Como cristãos, muçulmanos, judeus lidam com a crise do vírus
Como cristãos, muçulmanos, judeus lidam com a crise do vírus - Páscoa, Ramadã e Pessach coincidem com auge das medidas de isolamento impostas no combate à pandemia de covid-19. Com a proibição de reunião, os tempos exigem flexibilidade religiosa e criatividade.Cultos religiosos públicos estão proibidos na Alemanha, mas a grande e pesada porta principal da Igreja do Espírito Santo, no bairro berlinense de Charlottenburg, está escancarada. Durante a crise do coronavírus, o tempo católico quer permanecer um local de reflexão e oração silenciosa para seus fiéis – cada um por si, bem entendido.
Para preservar o espírito de comunidade, contudo, a paróquia disponibiliza na entrada informações litúrgicas para os feriados de Páscoa. As várias páginas de instruções sobre como realizar os cultos em casa incluem textos de preces e de canções. No site de internet da congregação, encontram-se também arquivos de áudio acompanhados por música de órgão.
Velas de Páscoa em caixas de papelão estão alinhadas ao longo dos degraus diante do altar. Ao lado, algumas palmas abençoadas que sobraram do Domingo de Ramos, para quem queira levar para casa. Os membros da congregação não são nem mesmo privados de assistir ao sermão do pároco Gerald Tanye, no canal de Youtube da igreja criado especialmente para a ocasião.
Apesar de a pandemia restringir a vida religiosa, a internet possibilita aos cristãos muitas atividades que são tabus para outras religiões. Não faz diferença rezar uma Via-Sacra digital ou acompanhar a missa transmitida online ou pela televisão.
Tanto a congregação católica quanto a protestante ampliaram significativamente sua oferta digital, em especial na época da Páscoa. Importante é que o culto seja acompanhado ao vivo: gravá-lo não teria o mesmo efeito.
Islâmicos: jejuar ou não jejuar?
No islã, por outro lado, nada pode se colocar entre o imã e seus fiéis, nem mesmo um rio ou uma parede espessa. Assim, uma transmissão ao vivo não vale como substituto, enfatiza o presidente do Conselho Central dos Muçulmanos da Alemanha, Aiman Mazyek. Por isso, as preces de sexta-feira ficam suspensas enquanto as mesquitas estiverem fechadas.
Mas a lei islâmica permite aos fiéis orarem em casa, afirmam estudiosos da mais importante instituição de ensino sunita, a Universidade Azhar, no Egito. "Um exemplo na Suna é quando o profeta [Maomé] insta a comunidade a rezar em casa, em algumas noites em que as circunstâncias não permitiam prece conjunta na mesquita", explicou o xeique Khaled Omran numa entrevista à emissora alemã ARD.
Para além das orações da sexta-feira, contudo, também é possível vida religiosa islâmica online. "Realizam-se sermões no Youtube, também para informar sobre a situação atual e propiciar consolo. Agora o foco está neles, já que a conversa frente a frente não funciona mais", informou a presidente da Associação Liberal-Islâmica (LIB), Odette Yilmaz, à rádio Deutschlandfunk.
Outra questão é o Ramadã, o mês de jejum em que os muçulmanos não podem comer nem beber nada, desde o nascer-do-sol ao crepúsculo. Em 2020, ele começa em 23 de abril, quando as rigorosas regras de distanciamento físico ainda deverão estar em vigor na Alemanha, e não será possível festejar o fim do jejum diário em grande roda.
Para Yilmaz, trata-se menos de uma questão teológica do que de um grande desafio humano e uma ruptura do senso congregacional. Mas o Ramadã em tempos de coronavírus representa também um problema de saúde, pois quem não come nem bebe se torna mais vulnerável a infecções, pelo menos nos primeiros dias do jejum.
Os eruditos sunitas da Universidade Azhar já discutiram a questão, e consideram cancelar ou adiar o Ramadã este ano. Eles se orientarão pelas indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS): se ela aconselhar a comer e beber normalmente na época de jejum, será isso que prescreverá a fatwa (pronunciamento legal islâmico).
"Então teremos que recuperar ao fim da crise os dias perdidos", antecipa Khaled Omran. Afinal, a lei tradicional islâmica, a xariá, exorta à manutenção da saúde, como parte da preservação da criação divina.
Judeus: exceções ao sabá
Outras comunidades religiosas são menos flexíveis quanto às datas de suas festividades. Já em março, o Supremo Tribunal de Israel se recusou a adiar a festa judaica de Pessach em consideração à pandemia de covid-19. A reivindicação fora que se declarasse 2020 ano bissexto extraordinário, acrescentando um mês ao calendário.
Para muitos de fé judaica, o Pessach é a celebração mais solene do ano religioso, lembrando como, segundo a Torá, os israelitas fugiram do Egito para escapar à escravidão. No ano corrente, ele vai de 8 a 16 de abril. Em tempos normais, muitos viajam até suas famílias, para festejar no grande círculo. Isso ocorre em todo o mundo, também na Alemanha, onde vivem cerca de 100 mil judeus.
Considerando, porém, que em tempos de corona nada é normal, a Previdência Central e o Conselho Central dos Judeus na Alemanha cuidaram para que a festa também seja possível no isolamento do lar: para as noites do Seder, que começam com a refeição ritual, quem não tem uma loja próxima de alimentos kosher pode encomendar pacotes com pão ázimo matzá, vinho para o kidush e zover iguerques (picles de pepino).
Também para os judeus, as possibilidades digitais se revelam uma bênção, é possível participar de cultos online; famílias se interconectam em videochats para pelo menos um congraçamento via monitor. Com a ressalva de que, a rigor, o emprego de eletricidade e manuseio de aparelhos elétricos são proibidos durante o descanso do sabá.
Para a crise do coronavírus, contudo, abriu-se uma exceção: rabinos ortodoxos em Israel estipularam que a utilização de um serviço de videoconferência é permissível, dada a liberdade de circulação fortemente circunscrita pelas medidas contra o alastramento do vírus.
Eles consideram que a tecnologia está sendo empregada para o cumprimento de um dever religioso. Além disso, é importante fortalecer os laços entre os jovens e os avós, também a fim de prevenir depressões entre os mais idosos.
A exceção tem um pequeno detalhe: os rabinos só permitem a utilização dos aparelhos de transmissão e dos aplicativos necessários se eles forem ativados antes do início da festa do Pessach. Os judeus crentes seguem proibidos de manusear o computador ou smartphone durante os feriados religiosos.
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Autor: Sabine Kinkartz (av)
Para preservar o espírito de comunidade, contudo, a paróquia disponibiliza na entrada informações litúrgicas para os feriados de Páscoa. As várias páginas de instruções sobre como realizar os cultos em casa incluem textos de preces e de canções. No site de internet da congregação, encontram-se também arquivos de áudio acompanhados por música de órgão.
Velas de Páscoa em caixas de papelão estão alinhadas ao longo dos degraus diante do altar. Ao lado, algumas palmas abençoadas que sobraram do Domingo de Ramos, para quem queira levar para casa. Os membros da congregação não são nem mesmo privados de assistir ao sermão do pároco Gerald Tanye, no canal de Youtube da igreja criado especialmente para a ocasião.
Apesar de a pandemia restringir a vida religiosa, a internet possibilita aos cristãos muitas atividades que são tabus para outras religiões. Não faz diferença rezar uma Via-Sacra digital ou acompanhar a missa transmitida online ou pela televisão.
Tanto a congregação católica quanto a protestante ampliaram significativamente sua oferta digital, em especial na época da Páscoa. Importante é que o culto seja acompanhado ao vivo: gravá-lo não teria o mesmo efeito.
Islâmicos: jejuar ou não jejuar?
No islã, por outro lado, nada pode se colocar entre o imã e seus fiéis, nem mesmo um rio ou uma parede espessa. Assim, uma transmissão ao vivo não vale como substituto, enfatiza o presidente do Conselho Central dos Muçulmanos da Alemanha, Aiman Mazyek. Por isso, as preces de sexta-feira ficam suspensas enquanto as mesquitas estiverem fechadas.
Mas a lei islâmica permite aos fiéis orarem em casa, afirmam estudiosos da mais importante instituição de ensino sunita, a Universidade Azhar, no Egito. "Um exemplo na Suna é quando o profeta [Maomé] insta a comunidade a rezar em casa, em algumas noites em que as circunstâncias não permitiam prece conjunta na mesquita", explicou o xeique Khaled Omran numa entrevista à emissora alemã ARD.
Para além das orações da sexta-feira, contudo, também é possível vida religiosa islâmica online. "Realizam-se sermões no Youtube, também para informar sobre a situação atual e propiciar consolo. Agora o foco está neles, já que a conversa frente a frente não funciona mais", informou a presidente da Associação Liberal-Islâmica (LIB), Odette Yilmaz, à rádio Deutschlandfunk.
Outra questão é o Ramadã, o mês de jejum em que os muçulmanos não podem comer nem beber nada, desde o nascer-do-sol ao crepúsculo. Em 2020, ele começa em 23 de abril, quando as rigorosas regras de distanciamento físico ainda deverão estar em vigor na Alemanha, e não será possível festejar o fim do jejum diário em grande roda.
Para Yilmaz, trata-se menos de uma questão teológica do que de um grande desafio humano e uma ruptura do senso congregacional. Mas o Ramadã em tempos de coronavírus representa também um problema de saúde, pois quem não come nem bebe se torna mais vulnerável a infecções, pelo menos nos primeiros dias do jejum.
Os eruditos sunitas da Universidade Azhar já discutiram a questão, e consideram cancelar ou adiar o Ramadã este ano. Eles se orientarão pelas indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS): se ela aconselhar a comer e beber normalmente na época de jejum, será isso que prescreverá a fatwa (pronunciamento legal islâmico).
"Então teremos que recuperar ao fim da crise os dias perdidos", antecipa Khaled Omran. Afinal, a lei tradicional islâmica, a xariá, exorta à manutenção da saúde, como parte da preservação da criação divina.
Judeus: exceções ao sabá
Outras comunidades religiosas são menos flexíveis quanto às datas de suas festividades. Já em março, o Supremo Tribunal de Israel se recusou a adiar a festa judaica de Pessach em consideração à pandemia de covid-19. A reivindicação fora que se declarasse 2020 ano bissexto extraordinário, acrescentando um mês ao calendário.
Para muitos de fé judaica, o Pessach é a celebração mais solene do ano religioso, lembrando como, segundo a Torá, os israelitas fugiram do Egito para escapar à escravidão. No ano corrente, ele vai de 8 a 16 de abril. Em tempos normais, muitos viajam até suas famílias, para festejar no grande círculo. Isso ocorre em todo o mundo, também na Alemanha, onde vivem cerca de 100 mil judeus.
Considerando, porém, que em tempos de corona nada é normal, a Previdência Central e o Conselho Central dos Judeus na Alemanha cuidaram para que a festa também seja possível no isolamento do lar: para as noites do Seder, que começam com a refeição ritual, quem não tem uma loja próxima de alimentos kosher pode encomendar pacotes com pão ázimo matzá, vinho para o kidush e zover iguerques (picles de pepino).
Também para os judeus, as possibilidades digitais se revelam uma bênção, é possível participar de cultos online; famílias se interconectam em videochats para pelo menos um congraçamento via monitor. Com a ressalva de que, a rigor, o emprego de eletricidade e manuseio de aparelhos elétricos são proibidos durante o descanso do sabá.
Para a crise do coronavírus, contudo, abriu-se uma exceção: rabinos ortodoxos em Israel estipularam que a utilização de um serviço de videoconferência é permissível, dada a liberdade de circulação fortemente circunscrita pelas medidas contra o alastramento do vírus.
Eles consideram que a tecnologia está sendo empregada para o cumprimento de um dever religioso. Além disso, é importante fortalecer os laços entre os jovens e os avós, também a fim de prevenir depressões entre os mais idosos.
A exceção tem um pequeno detalhe: os rabinos só permitem a utilização dos aparelhos de transmissão e dos aplicativos necessários se eles forem ativados antes do início da festa do Pessach. Os judeus crentes seguem proibidos de manusear o computador ou smartphone durante os feriados religiosos.
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