Pesquisa indica que ouvir death metal traz prazer e não estimula violência
Ainda que as letras possam ser macabras, gênero musical não dessensibilizaria seus fãs em relação a imagens violentas, de acordo com estudo de universidade australiana publicado neste mês de março.
"Eu só tive um desejo desde que nasci; ver meu corpo rasgado e despedaçado."
A letra da música Eaten, que fala sobre canibalismo, da banda sueca de death metal Bloodbath, não deixa muito espaço para a imaginação. Mas nem essa faixa - ou outras tão macabras quanto ela, do mesmo gênero - incitam a violência, afirmam pesquisadores do laboratório de música da Universidade Macquarie, em Sidney, na Austrália, que usou a canção em um teste psicológico.
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O estudo, publicado neste mês de março no periódico Open Science, da britânica Royal Society, apontou que os apreciadores desse estilo musical, via de regra, não são pessoas insensíveis a imagens violentas.
"Os fãs (de death metal) são boa gente", ri Bill Thompson, professor da universidade australiana. "Eles não vão sair por aí machucando pessoas (por causa disso)."
O trabalho é parte de uma pesquisa que se estende por décadas conduzida pelo cientista com alguns colegas sobre os efeitos emocionais da música. Esse impacto, ele pondera, é complexo.
"Muita gente gosta de música triste, e isso é uma espécie de paradoxo - por que desejaríamos ficar tristes?", ele questiona.
"A mesma lógica pode ser aplicada para músicas agressivas ou a temas violentos. Para nós, é um paradoxo psicológico - então (como cientistas) nos desperta a curiosidade, inclusive porque reconhecemos que a presença da violência na mídia é um tema socialmente importante."
Como cientistas testam a sensibilidade das pessoas à violência?
Eles fazem isso por meio de um experimento psicológico clássico que investiga respostas dadas pelo subconsciente - feito, no caso, com fãs de death metal. Nos testes, 32 apreciadores do gênero e 48 pessoas que não o ouviam habitualmente tiveram de escutar o material enquanto olhavam para imagens bem desagradáveis.
Yanan Sun, também entre os coordenadores da pesquisa, explica que o objetivo do experimento era medir em que nível o cérebro dos participantes observavam as cenas de violência e comparar como sua sensibilidade era afetada pela trilha sonora.
Para verificar o impacto de diferentes tipos de música, eles também utilizaram uma canção que consideravam o oposto do que Eaten representava.
"Usamos Happy, de Pharrell Williams", diz Sun.
Os participantes ouviam uma ou outra faixa enquanto lhes eram mostradas duas imagens - uma para cada olho. Uma exibia uma cena violenta - alguém sendo atacado na rua, por exemplo. Outra mostrava algo inofensivo, como um grupo de pessoas caminhando pela mesma rua da primeira foto.
"É o que chamamos de rivalidade binocular", explica a cientista. Esse teste psicológico tem como base o fato de que a maioria das pessoas, quando estimulada com uma imagem neutra em um olho e uma violenta em outro, se concentra mais na segunda.
"O cérebro vai tentar processar (aquela informação) - presumivelmente, existe uma razão biológica para isso, porque seria uma ameaça", explica o professor Thompson.
"Se os fãs de música violenta estivessem dessensibilizados à violência - que é o que preocupa grupos de pais, de religisosos e de censores -, eles não apresentariam o mesmo viés (que os não fãs participantes do estudo)."
"Mas eles apresentaram exatamente o mesmo viés em relação ao processamento das imagens violentas", conclui.
O que a banda autora da música acha disso tudo?
"Nós não temos nenhuma relação com isso", afirmou à BBC News o vocalista do Bloodbath, Nick Holmes. "As letras são uma diversão inofensiva, como o estudo comprovou." Ele acrescenta que as músicas da banda são "basicamente uma versão em áudio de um filme de terror dos anos 1980".
"A maioria dos fãs de death metal é formada por pessoas inteligentes, ponderadas, que por acaso têm uma paixão pela música", ele diz. "É o equivalente às pessoas obcecadas por filmes de terror ou mesmo pela reencenação de batalhas."
Por que a pesquisa é importante?
Thompson, da Universidade Macquarie, afirma que as conclusões do estudo devem ser vistas como um instrumento para tranquilizar "pais e grupos religiosos" que têm preocupações a respeito de músicas violentas.
De forma mais ampla, ainda há temor de que a violência na mídia possa ocasionar problemas sociais. "Se você é dessensibilizado à violência, talvez não se importasse de ver alguém na rua em apuros - e não a ajudaria."
Ainda que, aparentemente, pesquisas tenham identificado evidências dessa dessensibilização em pessoas que jogam muito games violentos ou ouvem música violenta, a questão é diferente neste caso.
"A resposta emocional dominante a esse tipo de música é prazer e empoderamento", pontua Thompson. "E acredito que ouvir esse tipo de música e transformá-la em uma experiência bonita, de empoderamento, é algo incrível."
O cantor Nick Holmes se identificou com a análise e afirmou que muitas das músicas que ele ouve são "melancólicas, dramáticas, tristes ou agressivas - e nada muito além disso".
"São gêneros que me dão sensação de prazer e empoderamento", disse à BBC.
Especificamente sobre a letra de Eaten, ele acrescenta: "Eu não a escrevi, mas sinceramente ficaria estarrecido se alguém que ouvisse a música sentisse desejo de ser comido por um canibal."
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