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Hong Kong: Quais são as motivações dos protestos que marcaram o aniversário de devolução do território à China

01/07/2019 14h49

Em mais uma das manifestações que vêm tomando o território nas última semanas, um grupo invadiu o Parlamento local; entenda o que está por trás do movimento e como ele se organiza.

Manifestantes forçaram a entrada no Parlamento de Hong Kong nesta segunda-feira, em mais um dos protestos que marcaram as últimas semanas na região.

Centenas de pessoas lotaram o saguão do prédio, pintando mensagens nas paredes e acenando para a multidão das janelas do andar de cima. Até a publicação desta reportagem, parte delas permanecia no local acompanhada por membros da imprensa.

O ato foi provocado por um segmento que se separou de um protesto pacífico pró-democracia, marcado para o dia do aniversário de transferência de Hong Kong do Reino Unido para o domínio chinês.

Esta é a mais recente de uma série de manifestações, que começaram com o repúdio a um projeto de lei polêmico que permitiria extradições para a China continental.

O governo concordou em suspender o texto indefinidamente, mas os protestos continuam em meio a pedidos de renúncia da chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam.

Hong Kong, uma ex-colônia britânica, faz parte da China desde 1997, sob um acordo de "um país, dois sistemas", que garante um certo nível de autonomia ao território de 7,4 milhões de habitantes.

Eventos pró-democracia são realizados todos os anos para marcar a data da entrega do território ao governo chinês, que fez de Hong Kong uma "Região Administrativa Especial". Na prática, ela tem seu próprio sistema de leis, diversos partidos políticos e direitos essenciais garantidos, como liberdade de expressão.

O temor dos manifestantes é que, com a nova lei, a região perca grande parte disso.

Como foi o protesto desta segunda-feira?

Nesta segunda (1º), o dia começou com uma cerimônia de hasteamento de bandeiras para marcar a entrega do território a China ocorreu dentro do Centro de Convenções e Exposições de Hong Kong, em meio a forte presença policial.

Os manifestantes bloquearam várias estradas próximas usando itens como barreiras de metal e plástico.

Policiais equipados com escudos, bastões e spray de pimenta entraram em confronto com centenas de manifestantes, cerca de 30 minutos antes da cerimônia.

Pelo menos uma mulher ficou ferida após os confrontos, segundo a agência de notícias AFP.

Um comunicado da polícia condenou "atos ilegais" por parte de manifestantes que teriam levado ao ato canos de ferro e trilhos de segurança de obras próximas.

Treze policiais foram levados para o hospital depois que os manifestantes jogaram um "líquido desconhecido" neles, segundo a polícia. Alguns relataram ter sofrido dificuldades respiratórias como resultado do suposto ataque.

Mais tarde, a marcha pró-democracia se mostrou majoritariamente pacífica, com milhares de participantes. No entanto, por volta da hora do almoço, um grupo dissidente dirigiu-se ao Parlamento, onde o governo se reúne.

Esses manifestantes começaram a bater nas portas de vidro com um carrinho de metal, conseguindo arrebentá-la antes de se dispersar.

O prédio foi colocado em alerta vermelho - o que significa que as pessoas deveriam evacuar o edifício e a área.

Mas às 21h, horário local, (10h no Brasil), a multidão que participava do ato havia aumentado e algumas pessoas voltaram ao edifício e entraram após retirarem a cerca externa.

Um homem, identificando-se como G, disse à reportagem da BBC no local que os manifestantes esperavam uma reação violenta.

"O movimento está agora além do projeto de lei. É sobre a autonomia de Hong Kong", disse.

"Eu me preocupo com a potencial reação do público. Tudo o que fazemos tem um risco e esse é um dos riscos que as pessoas aqui estão dispostas a assumir."

O governo condenou o que chamou de atos "extremamente violentos", acrescentando que a polícia "tomaria medidas apropriadas para proteger a ordem pública e a segurança".

Falando na cerimônia de bandeira, a líder de Hong Kong, Carrie Lam, prometeu passar mais tempo ouvindo o público para que o futuro trabalho do governo seja "mais responsivo" às suas "aspirações, sentimentos e opiniões".

Foi a primeira aparição pública de Lam desde 18 de junho, quando ela pediu desculpas pela forma com a qual lidou com o projeto de lei de extradição.

Por que as pessoas protestam?

Hong Kong foi uma colônia britânica por mais de 150 anos. Em 1984, os governos britânico e chinês chegaram a um acordo que Hong Kong retornaria à China em 1997 sob o princípio de "um país, dois sistemas". Ou seja, Hong Kong gozaria de "um alto grau de autonomia, exceto em assuntos estrangeiros e de defesa" por 50 anos.

O sistema de Hong Kong permite-lhe liberdades não vistas na China continental, incluindo a independência judicial.

Mas há quem diga que elas estão em declínio há algum tempo.

Grupos de direitos humanos acusaram o governo chinês de interferir em Hong Kong, citando exemplos como decisões legais que desqualificaram legisladores pró-democracia. Eles também se preocupam com o desaparecimento de cinco livreiros de Hong Kong e um magnata que depois ficou detido na China continental.

Artistas e escritores dizem que estão sob crescente pressão para se autocensurarem - e um jornalista do Financial Times foi impedido de entrar em Hong Kong depois que organizou um evento com participação de um ativista pela independência da região.

Os manifestantes acreditavam que a lei de extradição, se aprovada, aproximaria o território do controle da China. Para críticos do texto, ele poderia ser usado para punir oponentes do governo chinês.

Em 12 de junho, a polícia usou gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar a multidão que marchava contra o projeto, na pior demonstração de violência na região em décadas.

As manifestações forçaram o governo a se desculpar e a suspender a lei de extradição planejada. Mas muitos manifestantes disseram que não recuariam até que o texto fosse completamente descartado.

Há uma parcela significativa da população irritada com o nível de força usado pela polícia em 12 de junho e cobra uma investigação.

"O uso de força excessiva pela polícia de Hong Kong contra manifestantes pacíficos foi bem documentado e exige urgentemente uma investigação totalmente independente", disse Sophie Richardson, diretora da Human Rights Watch, em um comunicado.

No entanto, houve também pequenas manifestações de um movimento pró-Pequim no território.

No domingo, milhares de manifestantes desse grupo se mobilizaram em apoio à polícia de Hong Kong.

Um deles disse à agência AFP que a polícia estava apenas tentando "manter a ordem", chamando os participantes dos protestos anti-extradição de "sem sentido".

Como eles se organizam? E quem são os líderes?

A campanha de protestos em Hong Kong está sendo alimentada por voluntários que organizam centenas de grupo no aplicativo Telegram. Segundo os organizadores, a estratégia foi responsável, em parte, por levar mais de 2 milhões de pessoas às ruas nas últimas semanas.

Muitas das convocações para protestos são feitas anonimamente, em conversas em grupo em aplicativos de mensagens criptografados.

Alguns deles têm até 70.000 assinantes ativos. Muitos fornecem atualizações e relatórios em primeira mão relacionados aos protestos, enquanto outros atuam como um alerta de movimentação da polícia, avisando os manifestantes de atividades nas proximidades.

Há também grupos menores, formados por advogados, socorristas e médicos. Eles fornecem aconselhamento jurídico e obtêm suprimentos para os manifestantes nas linhas de frente.

Manifestantes dizem que a coordenação on-line dos protestos oferece uma maneira conveniente e instantânea de divulgar informações. Os chats também permitem que os participantes votem - em tempo real - para decidir os próximos movimentos.

Nesta semana, um grupo de ativistas anônimos arrecadou mais de meio milhão de dólares em um site de crowdfunding. Os manifestantes dizem que a tecnologia transformou os protestos em um movimento sem líderes.