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Os quatro pilares da felicidade, na visão de mestre espiritual do Butão

Rinpoche era um dos mestres espirituais mais jovens do Butão quando assumiu a posição, em 2009 Imagem: Scott A. Woodward

Stephanie Zubiri

BBC Travel

31/10/2021 19h47Atualizada em 31/10/2021 19h50

"A felicidade é uma preocupação de todos", declarou Sua Eminência Khedrupchen Rinpoche. "Quer você reconheça ou não, este é o propósito de todo ser humano."

Rinpoche já refletiu muito sobre a busca pela felicidade. O monge é reconhecido como a quinta reencarnação de um mestre espiritual — e é atualmente chefe do Monastério Sangchen Ogyen Tsuklag em Trongsa, no Butão.

Ele ascendeu à posição aos 19 anos em 2009, e foi um dos mais jovens Rinpoches (mestres espirituais) do Butão na época.

Agora com 31 anos, ele tem dedicado os últimos 12 anos de sua vida a ensinar ao mundo sobre os princípios budistas e como eles podem ser aplicados para tornar a vida mais feliz a cada dia, independentemente de sua cultura ou religião.

Espremido entre as potências econômicas e políticas da China e da Índia, com uma população de pouco mais de 760 mil habitantes, o Reino do Butão é conhecido em todo o mundo por seu índice não convencional de desenvolvimento nacional: Felicidade Interna Bruta (FIB).

O conceito foi implementado em 1972 pelo quarto rei do Butão, Jigme Singye Wangchuck.

Evitando os indicadores econômicos tradicionais, o Butão avalia o bem-estar geral de seu país com base no desenvolvimento socioeconômico sustentável e equitativo; conservação ambiental; preservação e promoção da cultura; e boa governança.

"A Felicidade Interna Bruta é [um] conjunto de condições coletivas, geralmente necessárias para viver uma vida boa", explica Rinpoche.

Antes da pandemia de covid-19, ele viajou o mundo dando palestras e workshops por meio de sua iniciativa Neykor.

Ele também estava trabalhando para construir a primeira Academia Budista no Butão, que será aberta a qualquer pessoa interessada em aprender sobre a filosofia budista, independentemente de sua origem ou religião.

"Tudo o que eu estava fazendo ficou em suspenso. Decidi ver isso como uma oportunidade de aprofundar minha própria experiência e me isolar", conta Rinpoche.

Fui para as montanhas e vivi lá com muito pouca comida, em condições climáticas adversas, sem refúgio além de uma caverna. Isso me deu tempo para realmente absorver meus próprios ensinamentos. O que ficou muito claro foi que a verdadeira felicidade não tem nada a ver com fenômenos externos; é algo inato.
Khedrupchen Rinpoche

O monge enfatiza, no entanto, que não é necessário ir a tais extremos para encontrar paz:

"Devemos parar de buscar a felicidade em experiências fora de nós mesmos. Há, na minha opinião, quatro pilares: bondade amorosa, compaixão, desapego e carma, que podem ser facilmente abraçados por qualquer pessoa em qualquer momento de suas vidas, de qualquer lugar. "

Segundo ele, a bondade amorosa "é o segredo para gerar felicidade não apenas a nível pessoal, mas também para os outros".

Ele destaca a importância de ser gentil consigo mesmo em primeiro lugar, e como isso leva à compaixão pelos outros.

"Você deve amar a si mesmo e saber verdadeiramente que, não importa a circunstância, você é bom o suficiente. A partir daí, você pode espalhar [essa compaixão] para os outros."

Chunjur Dozi, um ex-guia turístico, acredita que o senso de compaixão coletiva do Butão está enraizado na religião.

"Temos um forte senso comum de ajudar os outros, que vem do fato de a maioria da população ser budista. Sempre considero se o que faço beneficiará a comunidade."

Quando a pandemia o impediu de continuar trabalhando como guia, Dozi reavaliou suas perspectivas e voltou para seu povoado de Tekizampa em maio de 2020.

"O mais difícil para mim foi enfrentar a perda de um emprego que eu acreditava ser seguro", diz ele.

"No entanto, não fiquei sem alternativas. Pude voltar para meu povo e voltar para a terra, cultivando e vendendo produtos."

Desde então, ele tem usado sua experiência como guia turístico para envolver outras pessoas na busca de maneiras de promover a cultura local para os turistas, agora que o Reino reabriu suas fronteiras.

"Incentivei as pessoas a prepararem nossas receitas caseiras com arroz vermelho para torná-las o mais autênticas possível para que as pessoas possam aprender sobre a nossa culinária local", afirma.

O terceiro pilar de Rinpoche, desapego ou impermanência, é um conceito budista que está na raiz da cultura butanesa.

"Quando algo der errado, não fique deprimido imediatamente porque as coisas vão mudar", diz Rinpoche.

"Se aceitarmos que todas as coisas são impermanentes, isso significa que pode haver mudança, e com mudança há esperança."

Ele explica que isso também se aplica às coisas positivas da vida.

"Aceitar que as coisas não duram, incluindo sucesso e riqueza, permite que você realmente aprecie o que tem à mão."

Além de abraçar a bondade própria e viver com compaixão para com os outros, a pandemia também reforçou em Dozi a importância de acolher a mudança.

Desde que voltou para seu povoado, ele aprendeu carpintaria e tem ajudado seus vizinhos a consertar suas casas, enquanto embarca em um grande projeto comunitário.

"Renovamos uma casa de fazenda tradicional que foi abandonada por uma família e a transformamos em um hotel fazenda rural."

"Há muito tempo que defendo uma abordagem mais imersiva do turismo, e que as pessoas explorem a cultura e o estilo de vida das áreas mais rurais do Butão. No fim das contas, aprendi a ser feliz com o que tenho e aproveitar ao máximo."

De acordo com Rinpoche, o quarto pilar, carma, não é o que parece.

"O carma é totalmente mal compreendido. A maioria das pessoas pensa que significa que se você fizer algo ruim, algo ruim vai acontecer com você, como uma forma de vingança ou punição universal. Não é nada disso", explica.

"Trata-se de causa, condição e efeito. Aceitar que suas ações e escolhas têm um impacto no mundo ao seu redor."

"É como plantar a semente de uma árvore. Se plantarmos uma semente de manga, obteremos uma mangueira. Não podemos plantar uma semente de maçã e esperar que cresça uma mangueira!", acrescenta rindo.

"Acreditar no carma é uma oportunidade para você se transformar, se moldar, para realmente trabalhar em quem você deseja se tornar e fazer o que deseja alcançar."

Embora Rinpoche afirme que o Butão é "incrivelmente pacífico e tem este ambiente natural majestoso e imaculado", ele também reconhece que o Reino tem seus problemas, assim como qualquer outro lugar.

A inflação continua a subir, com o índice geral de preços ao consumidor aumentando quase 9% no ano passado. A insegurança alimentar também é uma realidade (o Butão importa cerca de 50% de seus alimentos), e o país teve um aumento de quase 15% nos custos dos alimentos.

O impacto do fechamento de suas fronteiras de março de 2020 a agosto de 2021 também significou que pelo menos 50 mil pessoas que trabalham na indústria do turismo, como Dozi, perderam seus empregos e ganha-pão.

No entanto, a boa governança, um dos pilares do FIB, foi crucial para a sobrevivência do Butão durante a pandemia.

A rápida resposta do governo ao impacto socioeconômico do coronavírus foi elogiada pela comunidade internacional, à medida que adiou o pagamento de impostos e concedeu ajuda financeira aos cidadãos.

Os membros do parlamento doaram um mês de salário para os esforços de socorro. O governo também priorizou a vacinação de seus cidadãos e, atualmente, 90,2% da população elegível está totalmente vacinada.

"O que há de tão especial em ser butanês é que sempre há um senso de gratidão, bem-estar comunitário e identidade nacional", acrescenta Thinley Choden, empreendedora social e consultora.

Choden acredita que parte da razão pela qual os butaneses veem a felicidade de maneira diferente de outras culturas é por causa de sua capacidade de reconciliar o passado e o presente.

"A cultura do Butão está fortemente enraizada em nossas tradições e valores espirituais, mas somos uma sociedade muito progressista e prática."

"Em geral, nossa cultura e religião não são prescritivas, e nem uma escolha preto no branco, mas sim navegar pelo caminho do meio na vida cotidiana."

Se houvesse um conselho que Rinpoche pudesse compartilhar com o mundo, seria este:

"Lembre-se sempre de que o mais importante é viver a vida no momento presente, e que a felicidade não é um subproduto de fatores externos, mas do resultado do condicionamento positivo de sua mente. A felicidade está ao alcance de todos."

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