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Encorajar violência policial não é solução para criminalidade, afirma HRW

18.jan.2018 - Agentes das polícias Civil e Militar do Rio, além de integrantes das Forças Armadas e da Polícia Federal, fazem operação nas comunidades de Jacaré, Mandela, Arará e Manguinhos, na zona norte da cidade - WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
18.jan.2018 - Agentes das polícias Civil e Militar do Rio, além de integrantes das Forças Armadas e da Polícia Federal, fazem operação nas comunidades de Jacaré, Mandela, Arará e Manguinhos, na zona norte da cidade Imagem: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

Fernando Caulyt

17/01/2019 08h38

ONG diz que governo Bolsonaro deve tratar crise de segurança com medidas que reduzam o crime e respeitem direitos humanos e legalidade, sem encorajar polícia a matar. Relatório destaca ainda violência contra a mulher.

A crise de segurança pública que assola o Brasil deve ser tratada pelo governo Jair Bolsonaro com medidas que reduzam o crime e, ao mesmo tempo, estejam dentro dos limites da legalidade e respeitem os direitos humanos, afirmou a ONG Human Rights Watch (HRW) em seu relatório mundial, lançado nesta quinta-feira (17), que aborda a situação dos direitos humanos em mais de cem países.

"Os brasileiros estão, com razão, fartos da alta taxa de criminalidade no país", diz José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da HRW. "Mas encorajar a polícia a matar e a colocar mais suspeitos - antes de terem sido julgados - nas prisões superlotadas do Brasil vai prejudicar e não melhorar a segurança pública."

O relatório cita a promessa do então candidato à Presidência de dar "carta branca" para policiais matarem suspeitos e a fala de Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro, de que as forças policiais devem atirar para matar, sem aviso, em qualquer um que esteja portando um fuzil - mesmo que a pessoa não esteja ameaçando ninguém.

Segundo a ONG, os padrões internacionais de direitos humanos proíbem as forças policiais de matar de forma deliberada, exceto quando necessário para proteger suas próprias vidas ou as de terceiros.

Ao mesmo tempo em que ressalva que algumas mortes cometidas pela polícia são justificáveis, a HRW afirma no documento que muitas outras são execuções extrajudiciais. Essas execuções colocam as comunidades contra as forças policiais e as tornam menos propensas a denunciar crimes e ajudar o Estado nas investigações.

Além disso, execuções feitas por alguns membros das forças de segurança geram um efeito dominó: elas colocam em risco outros policiais, que podem sofrer represálias de facções criminosas. Em 2015, 358 policiais foram mortos em todo o país. Esse número subiu para 453 no ano seguinte e diminuiu para 367 em 2017.

Vivanco alerta também para o crescimento da violência no país e o aumento do número de mortes por forças policiais, que chegou a 5.144 em 2017 - ou seja, 20% a mais do que em 2016. Ele afirma que a polícia matou, somente no estado do Rio de Janeiro, 1.444 pessoas no período de janeiro a novembro de 2018. O recorde anterior era de 1.330 em 2007.

"Esse é o maior número de homicídios cometidos por policiais desde 1998, quando o estado do Rio, onde vivem atualmente 17 milhões de habitantes, passou a registrar esses dados", destaca Vivanco. "Em termos de comparação, nos EUA, um país com 325 milhões de pessoas, a polícia matou mil. São dados muito preocupantes."

Superlotação carcerária e violência contra a mulher

Segundo dados do final de 2018, cerca de 840 mil pessoas estão encarceradas no país. Delas, 40% são presos provisórios, segundo a HRW. Em discursos durante a campanha eleitoral, Bolsonaro defendeu endurecer penas para prender mais criminosos num sistema penitenciário que já possui o dobro do número de presos para o qual foi projetado, deixando os presos vulneráveis à violência e ao recrutamento por facções.

Segundo o relatório, em vez de considerar políticas que violem os direitos humanos, o governo Bolsonaro deveria adotar reformas consistentes com as obrigações internacionais do Brasil em direitos humanos e que, em última instância, sejam mais eficazes na redução da criminalidade.

Entre as medidas sugeridas estão o reforço da capacidade de investigação da Polícia Civil para acabar com o clima de impunidade, tendo em vista a baixa porcentagem de homicídios que não chegam a ser resolvidos; e o fim da chamada "guerra às drogas", que só resulta em mais violência nas ruas e mais poder para as facções. A HRW defende a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal.

Outro ponto destacado pelo relatório é a violência generalizada contra as mulheres no país. Segundo o relatório, no final de 2017, mais de 1,2 milhão de casos de violência doméstica estavam pendentes nos tribunais. Para a ONG, o país ainda não implementou de forma efetiva e completa a legislação contra a violência doméstica, mais conhecida como Lei Maria da Penha, de 2006.

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Além disso, para a HRW, os governos federal e estaduais deveriam fortalecer a proteção das mulheres e garantir justiça quando a violência ocorrer. "A polícia não investiga adequadamente milhares de casos de violência doméstica", afirma a ONG no relatório.

A HRW afirma que o país, que possui uma população superior a 200 milhões de habitantes, enfraqueceu sua rede de apoio às mulheres: o número de abrigos para mulheres caiu de 97 (em 2016) para 74 (em 2017), assim como as delegacias da mulher ou núcleos de atendimento da mulher em delegacias não especializadas, de 504 para 497 no mesmo período.

Além disso, os gastos da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres estão em curva descendente: eles passaram de R$ 73 milhões em 2014 para R$ 47,3 milhões em 2017, segundo dados obtidos pela HRW. Até maio de 2018, a secretaria gastou apenas R$ 3,3 milhões.

"Se Bolsonaro está realmente preocupado com a segurança das mulheres, ele deveria melhorar o apoio legal, psicológico e outros serviços para elas, além de melhorar a resposta da polícia à violência doméstica", cobra Vivanco.

O relatório menciona ainda que milhares de venezuelanos atravessaram a fronteira para o Brasil para fugir da fome, falta de cuidados básicos de saúde e devido à perseguição política. "Até outubro, o governo federal e o Acnur [a agência da ONU para os refugiados] abriram 13 abrigos em Roraima, que acolhiam mais de 5.500 venezuelanos. O governo tem demorado para integrá-los à sociedade, a maioria das crianças em abrigos não frequenta a escola e muitos venezuelanos ainda não têm documentos."

O documento lembra que, até novembro, mais de 3.100 venezuelanos haviam se beneficiado de um programa federal de transferência para outros estados e critica casos de violência na fronteira, como a expulsão por brasileiros, em março, de venezuelanos de um abrigo improvisado em Roraima, e o linchamento por vários brasileiros, em setembro, de um venezuelano acusado de assassinato.