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'Não cidadãos' da Letônia temem divisão do país após crise na Ucrânia

Riga, capital da Letônia - DW/Reprodução
Riga, capital da Letônia Imagem: DW/Reprodução

29/04/2014 16h00

No mercado central de Riga, capital da Letônia, ninguém liga se o outro é letão ou russo. A florista Ineta fala no idioma letão, a freguesa Alla lhe responde em russo. O mercado tem sua língua própria, afirmam ambas.

"Como é que nós duas nos entendemos? Normal! Não tem nada demais, por que é que a gente não devia se dar bem? Eles [os cidadãos de origem russa] nasceram e cresceram aqui", diz Ineta. A freguesa reforça: "Aqui no mercado, a língua não é assim tão importante, eu até gosto de falar letão. Pelo menos aqui eu não tenho a sensação de que alguém está tentando me educar."

Alla Berezovska tem 50 anos. Ela veio ainda menina da Rússia para Riga. Apesar de ter lutado pela independência do país em relação à União Soviética, nunca quis se tornar cidadã letã.

"Sabe, em todos estes 20 anos desde a independência, as ofensas foram se acumulando, embora a gente tenha apoiado [os letões]. Mas eles disseram: 'Vocês não são nada, são estranhos aqui.' Na realidade, a gente devia recomeçar tudo, de lá do princípio".

Sociedades paralelas

Alla é um dos 300 mil assim chamados "não cidadãos" da Letônia, não podendo votar nem exercer qualquer cargo público. Além disso, não pode trabalhar na polícia nem no corpo de bombeiros. Segundo a lei letã, trata-se de "cidadãos da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que não possuem cidadania letã ou qualquer outra".

Ela se queixa de que no país haja duas sociedades paralelas, a letã e a russa. "Mas não é possível que os letões queiram ensinar a todo o mundo em que idioma os nossos filhos devem aprender, quais datas podem ser festejadas e quais não."

Alla Berezovska teria que se submeter a um exame de história, se quisesse se tornar cidadã letã: sua lealdade seria colocada na berlinda. Mas um teste de naturalização como esse ela não quer fazer --por princípio, alega.

Mentalidade pós-soviética

A Organização das Nações Unidas já repreendeu Riga severamente, sugerindo que o país tem pouco desejo de integração. Afinal, um entre cada três habitantes da Letônia fala russo. Mesmo assim, o letão é o único idioma oficial, e agora se pretende também eliminar a aula de russo das escolas.

Ilmars Latkovskis, que trabalha na comissão parlamentar encarregada das normas de naturalização, não consegue compreender nem a crítica da ONU nem a cólera da minoria de origem russa.

"Existem russos que são muito bem integrados e muito leais a nós. Mas também há os russos que insistem na mentalidade pós-soviética deles, que ainda acreditam que estão aqui como libertadores ou como ocupadores. É assim que eles se sentem e assim que educam os seus filhos", diz o deputado da Aliança Nacional.

A maioria dos letões partilha o ponto de vista de Latkovskis. Também a florista Ineta não quer nem ouvir falar em discriminação."Eu não entendo que a pessoa possa se sentir discriminada por esse motivo. O que é que isso representa, de verdade, para essas pessoas? Certo, elas não podem votar. Mas também é só isso", afirma.

"Não quero que Putin me proteja"

Muitos dos que não são considerados nem letões nem russos acabam, apesar disso – ou justamente por isso – providenciando um passaporte russo, para felicidade do governo de Vladimir Putin, na distante Moscou.

Também o porta-voz dos não cidadãos radicais, Alexander Gaponenko, há muito possui dois documentos de identidade. Ele faz acompanhar sua propaganda com soturna música de marcha, aponta para uma "hierarquia étnica" no país, contra a qual a minoria deveria se rebelar: a nação russa precisa se unir, exorta.

Mas até o momento o estopim de Gaponenko não se incendiou. No mercado central de Riga suas palavras de ordem provocaram, antes, ceticismo, não importa em que idioma. Uma passeata de protesto marcada para a próxima sexta-feira (25/04) foi proibida pelos tribunais, sob a alegação de "risco de segurança".

Mas na Letônia também há gente como Niyonila Kuharthuk. Ela vive há décadas em Riga, mas nasceu na Ucrânia. Agora, após 20 anos como não cidadã, decidiu se submeter ao exame de naturalização: ela quer se tornar letã.

"A motivação definitiva foram os tristes acontecimentos na minha terra natal, a Ucrânia. Eu não quero, justamente, que Putin me 'proteja', que em alguma hora ele venha para 'ajudar' os 300 mil não cidadãos da Letônia."