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Camden, a violenta cidade dos EUA que reformou sua polícia e reduziu a criminalidade

A polícia de Camden (EUA) adotou novos métodos e uma filosofia diferente de trabalho há sete anos - Getty Images
A polícia de Camden (EUA) adotou novos métodos e uma filosofia diferente de trabalho há sete anos Imagem: Getty Images

13/06/2020 14h35

Novembro de 2015. Um homem negro de 48 anos entra em um restaurante em Camden City, no estado de Nova Jersey, com uma faca na mão.

Claramente sob efeito de drogas, ele age de forma muito agressiva, ameaçando os clientes. Ele aponta a faca para dois policiais antes de tentar fugir. Como está cercado por mais policiais, continua a ameaçá-los enquanto anda.

Os policiais têm a opção de usar suas armas contra ele, porque uma regra policial de décadas atrás diz que qualquer pessoa com uma faca a até seis metros de distância representa uma ameaça para suas vidas. Eles podem atirar para matá-lo.

Mas, em Camden, uma cidade americana com altas taxas de pobreza e violência, a polícia implementa uma nova abordagem para o uso da força desde 2015.

Protestos contra a morte de George Floyd, um homem negro, sob custódia policial em 25 de maio, em Minneapolis, chamaram a atenção dos Estados Unidos para a pequena Camden.

De manifestantes a congressistas, crescem os pedidos de reforma das forças policiais, e alguns até exigem o fim dos departamentos.

Em Camden, eles fizeram algo parecido: uma reconstrução que começou com a demissão de todos os policiais em 2013 e seguiu com uma nova filosofia de como garantir a segurança pública.

"Cinco anos atrás, ele não estaria vivo"

Os policiais de Camden seguiram o homem com a faca, esvaziaram a rua e caminharam ao lado dele até que ele estivesse completamente cercado.

De vez em quando, pediam que largasse a faca e esperavam. Quase todas as armas estavam nos seus respectivos coldres. Só alguns policiais as seguravam sutilmente ao lado do corpo. Cerca de 45 minutos depois, eles conseguiram detê-lo.

"Esses policiais teriam 100% de justificativa legal para usar força letal", disse o tenente Kevin Lutz, que supervisionou a transformação da polícia de Camden, ao explicar o caso à BBC em 2017.

"Se eles tivessem permanecido parados, um resultado mortal teria sido forçado naquele momento. Ao permitir que o homem caminhasse, tudo terminou com uma prisão, e o suspeito está vivo. Há cinco ou dez anos, ele não estaria."

Parte da mudança em Camden foi a instrução para os policiais de que analisem bem a situação para tomar as melhores decisões.

"Insistimos que nossos policiais não precisam se apressar para resolver rapidamente todas as situações", disse Lutz. "É bom desacelerar, é bom dar um passo atrás. Às vezes, é melhor colocar a arma no coldre e conversar."

Pequenas decisões alternativas podem ser tomadas antes de uma decisão final importante, diz Greg Ridgeway, pesquisador de estatística da Universidade da Pensilvânia que estudou tiroteios que envolvem a polícia.

"Você costuma olhar os três segundos antes do tiroteio e parece ter sido a coisa certa a fazer. O suspeito se aproxima do policial com uma faca, o policial atira", explica ele.

"Mas, se você olha o que aconteceu cinco minutos antes ou até mesmo um minuto, começa a se perguntar como o policial entrou naquela situação em que não teve escolha a não ser atirar, e nota que, com um pouco de paciência, muitos destes incidentes poderiam ter sido resolvidos pacificamente."

O que foi feito em Camden?

A reconstrução da polícia em Camden, uma cidade com menos de 80 mil habitantes, valeu a pena. A cidade teve 2.152 crimes violentos em 2011, um dos índices mais altos em todo o país.

"Nossa taxa de homicídios era 18 vezes a média nacional. Estávamos vendo taxas de crimes maiores do que as de países do Terceiro Mundo", disse Scott Thomson, que foi chefe da polícia da cidade entre 2013 e 2019, à estação de rádio NPR.

A reformulação da polícia fez o número de crimes violentos cair pela metade e aumentou sua taxa de resolução.

Além disso, as queixas de uso excessivo da força policial passaram de 65 em 2012, o número mais alto em Nova Jersey, para apenas 3 em 2019.

A mudança começou com a demissão de todos os policiais em 2013, incluindo Thomson, para recrutar aqueles que preencheram uma inscrição de 50 páginas, fizeram um teste psicológico, um exame físico e foram submetidos a um processo de entrevista.

"Mudamos toda a estrutura da organização e o sistema de premiação. Colocamos os policiais nas esquinas e dissemos que não queríamos que ninguém ficasse preso", explica o agora ex-chefe de polícia.

A intenção era construir um senso de comunidade, que a polícia conversasse com as pessoas, as conhecesse, construísse a cultura coletivamente e mudasse a imagem do policial de "guerreiro" para "guardião".

Os policiais não eram mais recompensados por fazer mais prisões, mas por outros parâmetros de desempenho.

"Quando eu estava dirigindo pelas ruas da cidade, eu queria ver crianças andando de bicicleta na frente de suas casas e queria ver pessoas sentadas em suas varandas", diz Thomson.

Comunicação, paciência e força mínima

A Polícia de Camden trabalhou em colaboração com o Fórum Executivo de Investigação Policial (Perf, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos, no desenvolvimento de sua nova estratégia.

O diretor do Perf, Chuck Wexler, disse à BBC que eles adotaram um programa britânico de treinamento policial que enfatiza comunicação, paciência e força mínima.

Isso envolve algumas táticas simples, como o policial simplesmente tirar o quepe para parecer mais aberto e menos belicoso.

No entanto, especialistas alertam que existem diferenças entre o Reino Unido e os Estados Unidos, onde há cerca de 300 milhões de armas de fogo, o que coloca os policiais em maior perigo.

"Não se engane, há momentos em que a força será imediata e necessária", disse Kevin Lutz, da Polícia de Camden. Mas a ênfase continua a ser valorizar a vida das pessoas, "independentemente do comportamento que elas estão exibindo no momento".

Para Thomson, os pedidos para desmantelar as corporações policiais americanas são "um pouco extremados".

Mas ele acredita ser necessário debater a transferência de fundos para programas comunitários e de treinamento policial para lidar com determinadas situações.

E, acima de tudo, gerar empatia com a comunidade: "Em uma sociedade democrática, uma força policial só é eficaz se tiver o consentimento do povo, e para ter o consentimento do povo, deve ser legítima".