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Afro desencadeia debate nacional na África do Sul

Wanjiku Mwaura

31/08/2016 12h41

Alunas de uma escola secundária na África do Sul insurgiram-se contra regras que exigem que arranjem o cabelo e não usem o afro natural. O protesto desencadeou um debate nacional.

O cabelo afro há muito que é tema político: uns acham que é sinal de negligência estética, outros vêm neste penteado uma afirmação da identidade e um sinal de rebeldia. No Quénia, por exemplo, a versão jamaicana conhecida por "dreadlocks" foi usada pelos combatentes da liberdade contra a potência colonial britânica.

Mas os padrões de beleza instituídos no tempo colonial continuam a influenciar as políticas escolares e os padrões de estética no mundo empresarial.

Afirmação da negritude

Recentemente na capital sul-africana Pretória, estudantes da escola secundária Pretoria Girls High organizaram um protesto contra novas regras que obrigam as raparigas a arranjarem o cabelo e falarem apenas em Inglês. O código também impede as alunas de se reunirem dentro das instalações da escola.

Uma antiga estudante da instituição lembra-se que falar uma língua que não seja o inglês dava azo a ser vista com desprezo: "Por exemplo, no intervalo ou mesmo na turma todos os estudantes negros sentam-se juntos e dizem para ninguém falar as línguas maternas, porque isso é mentalidade de bairro pobre."

Há pouco tempo, internautas usaram a rede social twitter para protestar contra esse género de regras, usando o #Stop racismo nas escolas secundárias de Pretória. Depois foi lançada uma petição que obteve mais de 15 mil assinaturas logo nas primeiras 14 horas.

Koketso Moeti, a autora da campanha, disse à DW que esta aconteceu também fora das redes sociais. Os estudantes da Universidade de Pretória, por exemplo, organizaram uma marcha de solidariedade em frente da escola: "Para nós é importante mostrar que há uma grande solidariedade fora da escola. Queremos dizer à escola que não vamos tolerar qualquer forma de vitimização das estudantes, enviando uma mensagem clara à escola de que estes alunos não estão sozinhos."

Perigo para a saúde

Não é a primeira vez que estes problemas acontecem naquela instituição. Moeti diz que já houve casos semelhantes na sua história: "Está claro que isto já aconteceu várias vezes no passado e muitas vezes as raparigas organizaram-se em função do acontecimento. Mas é a primeira vez quem vem à tona desta maneira."

Muitas mulheres africanas conformam-se aos padrões de beleza eurocêntricos, até porque cabelos lisos são sentidos como uma vantagem no mundo do trabalho, por exemplo. Há evidências de que os fortes químicos usados para alisar os cabelos africanos podem penetrar no corpo a partir do couro cabeludo.

Os produtos podem danificar o equilíbrio químico do corpo e criar complicações de saúde, diz a sul-africana Mukwevo: "O que me estão a dizer literalmente é que eu devo colocar químicos no meu cabelo, o que eu acho injusto. Estão a violar os meus direitos enquanto ser humano. Eu nasci assim. Porque tenho de ser mudada porque a opinião dos outros é de que eu tenho de ser mudada? Isto representa a minha negritude, representa o que eu sou como ser humano negro."

Reminiscências de um passado ultrapassado

Durante o regime do apartheid, o Governo sul-africano fazia o chamado "teste do lápis". Alguém que conseguisse manter o lápis na carapinha quando agitava a cabeça não podia ser classificado como branco. Agora, estão a dizer às alunas da escola Pretoria Girls High que não podem usar o penteado afro.

Uma estudante partilha a sua experiência no Twitter: "No começo deste ano obrigaram duas professoras negras a ajudarem-me a desmanchar as minhas tranças bantu durante uma dupla aula de matemática"

Enquanto as raparigas continuam a exigir poder usar o cabelo de forma natural e falar as suas línguas locais, o debate nacional sobre o racismo prossegue aceso.

O episódio lembra tempos em que os sul-africanos eram punidos por falarem as suas línguas locais. Muitas pessoas pensam que as regras da escola não são apenas uma questão de penteado, uma vez que desenterram questões subjacentes que continuam a flagelar as raparigas e rapazes africanos.

Nathi Mthethwa, ministro sul-africano de Artes e Cultura, juntou-se ao debate, afirmando que é inaceitável proibir os estudantes de falarem as línguas africanas nas escolas.