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Protesto contra polícia vira rotina em Portland

Julia Mahncke

22/07/2020 08h52

Protesto contra polícia vira rotina em Portland - Há quase dois meses, são diárias as manifestações na cidade americana em defesa do movimento negro e pelo fim da polícia em seu estado atual. Alvo constante de repressão, os atos contam com apoio da população.É noite, e uma multidão enche a Praça Chapman, um parque que se estende por dois quarteirões, repleto por árvores e bancos para sentar. "Eles é que deveriam ter medo de nós, e não nós deles", diz Jeff. Por "eles", o jovem negro se refere à polícia. Jeff veio mais uma vez ao centro de Portland para uma manifestação contra a violência policial. Provavelmente a sua trigésima, afirma.

Os protestos começaram em Portland há quase dois meses. Desde então, são diárias as manifestações em defesa dos negros e contra a violência policial nos EUA. Uma das principais reivindicações dos manifestantes: cortes no orçamento da força policial.

Passadas as 21h, não há sinal nem da polícia local nem das unidades especiais que o presidente americano Donald Trump enviou a Portland. Mas a questão não é “se" as tropas chegarão, mas quando. E se elas darão a ordem para os manifestantes saírem por alto-falante ou se começarão a agir sem aviso prévio.

A direção de onde a polícia e as unidades especiais vêm parece ser conhecida. Normalmente, os policiais estão escondidos dentro de edifícios, diz um manifestante, apontando para os prédios em frente ao parque, normalmente usado por autoridades judiciais, mas que agora estão abrigando também uma base da polícia e uma prisão.

"Queremos deixar a polícia desconfortável"

Enquanto mais de mil pessoas continuam gritando "Black Lives Matter" (vidas negras importam), Jeff, que trabalha como zelador em uma escola, conta de sua filiação ao Ados, a organização política dos descendentes de escravos americanos. O Ados exige a abolição da polícia em sua forma atual e também exige reparações aos negros americanos cujos ancestrais foram escravizados.

"A população dos Estados Unidos vem sendo até aqui muito dócil. Nós não usamos o poder que temos", afirma Jeff. Para ele, a desobediência civil, como os manifestantes incendiando latas de lixo, jogando garrafas de água ou tentando desmontar barricadas, é eficaz e necessária.

Jeff explica que esse alerta constante ao qual a polícia é submetida é algo bastante comum para os negros americanos: "É assim que as pessoas negras se sentem 24 horas por dia. Precisamos deixar a polícia desconfortável para que eles saibam que estamos falando sério."

Pichações e danos materiais são o motivo oficial pelo qual a Polícia Federal dos EUA enviou unidades especiais para Portland para proteger edifícios e monumentos. Mas, segundo relatos, as forças de segurança também se misturam a manifestantes em roupas civis, levam as pessoas sob custódia sem prendê-las oficialmente e usam gás lacrimogêneo e balas de borracha.

As imagens das ações policiais dissuadem muitos moradores de Portland de participar dos protestos. Os manifestantes que estão nas ruas agora são uma equipe bem coordenada. Mas não parecem, de forma nenhuma, um "bando pronto para usar a violência" - como descreveu o secretário interino de Segurança Nacional dos EUA, Chad Wolf.

Voluntários bloqueiam os cruzamentos ao redor do parque à noite para impedir que os motoristas passem pela multidão. Em um canto, são motociclistas brancos e barbudos que colaram adesivo com as letras BLM, para "Black Lives Matter", em suas motos.

Em outra esquina, há duas mulheres brancas com suas bicicletas. Uma é professora de escola primária, a outra organizava passeios de bicicleta antes da pandemia. "Não sou o tipo de pessoa que gosta de ser confrontada com gás lacrimogêneo", diz a professora com um sorriso. "Quando a polícia chegar e fizer seu anúncio de que o lugar será limpo, eu irei para casa, como a maioria dos outros". Quanto maior a multidão, explica ela, mais tempo a polícia espera. Ela tem razão: a polícia só desobstruiria a praça depois da 0h naquela noite.



Proteção improvisada contra balas de borracha

Mas às vezes não é tão fácil sair da praça porque a polícia bloqueia as ruas e não deixa ninguém passar, relata Carey, uma mãe branca de duas crianças, uma das quais está servindo no Exército. "Estamos mais ou menos encurralados." E é assim que começam as cenas que terminam nas primeiras horas da manhã em batalhas de rua.

Carey vem participando do "Muro das Mães" há vários dias: inicialmente cerca de 30, agora centenas de mães, em sua maioria mulheres brancas, que ficam em frente aos manifestantes noite após noite, de braço dado, para protegê-los da polícia.

"Ontem, nós nem sequer bloqueamos uma rua. Ninguém estava saqueando, não havia tumultos e, de repente, um veículo com a polícia e equipamento de combate completo apareceu na esquina. Eles começaram jogando granadas de luz e som e depois veio o gás lacrimogêneo", conta Carey.

Isso explica porque muitos manifestantes parecem fazer parte de um exército de brinquedo. Para se protegerem da ação policial, eles usam não apenas a máscara obrigatória, mas também capacetes de bicicleta, óculos de natação, tampões para os ouvidos, joelhos, almofadas para as mãos e cotovelos, e até escudos de madeira improvisados.

Portland não se afunda no caos

Mais bem equipados, por exemplo, com máscaras de gás, estão os membros do Antifa, o movimento antifascista que se mistura com a multidão. O objetivo autodeclarado do grupo: documentar as atividades dos neonazistas e proteger outros manifestantes de ataques de extrema direita. No estado de Oregon, onde fica Portland, o movimento, que atua de forma descentralizada e anônima, já existe desde 2007.

Apesar de tudo isso, a cidade está longe de afundar no caos, como dizem alguns políticos. O protesto apenas virou parte do cotidiano. Além da manifestação diária na praça , há muitas outras ações contra a violência policial e o racismo na cidade: paradas semanais de carros, ações de cartazes nas esquinas, exposições de arte, comícios em parques ou leituras online. Nas janelas de muitas lojas, teatros, cafés ou estúdios de ioga, cartazes são pendurados nas janelas em apoio ao movimento "Black Lives Matter”.

E nos parques, moradores continuam a passear com os filhos e cães às margens dos protestos pacíficos. Esta noite não é exceção: a apenas um quarteirão de distância, clientes, sem se importar com a manifestação barulhenta ao lado, pegam a comida encomendada em um restaurante vietnamita.

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Autor: Julia Mahncke