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Arábia Saudita quer modernizar, mas nem tanto

Kersten Knipp (ca)

27/10/2017 11h43

Príncipe herdeiro anunciou planos de reformar o reino e tornar o país independente do petróleo. Apesar de falar em "islã moderado", mudanças não devem trazer liberdade religiosa, aponta cientista político.Os governantes sauditas têm um problema: seus súditos. A população do país é simplesmente grande demais em relação às oportunidades econômicas que o país oferece atualmente. Entre 1980 e 2015, ela quadruplicou, e deve continuar crescendo a uma taxa de 2,2% ao ano. Atualmente, por volta de 30 milhões de pessoas vivem no país, das quais 10 milhões são estrangeiras. Além disso, a população é muito jovem: mais de dois terços têm menos de 30 anos.

Muitas dessas pessoas estão procurando emprego. Se o mercado de trabalho continuar a se desenvolver como até agora, dificilmente elas poderão encontrar trabalho. Segundo estatísticas oficiais, o desemprego já atinge 12% da população. Entre os jovens de até 24 anos, a taxa chega a 40%.

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De acordo com cálculos do Grupo de Comércio Saudita-Americano, até 2,5 milhões de cidadãos sauditas poderão estar sem trabalho até 2020. Se permanecerem desempregados, pode ser que não estejam particularmente dispostos a falar bem do governo no longo prazo.

A chamada Primavera Árabe, em 2011, mostrou o que pode acontecer quando a população está insatisfeita. Na ocasião, o Estado ainda era capaz de acalmar a revolta de seus cidadãos. Mas diante do desolador desenvolvimento orçamentário, parece duvidoso que esse tipo de apaziguamento seja praticável e financiável por muito tempo.

Em 2015, a queda do preço do petróleo levou o país a um déficit orçamentário recorde de 98 bilhões de dólares. Em 2016, Riad conseguiu reduzi-lo para 79 bilhões. Para este ano, a sociedade alemã de informação econômica Germany Trade & Invest prevê um déficit de 53 bilhões de dólares.

A Arábia Saudita do futuro

Assim, é preciso que algo aconteça. E os planos do jovem Mohammed bin Salman, nomeado príncipe herdeiro em 2017 pelo rei Salman, são ambiciosos. O futuro soberano saudita, nascido em fevereiro de 1985, afirmou ter grandes expectativas para o futuro em entrevista à revista The Economist.

"A Arábia Saudita que espero é um país que não dependa do petróleo; que possua uma economia crescente; que tenha um papel forte no mundo; um país que possa preencher os sonhos e as ambições de seus cidadãos", disse. E a lista de esperanças não para por aí.

O príncipe herdeiro também delineou seus objetivos em sua Visão 2030. Os planos incluem a construção da megacidade Neom. Com 26,5 mil quilômetros quadrados de superfície, ela deverá se estender pelo território da Arábia Saudita, Egito e Jordânia. Segundo o desejo do príncipe, ela deverá ser um polo de tecnologia do futuro, da gestão de água e energia, como também do setor de entretenimento.

Uma nova imagem

O príncipe herdeiro tem, de fato, sérios motivos para querer moldar o futuro de seu país, afirma Sebastian Sons, cientista político e especialista em Oriente Médio do Conselho Alemão de Relações Exteriores (DGAP), em Berlim.

"A Arábia Saudita precisa se modernizar economicamente, tem de se tornar independente do petróleo. Precisa atrair investidores privados do exterior. Um dos pré-requisitos é uma boa imagem, e isso faz com que o príncipe herdeiro se apresente como um reformador no setor econômico, mas também no campo religioso e cultural", diz.

No momento, essa imagem não é muito boa: há dois anos e meio, a Arábia Saudita empreende uma ofensiva militar no vizinho Iêmen, onde mais de dez mil civis já morreram, incluindo muitas crianças. O vizinho saudita também foi assolado por uma epidemia de cólera. Riad também não consegue se livrar da reputação de apoiar ideologicamente o jihadismo internacional com a sua religião estatal, o wahhabismo. Além disso, os livros didáticos do país apresentam uma imagem muito negativa de outras religiões e do cristianismo.

Pluralismo social improvável

Sons considera improvável que o país se renove culturalmente e adote um "islã moderado", como anunciado por Bin Salman. O cientista político disse não poder imaginar que a Casa Real saudita se afaste do wahhabismo.

"Não se pode esquecer que a família real saudita não tem poder político sem o apoio religioso dos wahhabistas. Por esse motivo, essa aliança deverá ser mantida ao menos em algumas áreas", aponta.

Isso significa que não haverá melhorias substanciais para membros de outras religiões. "Não deverá haver nenhuma reforma fundamental que possibilite a liberdade religiosa ou o pluralismo social, permita que judeus e cristãos exerçam livremente a sua religião ou proporcione uma melhor integração dos xiitas."

Mesmo assim, Bin Salman deverá encontrar apoio na população saudita para suas reformas. Ele poderá contar principalmente com os jovens, disse Sons. Eles almejam um país que lhes ofereça oportunidades. Os planos do príncipe são ambiciosos e deverão ocupá-lo bastante nos próximos anos.

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