Protestos em Hong Kong: por que manifestações se intensificaram e como a China pode reagir
A onda de turbulência que abala a região administrativa chinesa entra em sua 11ª semana e não dá sinais de que vá diminuir, após a polícia entrar em confronto com manifestantes no aeroporto da cidade.
A onda de turbulência que abala Hong Kong entra em sua 11ª semana e não dá sinais de que vá diminuir.
A polícia de Hong Kong foi acionada nesta terça-feira (13) para agir contra os manifestantes que transformaram o aeroporto internacional desta Região Administrativa chinesa em um palco de protestos diários desde a sexta-feira.
Usando equipamentos especiais, os policiais começaram a retirar as pessoas, mas centenas de manifestantes ainda permanecem em partes do terminal.
O check-in para voos havia sido suspenso pelo segundo dia consecutivo neste que é um dos terminais aéreos mais movimentados do mundo.
Vídeos publicados em redes sociais mostram passageiros lutando para tentar chegar aos balcões das companhias.
A líder de Hong Kong, Carrie Lam, divulgou mais cedo uma advertência aos manifestantes ao dizer que a cidade "atingiu [uma] situação perigosa" e que a violência durante os protestos levaria "a um caminho sem volta".
O que está acontecendo no aeroporto?
Apesar disso, uma multidão continuou reunida no aeroporto nesta terça-feira. Em imagens feitas no terminal, manifestantes usam carrinhos de bagagem como barreiras enquanto alguns viajantes angustiados e irritados tentam embarcar.
As autoridades que administram o aeroporto anunciaram que todos os check-ins seriam suspensos a partir das 16h30 no horário local (5h30 no horário de Brasília) e aconselharam os passageiros a deixar o terminal "o mais rápido possível". Não está claro até que ponto as chegadas de voos na terça-feira foram afetadas.
A interrupção de segunda-feira já havia levado ao cancelamento de centenas de voos. Algumas companhias aéreas, incluindo a Cathay Pacific, a principal empresa aérea de Hong Kong, também cancelaram dezenas de viagens nesta terça-feira, ainda antes que o fechamento do check-in fosse anunciado.
Alguns manifestantes pediam desculpas aos passageiros pelos inconvenientes. Outros usavam ataduras sobre um dos olhos em solidariedade a um manifestante ferido, enquanto criticavam a repressão cada vez maior pela polícia.
Médicos do Hospital Queen Elizabeth, em Hong Kong, também organizaram uma pequena manifestação contra a violência policial na terça-feira, de acordo com a mídia local.
Como começaram os protestos?
As manifestações tiveram início em junho em resposta a um projeto de lei apresentado em abril que previa que pessoas acusadas de crimes contra a China continental poderiam ser extraditadas da Região Administrativa Especial de Hong Kong.
Críticos do projeto disseram que os extraditados poderiam ter um julgamento injusto e ser tratados com violência na China e que isso poderia colocar ativistas e jornalistas em risco. Também argumentaram que daria à China mais controle sobre o território.
Hong Kong é uma ex-colônia britânica e, hoje, faz parte da China sob um acordo conhecido como "um país, dois sistemas", que garante um certo nível de autonomia, como ter seu próprio Judiciário e um sistema legal separado da China continental.
Direitos como liberdade de reunião e liberdade de expressão são protegidos. A cidade é atualmente um dos poucos lugares do território chinês onde as pessoas podem recordar publicamente a repressão a manifestantes na Praça Tiananmen, em Pequim, em 1989.
O projeto de lei que deu origem às manifestações foi suspenso em julho, mas os manifestantes não ficaram satisfeitos e exigem que ele seja cancelado por completo.
Os protestos evoluíram desde então para um movimento pró-democracia, alimentado por temores de que as liberdades de que Hong Kong desfruta em relação ao governo central chinês estejam sendo destruídas.
Os manifestantes agora também exigem que os protestos de 12 de junho não sejam descritos por autoridades como "distúrbios", anistia para todos os manifestantes presos, um inquérito independente sobre as acusações de brutalidade policial e sufrágio universal para as eleições do chefe do Executivo e do Conselho Legislativo da região.
Alguns também querem a renúncia de Carrie Lam, que eles vêem como uma "marionete de Pequim".
O que dizem as autoridades?
Na terça-feira, a alta comissária da Organização das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, recomendou cautela às autoridades ao conterem os protestos, em meio a críticas à resposta da polícia.
Os comentários ocorreram após virem à tona filmagens de confrontos no domingo, quando várias pessoas, incluindo um policial, ficaram feridos.
"Autoridades podem ser vistas atirando bombas de gás lacrimogêneo em áreas fechadas e lotadas, e diretamente em manifestantes em várias ocasiões, criando um risco considerável de morte ou ferimentos graves", disse ela em um comunicado em que pedia uma investigação sobre possíveis abusos.
Carrie Lam falou sobre a onda de violência em uma coletiva de imprensa marcada por animosidades nesta terça-feira. Jornalistas locais dispararam perguntas em cantonês e inglês para Lam, muitos condenando sua reação aos distúrbios.
"Pare um minuto para pensar, olhe para nossa cidade, nossa casa - todos vocês realmente querem vê-la empurrada rumo ao abismo?", disse ela disse, às vezes parecendo estar à beira das lágrimas.
Lam disse ainda que estava "de coração partido" por relatos de ferimentos graves nos protestos do fim de semana, mas defendeu a polícia das acusações de uso excessivo da força, dizendo que os agentes trabalharam em meio a "circunstâncias extremamente difíceis".
Seus comentários ecoaram declarações semelhantes feitas por um funcionário da Representação do governo chinês em Hong Kong, que na segunda-feira disse que a cidade iria "cair em um abismo sem fundo se as atrocidades terroristas continuassem".
A China pode intervir militarmente?
A Lei Básica - a "mini-Constituição" de Hong Kong em vigor desde que o Reino Unido entregou o território de volta à China em 1997 - é muito clara: uma intervenção militar chinesa só pode ocorrer a pedido do governo local e para a "manutenção da ordem pública e auxílio em caso de desastres".
A maioria dos analistas diz que é quase impensável que até mesmo um governo altamente pró-Pequim de Hong Kong queira isso.
Imagens de tropas chinesas marchando por Hong Kong contra protestos pró-democracia, mesmo que não se use força letal, seriam desastrosas para a reputação do território, arriscando desestabilizar sua economia e causar indignação internacional.
O Exército de Libertação do Povo da China (PLA) mantém um contingente de cerca de 5 mil integrantes em Hong Kong desde a entrega do território.
Adam Ni, pesquisador da Universidade Macquarie na China, diz que esse contingente é "razoavelmente discreto" e, em grande parte, tem "uma presença simbólica que representa a soberania da China".
Mas, em 31 de julho, a unidade militar rompeu seu silêncio durante os protestos, ao divulgar um vídeo com imagens de soldados gritando - em cantonês - "todas as consequências são por sua conta e risco".
Isso foi amplamente visto como um aviso sobre como a China poderia responder, se solicitada. Ben Bland, pesquisador do Instituto Lowy de Sydney, na Austrália, disse à AFP que a China parece estar jogando com uma ameaça de intervenção "para tentar assustar os manifestantes".
Até agora, a Representação da China em Hong Kong disse que tem plena confiança na polícia para lidar com os distúrbios. Mas seu porta-voz, Yang Guang, também alertou que "aqueles que brincam com o fogo perecerão" e que os manifestantes não devem "confundir a cautela com fraqueza".
Ni afirma que o risco político para o governo chinês, tanto internamente quanto internacionalmente, de realizar uma intervenção militar é simplesmente alto demais e pode piorar a crise. "Qualquer resposta militar com força esmagadora levaria a mais resistência", diz ele.
A China pode intervir politicamente?
A China já fez uma série de intervenções políticas em Hong Kong, e isso tem sido um fator determinante por trás dos recentes protestos.
O Parlamento de Hong Kong tem uma composição favorável a Pequim, e, em 2017, apesar de grandes protestos, aprovou uma lei que significava que candidatos a serem a chefes do Executivo da região tinham de ser pré-aprovados por um comitê pró-Pequim. O vencedor, que também deve ser chancelado pelo governo central, escolhe os ministros.
Lam foi eleita em 2017, e foi ela quem apresentou o projeto de lei de extradição que desencadeou os novos protestos, tornando-se um foco da própria revolta.
Dixon Ming Sing, da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, diz que Pequim "fez muito para mostrar seu poder, resistindo veementemente à ideia da renúncia de Carrie Lam e a [deixá-la] retirar formalmente a lei".
"Se o governo central quiser que ela renuncie, isso pode acontecer. Mas acho que não deseja isso, para mostrar que não pode ser coagido pela opinião pública", diz Sing. E, mesmo que Lam deixe o cargo, seu substituto também terá de ser apoiado por Pequim.
Outras ações políticas em Hong Kong nos últimos anos - incluindo a cassação de parlamentares da oposição por não declararem corretamente o juramento de lealdade ao assumirem seus cargos no Conselho Legislativo e uma lei que proíbe o desrespeito ao hino nacional chinês - deixaram claro que as autoridades querem combater o sentimento anti-Pequim.
A China pode deter os ativistas?
Lam disse que o projeto apresentado por ela está morto, mas não chegou a afirmar que o retiraria formalmente. Mesmo sem ele, há relatos suficientes de que a China contorna leis para deter cidadãos de Hong Kong, o que é motivo de preocupação para os manifestantes.
Gui Minhai, que administrava uma livraria em Hong Kong vendendo títulos críticos ao governo chinês, é um dos casos de maior destaque. Ele desapareceu na Tailândia em 2015, antes de reaparecer na China, onde foi acusado de ter causado um acidente de carro em 2003.
Um tribunal chinês condenou-o a dois anos de prisão. Ele foi libertado em 2017, mas foi novamente preso no ano seguinte, enquanto estava em um trem na China. Ele não foi visto desde então.
E mesmo que os próprios ativistas não temam a prisão, alguns podem recear repercussões para qualquer membro da sua família que viva no continente.
No entanto, apesar dos medos de intervenção direta em Hong Kong, a ferramenta mais eficaz de Pequim para acalmar os distúrbios é provavelmente uma resposta sutil, mas potente.
Hong Kong é uma potência econômica, e tem permanecido assim desde a sua entrega à China, em parte devido ao status especial de que desfruta como parte do acordo de transferência. Mas as cidades do continente, como Shenzhen e Xangai, se desenvolveram rapidamente desde então.
Se Hong Kong continuar a desafiar a autoridade de Pequim, o governo poderá redirecionar ainda mais investimentos e comércio para o continente, pressionando a economia de Hong Kong e tornando-a muito mais dependente da boa vontade do governo central.
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