'Vamos questionar na Justiça programa cultural criado por Alvim', diz ex-ministro da Cultura
Para deputado Marcelo Calero, que ocupou a pasta no governo de Michel Temer, discurso que reproduz fala nazista de ex-secretário de Bolsonaro reflete inspirações do próprio presidente.
O deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), ex-ministro da Cultura do governo Michel Temer, disse que vai questionar judicialmente o novo programa de incentivo a produções culturais do governo de Jair Bolsonaro, caso ele mantenha as diretrizes expostas na quinta-feira (16) por seu então secretário da Cultura, Roberto Alvim, em vídeo de inspiração nazista.
Após ampla repercussão negativa, Alvim foi demitido nesta sexta. Ele anunciou na noite de ontem o Prêmio Nacional das Artes em um discurso com muito semelhante a um feito por Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda na Alemanha nazista. Na gravação, o ex-secretário defendeu diretrizes patrióticas e religiosas para o fomento cultural realizado pelo Estado brasileiro.
"Nós vamos com certeza questionar o programa na Justiça, dependendo de como vier o edital (especificando às regras para concorrer ao financiamento). Se vier no contexto que foi falado pelo Alvim, certamente será passível de questionamento na Justiça", disse Calero à BBC News Brasil.
Segundo divulgou ontem o governo, o Prêmio Nacional das Artes terá orçamento total de R$ 20,6 milhões "para fomentar a produção artística nas cinco regiões brasileiras". Serão selecionadas 5 óperas, 25 espetáculos teatrais, 25 exposições individuais de pintura e 25 de escultura, 25 contos inéditos, 25 CDs musicais originais e 15 propostas de histórias em quadrinhos.
Os detalhes do edital ainda não foram divulgados, mas o presidente Bolsonaro defendeu ontem em transmissão ao vivo na sua conta do Facebook, acompanhado de Alvim, filtros para escolher quais trabalhos devem ser apoiados pelo Estado.
'Dirigismo cultural'
"O programa é um erro na sua própria concepção porque uma política cultural feita pelo Estado não pode escolher projetos por critérios subjetivos. O edital tem que ter critérios técnicos e muito bem definidos. Muitas cidades e Estados usam inclusive sistema de pontuação, e as bancas de avaliação devem ter especialistas, representantes da sociedade civil", disse Calero, que já foi também secretário de Cultura da cidade do Rio de Janeiro.
"Porque o perigo (de não ter critérios objetivos) é você ter um dirigismo cultural. No momento em que o Estado começa a avaliar o conteúdo (das produções culturais), você passa a ter censura. É inaceitável esse edital como o Alvim estava pretendendo construir. A cultura tem que ser livre", acrescentou.
Bolsonaro demitiu Alvim nesta manhã após ter sido cobrado pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Na visão de Calero, seria "ingenuidade" achar que a fala de Alvim não tinha "respaldo" do presidente da República.
O deputado criticou declarações agressivas feitas ontem por Bolsonaro sobre a ascendência asiática da jornalista Thaís Oyama, que está lançando o livro Tormenta: O Governo Bolsonaro: Crises, Intrigas e Segredos.
"Ele falar que Thaís Oyama é japonesa e que não sabe o que está fazendo no Brasil, isso é nazismo, o Hitler fazia isso em relação aos judeus. Ou seja, você destacar uma origem do cidadão para confrontá-lo, para inclusive colocar seus apoiadores contra o sujeito por conta da sua origem. É muito grave", repudiou Calero.
"Há um pano de fundo (por trás da fala de Alvim) mais grave que precisa ser combatido que são essas inspirações nazifascistas do próprio presidente da República. Onde está a Procuradoria-Geral da República diante dessa fala?", cobrou.
Em nota, o Planalto manifestou "repúdio às ideologias totalitárias e genocidas".
'Frase é perfeita', disse Alvim
Roberto Alvim anunciou o novo programa cultural em um vídeo com estética de inspiração nazista. Na gravação, ele diz: "A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada".
A frase foi comparada a um discurso de Goebbels reproduzido no livro Goebbels: a Biography, de Peter Longerich: "A arte alemã da próxima década será heróica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada", afirmou o ministro nazista.
Após as primeiras críticas, Alvim disse que a semelhança se tratava de uma "coincidência retórica" e depois que "a frase em si é perfeita". Mas o aumento da repercussão levou à perda do cargo, anunciada por ele próprio em uma postagem no Facebook.
"Do fundo do coração: perdão pelo meu erro involuntário. Mas, tendo em vista o imenso mal-estar causado por esse lamentável episódio, coloquei imediatamente meu cargo a disposição do Presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de protegê-lo", escreveu.
A Presidência da República disse que foi um "pronunciamento infeliz" e que "ainda que (Alvim) tenha se desculpado, (a fala) tornou insustentável a sua permanência".
"Manifestamos também nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores em comum", diz a nota.
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