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As estratégias de recrutamento de um grupo supremacista branco: 'Me mandaram ler o livro do Hitler'

03/12/2018 16h35

Grupo prega tolerância zero a não-brancos, comunidades judaicas e muçulmanas e diz que a homossexualidade é uma doença.

As estratégias de recrutamento de um grupo de extrema-direita foram reveladas após um repórter da BBC, disfarçado, ter se infiltrado entre os integrantes.

A chamada System Resistance Network (SRN, na sigla em inglês, e Rede de Resistência do Sistema, em tradução livre) prega tolerância zero a não-brancos, comunidades judaicas e muçulmanas, e diz que a homossexualidade é uma doença.

O grupo tem buscado novos membros em comunidades do País de Gales.

A temporada de recrutamento está aberta para adesão à rede - que defende a expulsão de minorias e uma "revolução branca".

Acredita-se que sua ideologia seja inspirada no grupo de extrema-direita National Action (Ação Nacional), que foi banido no Reino Unido, e que tenha estimulado seus seguidores a realizarem incêndios criminosos e atos de vandalismo em cidades galesas.

'Me mandaram ler o livro de Hitler'

Depois de criar um perfil online falso, um repórter da BBC Wales Investigates - série investigativa da BBC sobre temas que afetam a população no País de Gales - obteve informações detalhadas sobre como a SRN opera.

Disfarçado, o jornalista se comunicou com integrantes do grupo durante meses. Conquistou a confiança deles a ponto de ser encarregado de realizar atos em nome do SRN - tinha de colar cartazes do grupo à noite e fotografá-los para provar que havia cumprido a tarefa.

Ele também foi instruído a ler o Mein Kampf (Minha Luta, em português) - livro que Adolf Hitler escreveu expressando suas ideias racistas e antissemitas, então adotadas pelo partido nazista - além de outras publicações extremistas.

"Eles falam em destruir a Constituição", relatou o jornalista.

"Eles querem que eu infrinja a lei e não se importam se alguém vai se machucar".

Um dos fundadores do National Action, Alex Davies, tem apoiado o grupo na estação de rádio neonazista Aryan, sediada em Swansea, a segunda maior cidade do País de Gales.

Grupo extremista comemorou a morte de deputada

Davies era estudante quando criou o National Action, em 2013. Seu assistente Ben Raymond se mudou da cidade de Bognor Regis para morar em Swansea, à medida que cresceram os números e a má fama do grupo.

O National Action já foi considerado a organização de extrema-direita mais perigosa da Grã-Bretanha e foi banido em dezembro de 2016, após comemorar o assassinato da deputada Jo Cox, do Partido Trabalhista.

Defensora da permanência do Reino Unido na União Europeia, a parlamentar morreu aos 41 anos, esfaqueada e baleada em plena luz do dia depois de um encontro com eleitores em Birstall, uma cidade no centro-norte da Inglaterra.

Thomas Mair, um simpatizante da extrema direita, foi condenado à prisão perpétua pelo assassinato.

Há pouco mais de um ano, Davies e Raymond foram detidos sob suspeita de continuarem como integrantes do grupo, o que eles negam. Eles não foram indiciados. A polícia diz que as investigações continuam.

A BBC Wales Investigates ouviu Davies na estação de rádio Aryan, onde ele se disse encorajado por cartazes racistas e pichações feitas em paredes em Cardiff - no País de Gales - no início deste ano.

"Enquanto houver sinais de resistência, há esperança", disse ele. "É como um incêndio. Enquanto houver alguma brasa queimando, tudo que você precisa fazer é colocar um pouco de combustível no fogo e ele pode se transformar em algo grande muito rapidamente."

Raymond também fez aparições na programação da rádio pedindo apoio aos partidários da extrema-direita que foram presos, em especial para enviar a eles material de leitura.

A BBC Wales contatou o homem que dirige a rádio Aryan, identificado como Sven Longshanks.

Ele não quis dar entrevista, mas enviou um e-mail ao programa negando qualquer irregularidade e ressaltando que o propósito da estação é ser ouvida pelos nacionalistas na privacidade de suas casas.

Ele acrescentou que não é responsável por nada que Ben Raymond ou Alex Davies digam em seus programas.

Dez pessoas foram condenadas este ano por filiação ao National Action. A polícia de combate ao terrorismo afirmou que eles mantiveram suas ligações e o grupo de forma clandestina.

No início deste ano, Christopher Lythgoe e Matthew Hankinson foram condenados a 14 anos de prisão, após um julgamento de seis semanas em que foram considerados culpados de ser membros do grupo.

Os integrantes do National Action, Adam Thomas e Claudia Patatas - que batizaram o filho em homenagem a Hitler - e Daniel Bogunovic, também foram considerados culpados de serem membros do grupo e receberão a sentença no final deste mês.

'Território de brancos'

Um membro do National Action estabeleceu que o País de Gales era terreno fértil não só para divulgar a mensagem da extrema-direita, mas para criar enclaves, ou seja, territórios de brancos.

Mikko Vehvilainen era instrutor de combate e preparador físico no Royal Anglian regiment, o regimento de infantaria do Exército britânico.

Seus vizinhos na aldeia de Llansilin, no condado de Powys, no País de Gales, não tinham ideia de suas simpatias nazistas até serem surpreendidos com uma dramática batida policial em setembro de 2017.

Agentes antiterrorismo descobriram que Vehvilainen ainda era membro ativo do National Action - e estava ligado a outros membros do agora clandestino grupo em Midlands.

Na casa e acomodação militar de Vehvilainen, no acampamento de Sennybridge, os agentes encontraram parafernália nazista, armas e mensagens que ele vinha trocando com outros simpatizantes da direita por meio de aplicativos criptografados.

Em uma dessas mensagens, a verdadeira dimensão do seu ódio por outras raças foi revelada.

O veterano do Afeganistão disse que os negros não eram dignos da vida e acrescentou: "Eu poderia atirar nos filhos deles e não sentir nada. Eu não matei nenhum muçulmano de perto, mas quando eu estava comprometido em matá-los, isso não me incomodou nem um pouco. Talvez alguns dos meus tiros os tenham matado. Eu espero que sim."

Vehvilainen foi condenado a oito anos de prisão por ser membro do National Action - após a acusação em seu julgamento argumentar com sucesso que ele estava tentando recrutar soldados do Exército para fazer parte do grupo.

No julgamento, também foi dito que ele comprou uma casa como parte de um plano para instalar um enclave 100% branco no meio do País de Gales.

O Exército como tática

Vehvilainen conseguiu se infiltrar no Exército britânico apesar de suas visões extremas.

Em sua terra natal, a Finlândia, entretanto, suas simpatias eram bastante conhecidas.

A BBC Wales Investigates viajou para o Estado báltico para conhecer Esa Holappa, um ex-neonazista que virou as costas ao movimento em um diálogo com Vehvilainen.

"Mikko era uma pessoa detestável, disposta a brigar e a lutar por suas ideias e talvez até a dar outro passo", disse ele.

"Estava muito, muito claro que, de acordo com as ideias dele e com a ideologia que seguia, certas pessoas poderiam ser exterminadas e mortas para se alcançar uma revolução branca, a vitória branca."

Esa não se surpreendeu quando Vehvilainen se juntou ao Exército e disse que era uma tática conhecida para grupos racistas.

O Exército disse à BBC Wales Investigates que veta recrutas por condenações ou ligações a grupos extremistas, e que tem medidas robustas para garantir que aqueles que demonstram pontos de vista extremistas não sejam tolerados ou autorizados a servir.

O deputado Stephen Doughty, membro do Parlamento de Cardiff South e Penarth, disse que o SRN - como o National Action - deveria ser proibido.

Ele também quer que a polícia investigue a rádio Aryan e comentários feitos no ar por Alex Davies e Ben Raymond.

Ben Raymond negou qualquer irregularidade e recusou-se a dar entrevista. A BBC também fez repetidas tentativas de contatar Alex Davies, mas ele não respondeu.

"Esta é a liberdade de expressão que é muito prejudicial aos direitos dos outros", disse Doughty.

"Você não pode ter liberdade para comprometer a liberdade dos outros e muitas dessas organizações se escondem atrás disso quando, na verdade, estão permitindo que um conteúdo repugnante e odioso exista", acrescentou ele.

"Mas isso também tem a ver com as punições aplicadas às empresas de tecnologia e internet que continuam a hospedar esse conteúdo quando ele é denunciado às autoridades."

O chefe de polícia assistente Jon Drake, de South Wales, disse à BBC Wales Investigates que a polícia estava trabalhando com comunidades em todo o País de Gales para detectar e prevenir a radicalização, tanto online quanto em outros lugares.

"A ideologia e intenção não mudaram - são as ferramentas que estão disponíveis para a criminalidade em todas as suas formas", disse ele.

"O que eu diria é que é também uma oportunidade para investigarmos e não importa se as pessoas estão tentando radicalizar online ou offline, se o crime está lá, vamos investigar e levar as pessoas à Justiça."

O ministro da Segurança, Ben Wallace, disse: "O governo não hesitará em abolir qualquer organização que represente uma ameaça e o trabalho com empresas de tecnologia está em andamento para combater a propaganda extremista online".

Ele acrescentou que novas propostas para combater a ameaça da radicalização online devem ser publicadas nos próximos meses.

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