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Por que o Congresso não reflete o povo brasileiro?

Jean-Philip Struck

26/08/2016 18h15

Perfil do Legislativo, majoritariamente elitista, masculino e branco, expõe mazelas da formação social do Brasil e distorções do sistema eleitoral e partidário. Para especialistas, reforma política não bastaria.

No final de abril, a Câmara votou a instauração do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, num processo que, segundo cientistas políticos, foi uma oportunidade para que muitos se confrontassem com a realidade do Congresso.

Embora o resultado da votação tenha refletido o desejo da maioria da população, que queria o afastamento de Dilma, o perfil dos deputados e senadores também recebeu destaque, revelando um Legislativo elitista, masculino e branco.

Entre os 513 deputados, apenas 10% são mulheres. Os brancos são quase 80%. E quase metade deles declarou nas últimas eleições possuir patrimônio superior a 1 milhão de reais. No Senado, os números são similares. Algo contrastante com a sociedade brasileira, onde as mulheres são 51%, e os negros e pardos, 54%.

Esse perfil do Congresso, segundo especialistas, é reflexo da formação social do Brasil e de uma série de distorções do sistema eleitoral e partidário.

"O Brasil é um país que avançou muito economicamente, mas há uma falta de sincronização entre o que aconteceu na economia e o que acontece na política", afirma o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Os séculos de escravidão e um sistema essencialmente agrário deixaram muitos problemas na sociedade. A distribuição que ocorreu na economia não aconteceu na política, que continua a ser pouco inclusiva."

Sistema eleitoral

Mas, segundo Prando, outras questões mais imediatas também ajudam a distorcer a composição do Congresso, especialmente na Câmara. Enquanto no Senado os eleitos são escolhidos em eleição majoritária (quem recebe mais votos), a composição da Câmara é resultado de um sistema mais complicado, o proporcional, que sofre influência de cálculos elaborados com base no quociente eleitoral e partidário. Nele, os candidatos não dependam apenas dos seus votos para serem eleitos, mas também de uma divisão envolvendo os votos da sua legenda ou coligação.

O sistema tem alguns méritos, mas sofre distorções por causa das peculiaridades da política nacional, como a formação de coligações oportunistas para ajudar candidatos. As legendas nanicas "de aluguel", sem programa definido e que muitas vezes só servem para atender interesses particulares de alguns políticos, também tiram vantagem do sistema.

Para ganhar mais tempo de TV, muitos partidos acabam formando coligações com esses nanicos, turbinando artificialmente a sua força. Tanto os nanicos quanto os partidos mais tradicionais também costumam apostar nos chamados "puxadores de voto", pessoas conhecidas cujas candidaturas têm o objetivo de distribuir votos para outros candidatos da coligação. Um exemplo é Éneas Carneiro (1938-2007), que em 2002 conseguiu "puxar" cinco candidatos do seu partido para a Câmara (um deles havia recebido apenas 275 votos).

Hoje, há 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo que 28 têm representantes na Câmara. "Enquanto os partidos recrutarem seus candidatos e fizerem as coligações apenas para aumentar seu espaço no horário eleitoral gratuito e ampliar sua fatia no fundo partidário, não haverá uma representação autêntica", afirma Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.

Em 2014, o Diap já havia apontado em um relatório que os partidos, tantos os grandes quanto os nanicos, sacrificam seus programas ao formar coligações apenas com o objetivo de eleger filiados. "Houve, em quase todos os estados, alianças entre partidos de esquerda e de direita, cujos votos tanto poderiam eleger pessoas identificadas com as pautas sociais como poderiam sufragar candidatos conservadores."

Participação

Segundo Prando, essas distorções podem ser atenuadas com algumas medidas pontuais, como a inclusão de uma cláusula de barreira no Congresso e uma ampla reforma política, que pode incluir mudanças na formação de coligações e no método de eleição. "Ainda assim, uma melhoria significativa só deve ocorrer quando o Brasil resolver seus problemas na sociedade. Com mais educação há mais participação política."

Já o filósofo Roberto Romano afirma que mesmo que o sistema eleitoral seja simplificado, a representatividade efetiva ainda vai esbarrar na própria natureza dos partidos.

"É preciso democratizar o funcionamento das siglas. Elas hoje funcionam como clubes de futebol: poucas pessoas concentram muito poder. Ninguém consegue ascender a partir da base. Sempre é preciso contar com a bênção de alguém que controla a chave do cofre", diz. "Falam que o eleitor não se lembra em quem votou, mas por que ele se lembraria? Não há prévias ou convenções de verdade. Desse jeito um programa partidário não vale nada. Só contam as relações pessoais."

Segundo Romano, seria preciso instituir mecanismos mais rígidos para o funcionamento das siglas. "Nenhum dirigente deveria ficar mais de dois anos na chefia, deveria haver uma pressão para renovação regular. Assim uma base mais efetiva poderia ser formada para pressionar por representação mais adequada", conclui.