Contra violência policial, professor propõe mudar formação e punir chefia
O aprimoramento da formação policial e a responsabilização dos comandos das instituições de segurança pública são fundamentais para o combate à violência policial no Brasil. A avaliação é de Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
O que aconteceu
A semana do Natal foi marcada por três diferentes episódios de violência policial. O primeiro ocorreu na noite de terça-feira (24), quando a jovem Juliana Leite Rangel foi baleada em uma operação da PRF na rodovia Washington Luís (BR-040), em Duque de Caxias (RJ).
Outros dois aconteceram na cidade de São Paulo. Na quarta-feira (25), um jovem de 24 anos foi baleado por um policial militar com um tiro à queima-roupa enquanto gravava uma ocorrência na zona oeste. No mesmo dia, na zona leste, um homem rendido recebeu golpes com capacete e chutes de um PM.
O que diz o professor
Corporações podem fazer algo para mudar esses episódios? Sim. O aprimoramento da formação policial, com treinamentos, para que os agentes tenham mais cuidado ao usar a arma de fogo é fundamental, diz Alcadipani.
Falta aperfeiçoar mecanismos de controle interno da atuação policial, como o trabalho das Corregedorias, e ter uma doutrina policial melhor definida. "É preciso mudar a mentalidade da forma de se fazer polícia no Brasil, onde você tenha a preservação da vida como a coisa mais importante, tanto na formação policial, como na prática cotidiana", afirma o professor.
Punição deve atingir superiores e comandantes das corporações, não apenas o policial que comete o crime. "São poucos lugares do mundo onde um caso como esse [do RJ] aconteceria e o chefe da polícia continua na função. Ele tem que pedir para sair ou ser retirado porque você começa a mandar sinais para a instituição que esse tipo de coisa não é aceita", disse Alcadipani ao Canal UOL, na quinta-feira (26).
Pesquisador defende que na formação policial tenha treinamentos para "desescalar" tensão. No caso do tiro à queima-roupa em São Paulo, o agente chega em uma situação com um nível alto de temperatura e, diz o professor, "faz com que fique mais quente ainda".
São muitos casos 'isolados', entre aspas. Isso não é caso isolado, infelizmente. A gente precisa mudar essa lógica, essa mentalidade. Precisamos que o policial chegue em uma situação que está tensa e faz essa situação menos tensa. Rafael Alcadipani
Governos estaduais e federais precisam mudar mentalidade. Para o professor, segurança pública e direitos humanos não servir meramente como discurso. A sociedade deve cobrar que a polícia respeite a vida antes de qualquer coisa, acrescentou.
Os governantes são sensíveis aos valores da sociedade. A população precisa deixar claro que não aceita esse tipo de situação. Porque quando você decide, aceita e defende que bandido bom é bandido morto, um inocente pode ser morto porque esse policial começa a não cuidado com a vida.
As instituições policiais estão longe de ser uníssonas, uma só, tem muita gente que pensa diferente, que quer fazer diferente, mas não consegue atuar.
Mudar condições de trabalho extenuantes dos policiais também é importante. Não é "possível esperar bom senso" de um agente que, muitas vezes, trabalha dias seguidos e mesmo na folga faz atividades remuneradas extras para complementar a renda. Outro ponto indicado pelo professor é o que está sendo feito pela saúde mental dos policiais.
O que o Governo Federal está fazendo para mudar a formação dos policiais? O que ele está fazendo em termos de política pública para mudar a mentalidade das polícias? Como ele está conseguindo construir diálogo, governadores também, para mudar essa situação? É uma situação que morre criança, mulher, homem, um monte de inocente diariamente no Brasil, e a gente não vê muitas coisas concretas.
Casos do Rio de Janeiro e de São Paulo precisam ser analisados em diferentes perspectivas. Alcadipani classificou a atuação da PRF no Rio como algo "grosseiro", pois o carro da jovem baleada foi alvejado sem qualquer motivo aparente. Por outro lado, no episódio da capital paulista houve uma confusão na ocorrência, que não justifica o disparo à queima-roupa no jovem, mas torna a situação mais complexa.
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Quero receberCondenação de ex-PRFs envolvidos no caso Genivaldo demonstra que a instituição não tolera esse tipo de violência, avalia o professor. Ele afirma, no entanto, que é preciso um "sinal mais claro" por parte da polícia quando esses episódios ocorrem —por exemplo, a prisão em flagrante dos policiais envolvidos na ocorrência do Rio. "A atuação tem que ser um pouco mais decidida, forte, ali [logo após o momento da violência policial]", disse.
Decreto de uso da força pelas polícias
Segundo o professor, o decreto do governo Lula que regula o uso de força policial "não é muito diferente do protocolo de muitas polícias e do deveria já ser implantado". O texto impõe critérios para o uso de armas de fogo e instrumentos não letais, abordagens, buscas domiciliares e a atuação dos policiais penais nos presídios.
Documento estabelece que nível da força policial deve ser compatível com a gravidade da ameaça apresentada. O texto diz ainda que profissionais de segurança pública devem priorizar "comunicação, a negociação e o emprego de técnicas que impeçam uma escalada da violência".
Apesar de "interessante, oportuno e necessário, o decreto não vai mudar a realidade", declarou o especialista. "Porque isso já estava na realidade. Ou a gente muda a mentalidade de se fazer polícia e pensar segurança pública —também pensando na Polícia Civil como órgão técnico, profissional— com a sociedade cobrando uma polícia técnica, profissional e que preserva a vida ou vamos continuar vendo esses absurdos acontecendo", concluiu.
Decreto foi assinado após a PM de São Paulo registrar uma escalada de violência desde novembro. Os episódios incluem o assassinato de um jovem negro com tiro pelas costas por um agente de folga, uma criança de 4 anos que morreu ao ser baleada em meio a uma ação policial na Baixada Santista, um vídeo mostrando um homem sendo jogado de uma ponte em uma abordagem, e uma idosa e outras pessoas sendo agredidas, inclusive com um mata-leão em Barueri (SP).
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