxurrada de mensagens relacionadas aos vídeos, gravados há sete anos.
Além das imagens com roupas de enfermeira usadas por apoiadores de Bolsonaro, a mulher também foi filmada interpretando uma operadora de telemarketing e uma cantora.
"Eu nem me lembrava do nome dela e precisei revirar meus arquivos para refrescar a memória", diz Howard à BBC News Brasil.
A mulher retratada nos vídeos não respondeu às tentativas de contato e disse a uma pessoa próxima que não falaria à imprensa sobre o caso.
'Nada respinga na campanha' de Bolsonaro
Procurada por telefone, WhatsApp e e-mail, a campanha de Jair Bolsonaro indicou a advogada da campanha do filho, Eduardo, como porta-voz para tratar do caso.
A advogada Karina Kufa disse à BBC News Brasil que "não há qualquer ilegalidade no vídeo do ponto de vista eleitoral" e que "nada respinga na campanha".
"Este foi um vídeo de um apoiador que o Eduardo gostou e republicou. A gente não consegue nem rastrear o autor. Tecnicamente, da parte da campanha, não há nenhum questionamento quanto à produção. O apoiador, sob o ponto de vista eleitoral, pode produzir materiais com favorecimento a determinada campanha", diz.
"Qualquer pessoa, inclusive o candidato, pode publicar o que gosta", continua Kufa.
Questionada sobre as críticas sobre a identidade atribuída à canadense no vídeo, a advogada também diz não ver problemas.
"Não vi nenhuma ilegalidade nem por parte do eleitor, nem por parte do candidato em compartilhar um vídeo que é público e notório. A gente vê por exemplo, a campanha do Geraldo Alckmin (PSDB). Ele fez um vídeo oficial com uma bala atingindo a cabeça de uma criança enquanto aparecem palavras. Nada ali era verídico, a criança não estava tomando tiros. As campanhas se utilizam eventualmente de alguns artifícios até para baratear, lembrando que este caso não foi um vídeo oficial da campanha de Bolsonaro. Quanto custa a contratação de uma atriz para um vídeo? Nenhuma propaganda é obrigada a colher depoimentos reais - claro, do ponto de vista de marketing é melhor - e não tem obrigação de publicar pontos de vista verdadeiros. A missão é informar o eleitor, e isso estava sendo feito."
O candidato ao governo de São Paulo pelo PSDB, João Doria, passou por situação semelhante neste mês, quando foi criticado por usar imagens de escolas e crianças russas e americanas para divulgar suas ações como prefeito de São Paulo.
Na oportunidade, a assessoria de Doria argumentou que o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a veiculação de imagens de menores sem autorização da Justiça.
Regras
A ShutterStock, plataforma onde o vídeo foi hospedado, se posicionou pelo Twitter, afirmando que "a área jurídica está neste momento investigando o problema" e tomará "as medidas necessárias".
À reportagem, o canadense autor do vídeo destacou que o uso de imagens para campanhas políticas é proibido tanto pelo autor quanto pelo banco de imagens.
A BBC News Brasil enviou questionamentos à sede da ShutterStock em Nova York. A empresa disse que está investigando o problema.
"A Shutterstock leva muito a sério o uso indevido de seu conteúdo, e nossa equipe jurídica está atualmente investigando o problema. Por favor, saiba que a Shutterstock tomará as medidas que julgar necessárias, mas não divulgará detalhes sobre ações legais a terceiros", disse a empresa.
O uso das imagens estrangeiras foi descoberto por usuários do Twitter durante esta semana.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.