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'O que aconteceu quando congelei minha gordura': Mulheres relatam experiência com criolipólise, que 'deformou' Linda Evangelista

Sandrine Lungumbu - BBC World Service

20/10/2021 07h00

Estima-se que o procedimento estético seja feito cerca de 8 milhões de vezes ao ano em todo o mundo. BBC ouviu três pessoas que fizeram o procedimento para saber como foi a experiência e quais as consequências que enfrentaram.

O congelamento de gordura, ou criolipólise, é um procedimento estético popular. Estima-se que em todo o mundo sejam feitos mais de oito milhões de tratamentos desse tipo por ano.

Mas ultimamente, esse procedimento ganhou os noticiários de forma negativa.

Isso porque a canadense Linda Evangelista, uma das supermodelos dos anos 90, pede indenização de U$ 50 milhões (cerca de R$ 270 milhões) após fazer o tratamento, no qual ela diz ter ficado "brutalmente deformada".

Linda afirma ter desenvolvido hiperplasia adiposa paradoxal (HAP), um raro efeito colateral no qual o produto teria feito exatamente "o contrário do prometido", ao aumentar as células de gordura.

A ex-modelo afirma que não foi informada sobre esse risco antes de se submeter à criolipólise.

A empresa acusada por Linda não respondeu aos questionamentos da BBC. Em seu site, afirma que "os resultados dos pacientes podem variar" e que "também podem ocorrer raros efeitos colaterais".

Os assessores de Linda afirmam que o alerta sobre possíveis riscos foi dado somente após ela passar pelo procedimento.

Mas quais são os riscos da criolipólise? Que tipo de problema esse tratamento pode causar? A seguir, os relatos de três pessoas que passaram pelo procedimento.

'Você se sente como se estivesse sendo sugada por um aspirador de pó'

Os tratamentos estéticos não são novidades para a britânica Ailsa Burno-Murdoch, de 39 anos.

Ela sofre com a própria aparência desde a adolescência. Aos 21 anos, já havia feito uma lipoaspiração e colocado silicone nos seios, intervenções que não contou a amigos ou familiares.

"Eu tinha distúrbio alimentar e transtorno dismórfico corporal", afirma. "Não deveria ter me submetido a isso. Na época eu já estava bastante magra", conta à BBC.

Ao se mudar para o Caribe, ela reviveu os velhos medos de mostrar o corpo. Então, no ano passado optou por um tratamento para congelar a gordura. Ela fez três sessões de criolipólise ao longo de dois meses.

O procedimento foi feito nas costas, nos braços, no abdômen e na parte interna das coxas.

Para isso, ela decidiu optar por uma alternativa mais barata.

"Tive que escolher entre um lugar que basicamente era uma sala abaixo de um salão de beleza, onde uma mulher fazia o tratamento, ou ir a uma dessas clínicas sofisticadas", explica. "No fim, o critério foi o preço e acabei indo ao lugar mais barato".

Ela diz que não fez nenhuma consulta antes do tratamento e conheceu o responsável pelo procedimento no mesmo dia em que o fez.

Ailsa gastou 650 libras esterlinas (cerca de R$ 4,7 mil). Os valores variam conforme as áreas do corpo que serão tratadas,

O procedimento é feito por meio de um equipamento conectado a uma máquina que é colocado nas regiões do corpo para congelar a gordura corporal (tecido adiposo) em locais de difícil remoção. Para isso, temperaturas muito baixas são aplicadas por um determinado período na área tratada.

"Você se sente como se estivesse sendo sugada por um aspirador de pó. Lembro que o meu estômago parecia uma manteiga congelada. Estava muito frio quando tocava e sólido", diz. Segundo ela, cada sessão durou cerca de 45 minutos para cada parte do corpo.

"Tive hematomas retangulares muito escuros no corpo. Acredito que os piores foram nas costas, onde chegaram a ficar roxos, mas não eram dolorosos", acrescenta.

Ela afirma que o tratamento foi conduzido como o esperado, mas não viu diferenças entre o antes e o depois. "Realmente não vi resultados e no final eu gastei dinheiro pra nada", declara.

Ela acredita que se fosse na clínica mais cara poderia ter tido resultados melhores.

Depois de tudo isso, Ailsa afirma que sente vergonha por ter condicionado a sua autoestima à gordura que a incomoda em algumas partes de seu corpo.

"Sou inteligente, entendo que meu corpo não é um problema e que tratar a gordura superficialmente não é a maneira mais adequada se você quiser focar na sua saúde em geral", declara.


O que é a criolipólise

É um procedimento não invasivo que pretende destruir as células de gordura muito resistentes, resfriando muitas delas.

Clínicas em todo o mundo oferecem esse tratamento que promete reduzir as bolsas de gordura que costumam ficar em partes como abaixo do queixo, ao redor das coxas, no abdômen ou na área superior dos braços.

Ele não é indicado para pessoas que são obesas e querem perder peso.

Os efeitos colaterais comuns incluem hematomas, coceira e dormência nas áreas tratadas.

A hiperplasia adiposa paradoxal, como Linda diz ter sofrido, é considerada um efeito colateral raro, no qual as células de gordura aumentam, em vez de encolher.

Não há uma causa conhecida, mas acredita-se que seja uma reação mais comum em homens.


'Esses tratamentos funcionam'

A fotógrafa londrina Joanne Muhammad passou por procedimentos de criolipólise há quatro anos, após perder quase 16 quilos.

"Percebi que tinha um pouco de barriga e de gordura acumulada que não conseguia eliminar, não importava quantos exercícios diferentes eu fizesse", diz ela à BBC.

Ela afirma que fez o procedimento mais por uma questão de cuidados pessoais do que para alcançar um corpo ideal. "Fiz isso para que quando me levantasse de manhã e me olhasse no espelho, pudesse me dar o ok", afirma.

Depois de se informar sobre o procedimento, ela fez três sessões por um preço promocional em uma clínica de Londres: 450 libras (cerca de R$ 3,3 mil) cada.

As sessões foram conduzidas por estagiários sob supervisão.

"Eles foram muito cuidadosos em cada etapa e se asseguravam que eu fosse entrevistada por um médico antes de cada sessão", diz.

"Eles foram extremamente preocupados e me alertaram (sobre possíveis efeitos colaterais)", diz. Segundo ela, a clínica se comprometeu a pagar uma lipoaspiração se algo desse errado e ela desenvolvesse HAP.

"Sou mãe e eliminaram a gordura abdominal (acumulada durante a gravidez). Parecia incrível, mas aí veio o confinamento (durante a pandemia)", diz.

Joanne, que tem mais de 50 anos, voltou à mesma clínica para fazer outros procedimentos não invasivos no corpo. Apesar disso, ela afirma que os tratamentos estéticos não devem ser vistos como "soluções fáceis".

Ela diz que os tratamentos funcionam, "mas você tem que fazer as coisas certas como exercícios, beber muita água e levar um estilo de vida saudável".

A engenheira de minas Rainer Juati, de Acra, capital de Gana, sentiu uma pressão para mudar a própria aparência.

Ela cogitava fazer a criolipólise, mas mudou de opinião após acompanhar o caso de Linda Evangelista. Rainer diz que hoje enxerga que o procedimento não é a melhor opção para o seu caso.

Quando criança, Rainer sofreu com oscilação de peso. Ela diz que era ridicularizada na escola por ser muito magra e depois passou a ser alvo de ofensas por ter engordado.

Para ela, a cultura e as redes sociais são as principais razões que levam uma pessoa a buscar formas para mudar o corpo.

Depois de um ano de dieta e exercícios, sem o acompanhamento adequado, ela começou a pensar na "saída mais fácil".

"Acho que, vindo de uma tradição africana, você tem parentes que de alguma forma riem de você por ser gorda", diz ela, que tem 29 anos.

"Em Gana há, inclusive, uma palavra, "obolo", que é usada para zombar quem está acima do peso", diz.

"Sou favorável à escolha e acho que todos deveriam ser capazes de escolher o que querem de seu corpo".

Os procedimentos estéticos, incluindo cirurgias plásticas, são pouco frequentes em Gana, mas Rainer assegura que cada vez mais isso tem deixado de ser visto como um tabu.

"No passado, ninguém queria fazer esses procedimentos ou falar sobre isso quando algum conhecido viajava para o exterior e voltava com um aspecto diferente", comenta.

Sobre a criolipólise, Rainer avalia que mesmo sabendo dos riscos e possíveis complicações, a maioria das pessoas não se sentiria desencorajada a passar pelo procedimento.

O que dizem os especialistas

Marc Pacifico, vice-presidente da Associação Britânica de Cirurgiões Plásticos, adverte contra tratamentos que parecem bons demais para ser verdade e são oferecidos por pessoas sem formação médica.

"É importante se assegurar de que quem oferece o tratamento esteja sendo transparente com o seu paciente, não com o cliente, porque é um tratamento médico", ressalta.

Pacifico diz que as pessoas que estão considerando passar por um procedimento de congelamento de gordura devem entender que "não é indolor e (seus resultados) nem sempre são previsíveis".

Um estudo recente da Associação Britânica de Cirurgiões Plásticos revelou que os médicos encontraram 21 casos de complicações no procedimento.

"A HAP não é frequente, mas geralmente é significativa", destaca Pacifico.

"Para tratar a HAP, esses pacientes precisam passar por lipoaspiração a grandes intervenções no abdômen".

Pacifico afirma que, além da HAP, os cirurgiões encontram casos de necrose na pele em decorrência do congelamento de gordura.

A Associação pede que haja uma melhor regulamentação sobre como esses tratamentos são promovidos e comercializados.

"Estamos preocupados com a publicidade que fazem sobre tratamentos não cirúrgicos, como se fossem algo que não precisa de repouso posteriormente, como se fosse algo mais fácil do que um procedimento cirúrgico e ainda assim seja possível obter os melhores resultados", declara Mary O'Brien, presidente da Associação.

"Quando falamos em tratamentos não cirúrgicos não significa que não existam riscos e acho que esse é um erro comum", acrescenta a especialista.


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