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Zeitgeist: Verdun e a unidade europeia

Alexandre Schossler

30/05/2016 14h02

Ao longo das décadas, carnificina protagonizada por alemães e franceses em 1916 passou a ser símbolo da reconciliação - e um alerta para o perigo do nacionalismo. Confira na coluna Zeitgeist, por Alexandre Schossler.

A unidade europeia se fundamenta na reconciliação entre França e Alemanha, e esta tem na memória da Batalha de Verdun um de seus maiores símbolos.

Em 1916, os arredores desta cidade francesa foram palco de uma das maiores carnificinas da Primeira Guerra Mundial, opondo França e Alemanha, e que resultou em praticamente nenhum ganho estratégico ou de território para os dois lados. As perdas, porém, foram enormes, principalmente de vidas. Ao menos 300 mil soldados morreram na batalha.

O mito Verdun começou a se formar já no período entre-guerras, mas nem mesmo as terríveis lembranças do que acontecera impediram um novo conflito entre nações, ainda mais devastador. Foi só depois da Segunda Guerra Mundial que a Europa tomou consciência, pouco a pouco, que o nacionalismo e a xenofobia - sentimentos que culminaram de forma sangrenta na Batalha de Verdun - são propulsores da guerra, e onde eles imperam não há paz.

A construção da unidade europeia, a partir dos escombros de duas guerras mundiais, passou pela substituição do nacionalismo por um sentimento europeu, pela reconciliação em lugar do revanchismo e da vingança.

França e Alemanha deram um passo importante nesse sentido com a assinatura, em 22 de janeiro 1963, do Tratado do Eliseu, no qual definiram uma colaboração estreita entre os dois países em áreas como relações externas, defesa e educação. Assinado pelo presidente Charles de Gaulle e pelo chanceler federal Konrad Adenauer, ele é hoje considerado a pedra fundamental da reconciliação teuto-francesa.

E a memória das atrocidades da Batalha de Verdun se converteu definitivamente num símbolo dessa aproximação quando, em 22 de setembro de 1984, o chanceler federal Helmut Kohl foi o primeiro chefe de governo alemão a participar de uma cerimônia em Verdun. Mais do que isso: o inesperado gesto do presidente François Mitterrand de estender a mão para Kohl, durante a execução da Marselhesa, perante o Ossário de Douaumont, tornou-se uma marca da irreversibilidade desse caminho de paz e amizade.

Mitterrand tinha, claro, plena noção do que fazia: "O nacionalismo é a guerra", diria ele, em 1995, perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Isso vale sempre, e é um alerta pertinente nestes dias em que o nacionalismo e a xenofobia infelizmente voltam a ganhar espaço na Europa.