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As perguntas sem resposta de Brumadinho

Nádia Pontes (de São Paulo), Marina Costa (de Belo Horizonte)

28/01/2019 20h37

Proximidade de restaurante e centro administrativo da Vale com barragem que rompeu causa indignação entre especialistas. Resistência em aprovar leis para aumentar a segurança também é questionada.Quando a barragem I da mina Córrego do Feijão da mineradora Vale rompeu em Brumadinho, na última sexta-feira (25/01), cerca de 300 funcionários trabalhavam na unidade. Era hora do almoço. Num restaurante lotado, os trabalhadores foram soterrados pela enxurrada de lama enquanto faziam suas refeições.

Até agora, 292 pessoas continuam desaparecidas entre os rejeitos. Sessenta corpos foram resgatados.

Marcus Vinícius Polignano, professor da faculdade de medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) não se conforma com esse fato. Ele não consegue entender como o restaurante e a sede administrativa da empresa foram construídos naquele lugar, logo abaixo da barragem.

“Houve uma negligência total da empresa, pois ela sabia que aquela área era passível de inundação em caso de rompimento”, disse à DW Brasil. O médico coordena o Projeto Manuelzão que, desde 1997, percorre o interior de Minas Gerais com ações de saúde, cidadania e desenvolvimento sustentável.

No licenciamento ambiental, as empresas descrevem as áreas que são afetadas pelo empreendimento. As com impacto direto dizem respeito à obra em si: mina, barragem de rejeitos, pilha de estéril, etc. As áreas indiretamente afetadas abrangem o que está em volta, como comunidades e reservas ambientais.

A mais perigosa para a vida humana é a chamada zona de autossalvamento: região à jusante (abaixo) da barragem em que se considera não haver tempo suficiente para uma intervenção das autoridades em caso de acidente. É a zona do “cada um por si” ou “salve-se quem puder”.

Para Polignano, ao construir o restaurante e administração naquele ponto do complexo, a empresa correu um risco calculado. “São absolutamente responsáveis pelo alto número de vítimas. Não teve
sirene. Eles submeteram os trabalhadores a esta situação de risco, o que se caracteriza um acidente de trabalho ampliado”, critica.

Segundo Paulo Rodrigues, geólogo e ambientalista atuante no Quadrilátero Ferrífero, a legislação não diz nada sobre isso. “Fica por conta da proposição do empreendedor: ele apresenta onde serão as
construções e os órgãos ambientais avaliam”, afirmou em entrevista à DW Brasil.

“A Vale não é vítima. É responsável pelo crime ambiental e mortes”, diz Polignano. A empresa não retornou o contato feito pela reportagem.

Mudança no percurso

Esse é um ponto que o projeto de lei que ficou conhecido como “Mar de lama nunca mais” tentou mudar. Em 2016, logo após a tragédia em Mariana, a proposta que trazia mudanças sobre o licenciamento ambiental e a fiscalização de barragens em Minas Gerais foi apresentada.

Ela chegou à casa com apoio de 56 mil assinaturas, mas não avançou. O projeto então sofreu alterações para obter consenso e se transformou na PL 3676 que, segundo Andressa Lanchotti, promotora do Ministério Público de Minas Gerais que atua no caso de Mariana, foi rejeitada pela Comissão de Minas e Energia.

Segundo o projeto, a construção de barragens deveria respeitar um raio de 10 quilômetros de distância de aglomerações humanas. Isso permitiria que, em caso de rompimento, as pessoas pudessem correr - a tempo - para um lugar seguro.

“Tragédias como essa de Brumadinho acontecem pelo fato de termos ineficiências no sistema de gestão ambiental, planejamento, fiscalização e regulação”, criticou a legislação do estado numa coletiva de imprensa em Belo Horizonte nesta segunda-feira (28/01).

Luis Fernando Cabral Ferreira Junio, presidente da Abrampa (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente), avalia que só é possível garantir segurança com órgãos ambientais bem estruturados.

“Quando o Ministério Público questiona uma obra, um estudo, é taxado como aquele que está barrando o desenvolvimento. O que estamos tentando buscar é preservar vidas, o patrimônio ambiental brasileiro”, afirma.

Alessandro Molon, deputado federal da FPA (Frente Parlamentar Ambientalista) espera que o novo Congresso, que toma posse no início de fevereiro, responda à altura. “Se não fosse essa tragédia em Brumadinho, infelizmente o que teríamos seriam novos membros dizendo que proteger o meio ambiente é ser contra o desenvolvimento e que isso tem que acabar para poder gerar novos empregos no Brasil”.

Risco e lucro

Ainda não se sabe a proporção do impacto ambiental da tragédia em Brumadinho. Para Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, a experiência em Mariana fornece pistas. “Aquela catástrofe mostrou que esse tipo de minério altera a característica natural dos rios, composição do solo. Ainda temos na bacia do rio Doce boa parte em desconformidade com os padrões aceitáveis para consumo de água”, afirma.

Enquanto as causas que provocaram a poluição são apuradas, Minas Gerais convive com mais de 200 barragens de mineração cadastradas na ANM (Agência Nacional de Mineração). Um levantamento do Ministério Publico apontou que metade delas têm alto potencial para causar dano associado.

Segundo o Plano de Segunda Da Barragem, o monitoramento das estruturas é feito pelo próprio empreendedor, ou seja, é a empresa que atesta se a barragem é segura. E a apresentação dos dados não é obrigatória.

“A impunidade justifica o risco. O lucro, infelizmente, justifica o risco”, lamenta o pesquisador Marcus Vinícius Polignano.

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