Política de Trump para América Central pode ser gol contra
Em reação à caravana de migrantes vindos de Guatemala, Honduras e El Salvador, presidente dos EUA ameaça cortar ajuda ao desenvolvimento - o que pode contribuir para desestabilizar a região e estimular a migração.Os tuítes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, são cada vez mais furiosos, mas a caravana de migrantes centro-americanos segue adiante, inabalada. Nem contingentes policiais gigantescos, nem um sistema de traslado para aqueles dispostos a retornar, estabelecido às pressas na fronteira entre a Guatemala e o México, surtiram efeito até agora.
"Guatemala, Honduras e El Salvador não foram capazes de fazer o trabalho de impedir as pessoas de deixarem o país delas e virem ilegalmente para os EUA. Nós agora vamos cortar, ou reduzir substancialmente, a maciça ajuda externa dada rotineiramente para eles", declarou o republicano no Twitter.
Com essa ameaça, ele sugere que – como já na época da Guerra Fria – os EUA consideram a América Central seu quintal e pretendem impor lá os seus próprios interesses, com uma mistura de ajuda militar e econômica. Tais ameaças talvez impressionem as bases eleitorais republicanas no curto prazo, com vista às eleições de meio de mandato. No médio prazo, porém, elas poderão desestabilizar a região, alertam analistas.
"A ajuda americana para o desenvolvimento vai sobretudo para os mais pobres e contribui para frear a migração", avalia o ex-embaixador salvadorenho nos EUA Rubén Zamora. "Suspendê-la é um gol contra." No entanto, prossegue, Trump é tão imprevisível que não se pode estar certo se concretizará sua ameaça.
A ajuda externa americana não tem grande peso no total da economia centro-americana. Em 2017, Washington concedeu para a região 500 milhões de dólares – apenas uma fração do que representam as transferências bancárias dos emigrantes para seus países de origem. No ano anterior, Honduras, por exemplo, recebeu 4,3 bilhões de dólares por essa via.
Do ponto de vista econômico, portanto, a ameaça cai basicamente no vazio. Politicamente, Trump está puxando o tapete justamente dos presidentes direitistas – excluído o de El Salvador – que têm adulado os diplomatas americanos.
Para Zamora, não está claro até que ponto esse efeito é intencional. "Trump tem em vista a próxima eleição", marcada para 6 de novembro. "Parece que não há mais uma estratégia clara para a América Latina, a política externa está submetida aos caprichos dele."
Com o antecessor na Casa Branca, o democrata Barack Obama, era diferente. Durante sua presidência houve uma mudança de curso na política americana para a América Latina. Narcotráfico e migração deixaram de ser problemas de segurança, a serem resolvidos por meios militares, e passaram a ser classificados como desafios sociais e econômicos, sendo adotada uma abordagem correspondente.
Assim, Obama fomentou, nos Estados especialmente frágeis do "Triângulo do Norte" – Guatemala, El Salvador e Honduras – programas de prevenção da criminalidade, progresso rural e combate à corrupção, através da agência de ajuda ao desenvolvimento Usaid, a ONU e as Igrejas.
Esse procedimento de longo prazo era controverso entre a elite de Washington. A resistência partia sobretudo do departamento antidrogas DEA e da Secretaria da Defesa, os quais observaram, com apreensão, como na última década a América Central se transformou em principal centro de negócios do tráfico de drogas para os Estados Unidos.
Com Trump, os "falcões" da administração americana se tornaram predominantes. São pessoas como o vice-presidente, Mike Pence, e o chefe de gabinete, John Kelly, ex-comandante supremo do Comando Sul dos EUA (Southcom), órgão responsável pela estratégia militar na América Latina.
Eles procuram impor sua visão política, seguindo os rastros do discurso nacionalista e racista de Trump. Segundo esta, é preciso os governos da América Central agirem com mão pesada e na linha ideológica dos EUA, também a fim de sustar a crescente influência da China na América Latina.
Por isso, os EUA respaldaram em Honduras o presidente conservador Juan Orlando Hernández – embora, segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA), ele deva sua reeleição, em 2017, exclusivamente a uma controversa "reinterpretação da Constituição" e à manipulação das urnas.
Na Guatemala, Washington se colocou atrás do presidente Jimmy Morales, acusado de corrupção e financiamento ilegal de campanha, descreditando a Comissão Internacional contra Impunidade na Guatemala (Cicig).
Instituída pelas Nações Unidas e financiada principalmente pelos EUA e a União Europeia, a Cicig fez grandes avanços na luta contra a corrupção e na reforma da Justiça. Nesse processo, porém, contrariou os interesses de políticos, empresários e militares corruptos e com boas relações com republicanos americanos, como Pence e o senador Marco Rubio – o qual, por iniciativa desse lobby, recentemente congelou as verbas para a Cicig.
A influência americana é menor em El Salvador, governado pela ex-guerrilha de esquerda FMLN e com laços estreitos com Venezuela, Cuba e China. Entretanto as cartas politica serão redistribuídas nas eleições antecipadas de fevereiro, e as enquetes não indicam uma vitória do FMLN.
"Eu me pergunto o que os Estados Unidos pretendem na América Central: novas ditaduras militares e, com isso, mais violência e novas ondas migratórias?", questiona Zamora.
Em cima do muro está o México, o tradicional país de trânsito para migrantes centro-americanos e, ao mesmo tempo, importante parceiro comercial dos EUA. Com seu Plan Frontera Sur, de 2014, Obama já cogitava transformar o vizinho num posto avançado de fronteira, uma estratégia mantida por Trump e que até o momento rendeu frutos inegáveis.
Tanto que ativistas dos direitos humanos denunciam o fato de atualmente o México deportar mais centro-americanos do que os EUA. Especialistas consideram isso um erro e esperam uma mudança de curso após o nacionalista de esquerda Andrés Manuel López Obrador assumir a presidência mexicana, em 1º de dezembro.
"Especialmente tendo em vista a América Central, é importante o México não se atrelar à agenda de segurança dos EUA, mas esboçar, com os vizinhos do sul, uma política regional própria, que também seja financeiramente independente dos EUA", aconselha Carlos Heredia, do Centro de Investigação e Docência Econômicas (Cide), na cidade do México. "Senão, criam-se dependências e inúmeros problemas passam a ameaçar."
No curto prazo, contudo, pode ser oportuno deter os migrantes, avalia a cientista política Cecilia Soto: "Deixar a caravana passar é fazer o jogo de Trump, e poderia contribuir para que os republicanos vençam a eleição de meio de mandato. A meta mais importante do México deve ser enfraquecer Trump e sabotar sua reeleição."
"Por isso, possivelmente seria inteligente, por ora, fazer parar a caravana", sugere Soto, "e, com a ajuda do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), instalar os migrantes em abrigos de emergência." A questão é se isso vai funcionar.
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"Guatemala, Honduras e El Salvador não foram capazes de fazer o trabalho de impedir as pessoas de deixarem o país delas e virem ilegalmente para os EUA. Nós agora vamos cortar, ou reduzir substancialmente, a maciça ajuda externa dada rotineiramente para eles", declarou o republicano no Twitter.
Com essa ameaça, ele sugere que – como já na época da Guerra Fria – os EUA consideram a América Central seu quintal e pretendem impor lá os seus próprios interesses, com uma mistura de ajuda militar e econômica. Tais ameaças talvez impressionem as bases eleitorais republicanas no curto prazo, com vista às eleições de meio de mandato. No médio prazo, porém, elas poderão desestabilizar a região, alertam analistas.
"A ajuda americana para o desenvolvimento vai sobretudo para os mais pobres e contribui para frear a migração", avalia o ex-embaixador salvadorenho nos EUA Rubén Zamora. "Suspendê-la é um gol contra." No entanto, prossegue, Trump é tão imprevisível que não se pode estar certo se concretizará sua ameaça.
A ajuda externa americana não tem grande peso no total da economia centro-americana. Em 2017, Washington concedeu para a região 500 milhões de dólares – apenas uma fração do que representam as transferências bancárias dos emigrantes para seus países de origem. No ano anterior, Honduras, por exemplo, recebeu 4,3 bilhões de dólares por essa via.
Do ponto de vista econômico, portanto, a ameaça cai basicamente no vazio. Politicamente, Trump está puxando o tapete justamente dos presidentes direitistas – excluído o de El Salvador – que têm adulado os diplomatas americanos.
Para Zamora, não está claro até que ponto esse efeito é intencional. "Trump tem em vista a próxima eleição", marcada para 6 de novembro. "Parece que não há mais uma estratégia clara para a América Latina, a política externa está submetida aos caprichos dele."
Com o antecessor na Casa Branca, o democrata Barack Obama, era diferente. Durante sua presidência houve uma mudança de curso na política americana para a América Latina. Narcotráfico e migração deixaram de ser problemas de segurança, a serem resolvidos por meios militares, e passaram a ser classificados como desafios sociais e econômicos, sendo adotada uma abordagem correspondente.
Assim, Obama fomentou, nos Estados especialmente frágeis do "Triângulo do Norte" – Guatemala, El Salvador e Honduras – programas de prevenção da criminalidade, progresso rural e combate à corrupção, através da agência de ajuda ao desenvolvimento Usaid, a ONU e as Igrejas.
Esse procedimento de longo prazo era controverso entre a elite de Washington. A resistência partia sobretudo do departamento antidrogas DEA e da Secretaria da Defesa, os quais observaram, com apreensão, como na última década a América Central se transformou em principal centro de negócios do tráfico de drogas para os Estados Unidos.
Com Trump, os "falcões" da administração americana se tornaram predominantes. São pessoas como o vice-presidente, Mike Pence, e o chefe de gabinete, John Kelly, ex-comandante supremo do Comando Sul dos EUA (Southcom), órgão responsável pela estratégia militar na América Latina.
Eles procuram impor sua visão política, seguindo os rastros do discurso nacionalista e racista de Trump. Segundo esta, é preciso os governos da América Central agirem com mão pesada e na linha ideológica dos EUA, também a fim de sustar a crescente influência da China na América Latina.
Por isso, os EUA respaldaram em Honduras o presidente conservador Juan Orlando Hernández – embora, segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA), ele deva sua reeleição, em 2017, exclusivamente a uma controversa "reinterpretação da Constituição" e à manipulação das urnas.
Na Guatemala, Washington se colocou atrás do presidente Jimmy Morales, acusado de corrupção e financiamento ilegal de campanha, descreditando a Comissão Internacional contra Impunidade na Guatemala (Cicig).
Instituída pelas Nações Unidas e financiada principalmente pelos EUA e a União Europeia, a Cicig fez grandes avanços na luta contra a corrupção e na reforma da Justiça. Nesse processo, porém, contrariou os interesses de políticos, empresários e militares corruptos e com boas relações com republicanos americanos, como Pence e o senador Marco Rubio – o qual, por iniciativa desse lobby, recentemente congelou as verbas para a Cicig.
A influência americana é menor em El Salvador, governado pela ex-guerrilha de esquerda FMLN e com laços estreitos com Venezuela, Cuba e China. Entretanto as cartas politica serão redistribuídas nas eleições antecipadas de fevereiro, e as enquetes não indicam uma vitória do FMLN.
"Eu me pergunto o que os Estados Unidos pretendem na América Central: novas ditaduras militares e, com isso, mais violência e novas ondas migratórias?", questiona Zamora.
Em cima do muro está o México, o tradicional país de trânsito para migrantes centro-americanos e, ao mesmo tempo, importante parceiro comercial dos EUA. Com seu Plan Frontera Sur, de 2014, Obama já cogitava transformar o vizinho num posto avançado de fronteira, uma estratégia mantida por Trump e que até o momento rendeu frutos inegáveis.
Tanto que ativistas dos direitos humanos denunciam o fato de atualmente o México deportar mais centro-americanos do que os EUA. Especialistas consideram isso um erro e esperam uma mudança de curso após o nacionalista de esquerda Andrés Manuel López Obrador assumir a presidência mexicana, em 1º de dezembro.
"Especialmente tendo em vista a América Central, é importante o México não se atrelar à agenda de segurança dos EUA, mas esboçar, com os vizinhos do sul, uma política regional própria, que também seja financeiramente independente dos EUA", aconselha Carlos Heredia, do Centro de Investigação e Docência Econômicas (Cide), na cidade do México. "Senão, criam-se dependências e inúmeros problemas passam a ameaçar."
No curto prazo, contudo, pode ser oportuno deter os migrantes, avalia a cientista política Cecilia Soto: "Deixar a caravana passar é fazer o jogo de Trump, e poderia contribuir para que os republicanos vençam a eleição de meio de mandato. A meta mais importante do México deve ser enfraquecer Trump e sabotar sua reeleição."
"Por isso, possivelmente seria inteligente, por ora, fazer parar a caravana", sugere Soto, "e, com a ajuda do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), instalar os migrantes em abrigos de emergência." A questão é se isso vai funcionar.
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