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Por que mulheres estão abandonando o sutiã na Coreia do Sul

Lara Owen e Julie Yoonnyung Lee - BBC

03/09/2019 12h58

Sul-coreanas estão postando fotos nas redes sociais sem sutiã por baixo da roupa. Mas o que está por trás do movimento #NoBra?

Mulheres sul-coreanas estão postando fotos nas redes sociais sem sutiã por baixo da roupa.

Usando a hashtag #NoBra, que quer dizer "sem sutiã", o movimento está ganhando força na internet.

A tendência começou depois que a atriz e cantora sul-coreana Sulli, que tem milhões de seguidores no Instagram, publicou fotos sem sutiã na rede social.

Desde então, ela se tornou um ícone no país ao propagar a ideia de que usar ou não sutiã é uma questão de "liberdade individual".

O 'movimento sem sutiã'

Apesar de ter recebido muitas mensagens de apoio, alguns usuários - tanto homens quanto mulheres - reagiram acusando a artista de querer "chamar atenção" e ser deliberadamente provocadora.

Eles acreditam que ela está usando o movimento das mulheres para se promover.

"Entendo que usar sutiã é uma escolha pessoal, mas ela sempre tira fotos de si mesma usando camisetas apertadas para destacar os seios. Ela não precisa fazer isso", escreveu um usuário no Instagram.

https://www.instagram.com/p/BwUQRVLh0jH/

"Não culpamos você por não usar sutiã. Estamos dizendo que você deve esconder seu mamilo", outro usuário escreveu.

"Que vergonha. Você iria à igreja assim? Você iria encontrar com o marido da sua irmã ou sogro assim?"

"E não são apenas os homens, as mulheres também se sentem desconfortáveis", comentaram outras pessoas.

Mais recentemente, fotos de outra cantora famosa, conhecida como Hwasa, colocaram o movimento #NoBra de volta aos holofotes.

Liberdade de escolha

As fotos e os vídeos que mostram a artista chegando a Seul depois de um show em Hong Kong, usando uma camiseta branca sem sutiã por baixo, viralizaram.

Mas desde então tem havido um aumento significativo do movimento #NoBra entre as mulheres "comuns".

E não se trata de um caso isolado de mulheres que buscam liberdade de escolha na Coreia do Sul.

Em 2018, o país testemunhou a ascensão do movimento Escape the Corset (liberte-se do espartilho, em tradução livre) - como parte desse protesto, muitas mulheres rasparam os cabelos e passaram a se expor sem maquiagem. Elas postaram as imagens nas redes sociais como um ato de rebeldia.

O slogan 'Escape the Corset' foi criado para representar a luta contra os padrões irreais de beleza, que exigem que as mulheres passem horas na frente do espelho passando maquiagem e cosméticos.

Muitas mulheres com quem a BBC conversou disseram que havia um vínculo significativo entre os dois movimentos, e a maneira como eles se propagam nas redes sociais é indicativo de um novo tipo de ativismo.

Medo de atrair olhares

Recentemente, mulheres sul-coreanas passaram a protestar contra a cultura do patriarcado, a violência sexual e o crescimento dos chamados "crimes das câmeras escondidas", em que homens deixam câmeras escondidas em banheiros e outros locais públicos.

O ano de 2018 também foi palco dos maiores protestos femininos já registrados no país - milhares de mulheres foram às ruas de Seul pedindo repressão à pornografia ilegal com câmeras escondidas.

Algumas sul-coreanas com quem a BBC conversou disseram que agora estão enfrentando um dilema.

Elas defendem não usar sutiã, mas não se sentem confiantes o suficiente para sair na rua sem ele.

Uma das principais razões que elas citam é o medo de atrair olhares depravados e desrespeitosos dos homens.

Jeong Seong-eun, de 28 anos, fez parte da equipe de produção de No Brablem, documentário de 2014 sobre a experiência das mulheres de ficar sem sutiã.

Jeong diz que deu início ao projeto com amigas da universidade, onde começou a se questionar: "por que achamos natural usar sutiã?"

Direito de escolha

Embora ache positivo que mais mulheres estejam discutindo o assunto em público, ela também acredita que a maioria ainda "sente vergonha" de mostrar os mamilos através da camiseta.

"Elas sabem que usar sutiã ainda é considerado normal na Coreia do Sul, e é por isso que escolhem usar sutiã", avalia.

Park I-seul, de 24 anos, é uma modelo sul-coreana engajada no movimento. No ano passado, ela decidiu fazer um vídeo documentando a ausência de sutiã por três dias em Seul.

O conteúdo, que teve 26 mil visualizações, foi um sucesso.

Ela conta que algumas de suas seguidoras estão optando por usar bralettes (sutiã de tecido macio, sem aro), em vez dos modelos com bojo e arame, como um "meio termo".

"Eu tinha uma ideia errada de que, se a gente não usar sutiã, os peitos caem e ficam feios. Mas depois que gravei o vídeo, não uso mais. Agora uso bralette na maioria dos dias no verão, e fico sem sutiã no inverno", diz ela.

E esse movimento não é específico da capital.

Também inspirou a empresária e estudante de design visual Nahyeun Lee, de 22 anos, de Daegu.

Ela fundou a marca Yippee, como parte de seu projeto de mestrado na Keimyung University. Desde maio deste ano, ela vende adesivos para mamilos como alternativa ao uso do sutiã.

Da-kyung, de 28 anos, da província de Jeollanam-do, conta que se inspirou nas fotos da cantora e atriz Sulli. Ela agora usa sutiã no trabalho quando está perto do chefe, mas não quando sai com o namorado.

"Meu namorado diz que se eu não me sinto confortável usando sutiã, não deveria usar", diz ela.

A mensagem do movimento é que as mulheres têm o direito de escolher, mas afinal o que as pesquisas dizem sobre não usar sutiã?

Não usar sutiã faz mal à saúde?

"Acredito que as mulheres têm o direito de escolher, mas se você tiver uma massa mamária significativa e não houver suporte para essa massa, a postura será afetada, incluindo o pescoço e as costas", diz a fisioterapeuta Deidre Mc Ghee, codiretora do Breast Research Australia, da Universidade de Wollongong.

"À medida que as mulheres envelhecem, sua estrutura anatômica muda, a pele muda e o nível de suporte diminui naturalmente."

"Quando as mulheres se exercitam sem suporte, isso faz com que os seios se movam, e usar um top pode aliviar a dor no peito e ajudar a prevenir dores nas costas e no pescoço", acrescenta.

"Nossa pesquisa mostrou que, mesmo quando as mulheres não têm seios, por exemplo, após uma mastectomia bilateral, uma vez que os seios fazem parte da nossa identidade sexual, muitas ainda protegem essa área e encurvam os ombros".

Jenny Burbage é professora sênior de biomecânica na Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, e diz que a sensação de desconforto ou dor das mulheres que usam sutiã está "ligada ao uso de um sutiã mal ajustado".

Mas tudo isso não chega nem perto da primeira vez em que as mulheres fizeram campanha contra o sutiã.

A expressão "feministas queimam sutiã" surgiu após um protesto do lado de fora do concurso de beleza Miss América, em 1968.

As manifestantes da época jogaram vários itens - incluindo sutiãs, que eram vistos como um acessório que oprimia simbolicamente as mulheres - em uma enorme lata de lixo, embora nunca os tenham queimado de fato.

Mas, desde então, a "queima de sutiã" se tornou associada ao movimento de libertação das mulheres.

Em junho deste ano, milhares de mulheres na Suíça saíram do trabalho, queimaram sutiãs e bloquearam o trânsito em um dia de manifestações para exigir igualdade salarial e fim do assédio e violência sexual.

O No Bra Day, "dia sem sutiã", celebrado em 13 de outubro, tornou-se uma data para aumentar a conscientização sobre o câncer de mama em todo o mundo. Mas, no ano passado, mulheres nas Filipinas usaram a data para pedir maior igualdade de gênero.

Para a jornalista Vanessa Almeda, o No Bra Day "faz valer a feminilidade e a valorização de quem somos como mulheres".

"O sutiã simboliza como as mulheres estão sendo mantidas em cativeiro", afirma.

As ativistas deram um passo além nos últimos anos, destacando o uso de dois pesos e duas medidas no que diz respeito à censura de mamilos masculinos e femininos.

Em dezembro de 2014, o Netflix lançou um documentário intitulado Free the Nipple ("Liberte o mamilo", em tradução livre), que acompanha um grupo de mulheres jovens na cidade de Nova York que iniciam uma campanha para protestar contra a criminalização e censura dos seios femininos.

Isso fez com que a campanha "Free the Nipple" se tornasse um fenômeno global.

O recente movimento #NoBra na Coreia do Sul é um exemplo da atenção cada vez maior em todo o mundo às restrições impostas ao corpo feminino.

A reação contra as mulheres que participaram da campanha sugere uma resistência cultural no país.

No entanto, para muitas sul-coreanas, essa é uma questão fundamental de "liberdade individual".

A crescente visibilidade do movimento sugere que, para muitas mulheres no país, a hashtag vai continuar ganhando força até que o sutiã não seja mais um problema.

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