O país onde a polícia está raspando cabelo afro de homens
Na série de cartas de jornalistas africanos à BBC, Zeinab Mohammed Salih analisa a polêmica questão da moda no Sudão, país muçulmano conservador.
Nas últimas semanas, internautas do Sudão ficaram chocados com vídeos e fotos que mostravam jovens com cabelo black power tendo as cabeças raspadas por integrantes de forças de segurança em bairros pobres de Cartum, a capital do país.
A operação vem sendo executada por soldados da Força Rápida de Apoio, muitos deles integravam a milícia Janjaweed, que é apoiada pelo governo. A Janjaweed é acusada de cometer atrocidades em Darfur, no início dos anos 2000. Eles foram acusados de matar os homens e estuprar as mulheres em vilarejos vistos como simpáticos aos rebeldes, e em seguida incendiar todas as casas.
Agora, têm um novo papel.
A milícia foi batizada de Força Rápida de Apoio e recebeu a missão de prender traficantes e impedir a saída de emigrantes para a Europa, missão essa bancada pela União Europeia, ainda que as autoridades europeias neguem que o dinheiro esteja indo para os antigos Janjaweed.
Não está claro por que eles começaram a raspar a cabeça de homens com black power, mas os penteados constumam ser associados, em círculos religiosos conservadores, com um comportamento fora das normas.
Espancadas por usar calças
A forma de vestir é um assunto delicado no Sudão, onde roupas podem causar problemas.
Alguns dias antes de as imagens das cabeças raspadas virem à tona, discutia-se no país sobre como uma apresentadora de televisão e defensora dos direitos da mulher havia reagido a um imame (sacerdote muçulmano) e pesquisador muçulmano que disse que assédio sexual e casamento de crianças eram justificáveis.
Eles participavam de um debate no canal Deutsche Welle sobre o que querem as mulheres no Sudão.
A cantora que encarou o imame
We'am Shawogi disse ao imame que ele deveria estar discutindo questões como salários iguais em vez de falar sobre a aparência das mulheres e que cabe à mulher decidir o que vestir.
Algumas pessoas ficaram bravas porque acharam que ela estava desrespeitando o imame, mas outras disseram que o tom refletia a frustração de muitas mulheres sobre o que elas veem como opiniões atrasadas.
Logo depois do debate, Shawogi recebeu ameaças de morte em redes sociais vindas de homens sudaneses.
Ela, que é dona de um café em Cartum que se tornou ponto de encontro de artistas e músicos, teve que se esconder.
O debate não amenizou as ações da Polícia de Ordem Pública, que no mês passado prendeu a cantora Mona Magdi Salim depois que imagens dela cantando de calças num show circularam em redes sociais.
Ela foi acusada de se vestir de forma indecente e será espancada se for condenada.
De acordo com uma pesquisa da Thomson Reuters Foundation, feita no ano passado, o Sudão é um dos cinco piores países do mundo árabe no que diz respeito aos direitos das mulheres - é o 17º de um total de 22.
Esse dado bate com um relatório da Human Rights Watch feito em 2016 que dizia que as forças de segurança sudanesas cometeram violência sexual e intimidaram de outras formas mulheres que defendem os direitos humanos.
'Humilhada por anos'
Winni Omer é jornalista e ativista de direitos humanos que também é exemplo de sudanesa que não se cala e que, por isso, é perseguida.
Ela foi presa no ano passado enquanto andava na rua com suas amigas por estar vestindo roupas consideradas indecentes, apesar de que estivesse de saia longa. No final das contas, foi absolvida.
Alguns meses depois, a polícia a prendeu de novo, com uma amiga. Elas foram acusadas de serem prostitutas e foram banidas de viajar para fora do país.
Depois de um ano de julgamento, ela conseguiu permissão para deixar o Sudão para fazer pós-graduação em direitos humanos no exterior. Seu caso está sendo julgado.
A longa história da Polícia de Ordem Pública no Sudão mostra que o establishment tem medo de qualquer mudança, que vê como uma ameaça à sua autoridade.
Agora parece que homens jovens de black power, dreadlocks ou calças largas e baixas, como de skatista, estão tendo o mesmo tratamento de mulheres que vêm sendo humilhadas há anos por quererem romper com tradições islâmicas e árabes.
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