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Bairros afundando transformam parte de Maceió em cidade fantasma e atraem curiosos

Rua deserta em Bebedouro, um dos bairros de Maceió que estão afundando por causa da mineração - RAÍSSA FRANÇA
Rua deserta em Bebedouro, um dos bairros de Maceió que estão afundando por causa da mineração Imagem: RAÍSSA FRANÇA

Raíssa França - De Maceió (AL) para BBC News Brasil

20/11/2021 17h56

Fenômeno levou cerca de 60 mil pessoas a saírem dali por causa do estrago causado pela atividade mineradora da empresa Braskem no subsolo da região.

Caminhar pelas ruas dos quatro bairros que estão afundando por causa da mineração de sal-gema em Maceió traz a sensação de que se anda em um cenário de pós-guerra.

Há casas destruídas, ruas vazias e muros pichados com frases de dor, revolta, saudade e lembranças. O fenômeno criou uma "cidade fantasma" em uma área central e forçou dezenas de milhares de pessoas a abandonarem os bairros.

A fama dos bairros fantasmas ganhou o país e se tornou uma atração para turistas que visitam Maceió. "As pessoas perguntam muito sobre os bairros quando faço city tour pela cidade", diz o presidente do Sindicato dos Guias de Turismo de Alagoas, Marconni Moreira.

Ele conta à BBC News Brasil que nem guias, nem empresas fazem esse "passeio", mas admite que a procura tem sido cada vez maior. "Gente do Brasil inteiro que pergunta quando levo os turistas para o Mirante do Farol e conto a história do bairro", diz.

Ao todo, segundo a prefeitura de Maceió, 64 mil pessoas moram nas áreas e foram ou ainda serão retiradas da região.

O problema do afundamento dos bairros em Maceió começou a ser percebido em 2018; durante uma forte chuva, houve um tremor de terra que resultou em danos em alguns imóveis e nas ruas.

O primeiro local a registrar rachaduras em casas e fissuras nas ruas foi o bairro do Pinheiro, um dos mais tradicionais da cidade, que abrigava moradores de classe média na área central da cidade.

Depois, a instabilidade foi sentida em outros bairros: Bebedouro, Bom Parto e Mutange. O bairro do Farol, vizinho ao Pinheiro, também teve uma pequena parte de suas casas afetada.

O processo de desocupação começou de forma voluntária, com famílias deixando o bairro do Pinheiro ainda em 2018, após rachaduras aparecerem em imóveis. A região era residencial, com alguns comércios locais. O bairro tinha casas e prédios de classe média e alguns de luxo, que foram inteiramente desocupados. Um hospital também precisou mudar dali.

Em janeiro de 2019, o governo federal liberou, pela primeira vez, recursos para pagar o aluguel de vítimas. O valor mensal do auxílio foi de R$ 1.000.

Em maio de 2019, a CPRM (Serviço Geológico do Brasil) apresentou um relatório apontando a mineração como causa do afundamento e, com mais estudos posteriores, viu que extensão do problema era maior e ampliou o mapa de risco para, além do Pinheiro, os bairros de Bebedouro, Bom Parto e Mutange - todos também residenciais.

Esses novos bairros atingidos eram ocupados por moradores de classe média baixa e pobres, e os imóveis também precisaram ser desocupados por riscos de afundamento abrupto do solo.

O Mutange hoje, por exemplo, está totalmente inabitado.

Os três bairros incluídos após os estudos ficam às margens da lagoa Mundaú, onde está a maioria das minas de sal-gema perfuradas pela Braskem. É nessa região que há um risco maior, já que com o afundamento a água da lagoa começou a invadir os imóveis. Nem mesmo o trem passa mais pelo local.

Depois de quase um ano de pesquisas, o Serviço Geológico do Brasil apontou que o afundamento do solo tinha relação com a mineração da empresa Braskem, que abriu 35 minas no subsolo para extração de sal-gema durante quatro décadas.

A Braskem chegou a rebater o laudo inicialmente, mas depois recuou e passou a bancar os custos dos aluguéis e mudanças de moradores. Hoje, ela tem um plano de desocupação que paga indenizações a moradores e comerciantes e realiza obras para fechamento das mina (veja mais detalhes abaixo).

Após o caso ganhar repercussão, a Braskem anunciou a paralisação preventiva da extração de sal. Com isso, foi interrompida também a produção na fábrica em Maceió.

"Fiquei chocada com o que vi"

Na ausência de passeios formais pelas áreas fantasma, turistas e curiosos vão por conta própria conhecer a região afetada.

De Manaus, Camila Santana, de 30 anos, veio a Maceió em setembro e quis ver de perto o que aconteceu.

"Fiquei extremamente chocada. Não esperava que tantos bairros tivessem sido atingidos. É muito triste ver nas paredes das casas as mensagens que remetem às histórias das pessoas que construíram uma vida ali e que tinham identificação com aquele lugar. Você sente um pouco a dor das pessoas", conta.

"Senti vontade de ver essas ruas e casas, quis olhar para o bairro fantasma. Achei que existia uma coisa ou outra funcionando por lá, mas não, ali só existe o silêncio e as paredes gritando a história das pessoas. Apesar de ser um capítulo trágico na história de Maceió e do Brasil, é importante sempre lembrar para que não se repita. Nunca vi algo parecido nos lugares que andei. É algo que atiça nossa curiosidade."

O empresário Nijauro Filho, de 52 anos, dono da única padaria em funcionamento na região, assiste ao vai e vem dos curiosos.

"Já veio gente de Salvador, de São Paulo, de vários locais. Sempre tem alguém vindo e parando aqui na padaria para perguntar sobre como está o bairro", explica.

Segundo Nijauro, os turistas normalmente vão de carro e não costumam parar, já que o bairro está vazio. "Eles passam olhando, tirando fotos. Acho que sentem medo porque o Pinheiro está deserto", diz.

Nijauro Filho herdou o estabelecimento do seu pai, de mesmo nome, que morreu durante a pandemia. Era ele quem morava no andar de cima da padaria - hoje desocupado.

"Antes disso vendíamos 2 mil pães por dia; hoje só chega a no máximo 500. Ainda bem que forneço para eventos e consigo pagar as contas", diz.

A maioria da clientela é de moradores que viviam na região. O empresário nunca se mudou dali por avaliar que os valores oferecidos para que ele abandonasse o imóvel não cobririam seus custos.

"Não vale a pena. Prefiro continuar aqui. Só para desmontar o maquinário gastaria mais do que estão oferecendo".

Imóveis demolidos

O publicitário Alexandre Almeida, 59 anos, morador de Recife, resolveu visitar os bairros fantasmas durante uma viagem a Maceió. "Tive um misto de indignação, raiva e tristeza. A cada momento que vamos andando pelos escombros e entendendo a história, vamos tendo esses sentimentos acordados", diz.

"Eu já sabia de certa forma o que tinha acontecido e eu tive vontade de ir (à região) para sentir de perto o que é uma sensação de uma cidade fantasma."

Hoje, dezenas de ruas da cidade estão interditadas, sem previsão de volta, e imóveis que foram depredados estão sendo demolidos.

Ainda não se sabe o que será feito com a área, já que é necessário estabilizar o solo para garantir segurança de trânsito de pessoas da região.

Em nota, a Braskem explicou que em dezembro foi assinado um termo com o Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (MPE) com três frentes de atuação: sociourbanística, ambiental, e de monitoramento e estabilização.

Esse acordo prevê ações que incluem diagnóstico e, posteriormente, medidas de reparação, mitigação ou compensação dos possíveis impactos ambientais, além de reparação urbanística, preservação do patrimônio histórico e cultural, ações de mobilidade urbana e indenização por danos coletivos.

As ações serão definidas em conjunto com as autoridades e em consulta à população.

Criado em dezembro de 2019, o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação registrou, até 22 de outubro, 13.982 imóveis desocupados, de um total de 14.425 identificados em áreas de risco.