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Eleições 2018: STF suspende ações da Justiça Eleitoral em universidades; entenda a polêmica

André Shalders, Camilla Veras Mota e Juliana Gragnani - Da BBC News Brasil em Londres e em São Paulo

27/10/2018 15h23

A ministra Cármen Lúcia concedeu neste sábado medida cautelar que suspende ações autorizadas na última semana por juízes de Tribunais Regionais Eleitorais em universidades em todo o país.

Nos últimos dias, a Justiça Eleitoral ordenou o cancelamento de eventos, a interrupção de aulas, a remoção de faixas e cartazes e a apreensão de documentos em diversos Estados.

Em boa parte dos casos, o TRE agiu após pedidos. Um dos episódios, em que uma faixa com os dizeres "Direito UFF - Antifascista" foi removida da Universidade Federal Fluminense, foi motivado por uma ação popular movida por um vereador.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por sua vez, a decisão de proibir o evento "Contra o Fascismo, Pela Democracia" teve origem em uma petição ajuizada por dois deputados federais.

As determinações foram cumpridas por meio de notificação judicial, com o envio de agentes do TRE ou em ações policiais.

Os juízes se basearam no artigo 37 da lei eleitoral, que veda propaganda eleitoral em espaços públicos e privados de uso comum.

Na sexta-feira, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, enviou ao Supremo uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) pedindo uma liminar que suspendesse o efeito das ações, argumentando que elas feriam a autonomia universitária e a liberdade de expressão.

Na liminar, Cármen Lúcia cita os direitos e garantias individuais listados no artigo 5º da Constituição e afirma que "os atos questionados apresentam-se com subjetivismo incompatível com a objetividade e neutralidade que devem permear a função judicante, além de neles haver demonstração de erro de interpretação de lei, a conduzir a contrariedade ao direito de um Estado democrático".

"Sem liberdade de manifestação, a escolha (política) é inexistente. O que é para ser opção, transforma-se em simulacro de alternativa. O processo eleitoral transforma-se em enquadramento eleitoral, próprio das ditaduras."

Juristas ouvidos pela BBC News Brasil concordam com a decisão do STF. Para eles, antes mesmo de terem seus direitos assegurados pela Constituição - da liberdade de expressão, por exemplo -, as universidades sequer estavam desrespeitando a lei eleitoral.

O que aconteceu nas universidades?

Entre os dias 23 e 25 de outubro, instalações de universidades públicas em vários Estados foram alvo de operações de fiscalização autorizadas por juízes eleitorais.

O objetivo declarado destas fiscalizações era saber se a estrutura das universidades ou seus servidores estavam sendo usados para fazer propaganda eleitoral, o que é proibido pela lei brasileira.

Em alguns casos, as ações apreenderam material de campanha do candidato Fernando Haddad (PT).

Mas houve também apreensão de HDs de computadores e de faixas contra o fascismo - o caso mais emblemático é o da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde uma faixa com os dizeres "Direito UFF - Antifascista" foi retirada por ordem da Justiça Eleitoral.

Ao determinar a retirada, a juíza Maria Aparecida da Costa Bastos disse que a faixa representava "propaganda eleitoral negativa" contra o candidato Jair Bolsonaro (PSL). A associação era possível, disse ela, porque havia panfletos timbrados da universidade ligando Bolsonaro ao fascismo.

Além do Rio de Janeiro, ações similares ocorreram em diferentes universidades nos Estados da Bahia, Paraíba, Minas Gerais, Amazonas, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Ceará, Pará e Mato Grosso.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, a Justiça Eleitoral proibiu a realização de um evento "Contra o Fascismo, Pela Democracia", sob a alegação de que se trataria de um comício dentro de uma instituição pública.

Na Paraíba, a Polícia Federal realizou uma batida na sede da Associação de Docentes da Universidade Federal de Campina Grande. Panfletos "em defesa da democracia" foram apreendidos - a associação nega ter agido a favor de qualquer candidato.

O que dizem os especialistas

Especialistas escutados pela BBC News Brasil dizem que a questão é simples: as manifestações nas universidades não eram propagandas eleitorais -que são proibidas, segundo a legislação eleitoral-, eram manifestações políticas.

"Propaganda eleitoral é aquela em que há pedido de voto. As faixas não pediam voto em ninguém", diz Daniel Falcão, advogado e professor de direito constitucional no IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público). "Nem competência da Justiça Eleitoral é."

A professora de direito da UERJ e advogada na área eleitoral Vania Aieta explica que a lei eleitoral proíbe propaganda política em bens de uso comum, como hospitais, escolas, faculdades, por exemplo.

"Mas isso não esvazia o direito das pessoas de fazerem manifestações de caráter político. Há diferença entre matéria de teor político-filosófico e matéria de teor eleitoral."

Ela diz que "não existe conceito de propaganda subliminar". "A propaganda tem que ser expressa, precisa ter menção ao candidato ou menção às eleições ou ao número do candidato".

"Quando você bota uma faixa contra o fascismo, pela ordem democrática ou evocando alguma doutrina política ou filosófica, como 'pelo o socialismo' ou 'pelo liberalismo', você não tem propaganda eleitoral ali. Você tem uma manifestação genuína da liberdade de expressão assegurada como direito fundamental pela Constituição."

O professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV) Rubens Glezer, que considera as decisões da Justiça Eleitoral "ilegais" e "descabidas", ressalta que uma das características do debate acadêmico é fazer a ligação entre questões teóricas e o contexto prático.

"Se eles fossem apenas teóricos e desligados de qualquer contexto ou relevância prática, a academia sofreria críticas - com muita razão."

Intervenções como as que foram autorizadas, para ele, dão "ampla discricionariedade para que a autoridade policial, na ponta, decida o que é debate acadêmico e o que é debate eleitoral".

"O grande risco de ações como essa é dar um cheque em branco para que o burocrata que atua na ponta decida qual o limite da liberdade acadêmica. Por isso é gravíssimo a ação que os TREs estavam permitindo", diz o coordenador do Supremo em Pauta, projeto que monitora as ações do STF.

Nesse sentido, a ministra Cármen Lúcia, em sua decisão, afirma que a "liberdade de pensamento não é concessão do Estado".

"É direito fundamental do indivíduo que pode até mesmo contrapor ao Estado. Por isso não pode ser impedida, sob pena de substituir-se o indivíduo pelo ente estatal, o que se sabe bem onde vai dar. E onde vai dar não é o caminho do direito democrático, mas da ausência de direito e déficit democrático. Exercício de autoridade não pode se converter em ato de autoritarismo, que é a providência sem causa jurídica adequada e fundamentada nos princípios constitucionais e legais vigentes."

Reações

As ações provocaram reações de ministros do Supremo e de entidades da sociedade civil.

Na sexta, 26, o ministro Luís Roberto Barroso disse que a "a polícia, como regra, só deve entrar em uma universidade se for para estudar".

Para o ministro Marco Aurélio, a interferência externa nas universidades é "de início, incabível". O ministro Ricardo Lewandowski disse que a presença de policiais em espaços acadêmicos "afronta a autonomia universitária e a liberdade de manifestação do pensamento que a Constituição garante aos professores e estudantes".

A ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, disse que a corregedoria eleitoral iria investigar se houve excessos."A legislação veda a realização de propaganda em universidades públicas e privadas, mas a vedação dirige-se à propaganda eleitoral e não alcança a manifestação de liberdade de expressão", afirmou.

Outras entidades, como a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a OAB, condenaram as ações.