Topo

Há 70 anos, protesto pedia clemência para assassinos nazistas

Hans Pfeifer

07/01/2021 14h30

Há 70 anos, protesto pedia clemência para assassinos nazistas - Em 7 de janeiro de 1951, milhares de alemães se reuniram na cidade de Landsberg para protestar contra a execução de criminosos de guerra nazistas. Seu pretexto era cristão, mas o antissemitismo subjacente segue vivo.O povo de Landsberg se arrumou para sair naquele 7 de janeiro de 1951. Era domingo, e 4 mil moradores se reuniram na histórica praça do mercado – quase um terço da população da cidade, situada a 60 quilômetros a oeste de Munique. A guerra acabara há menos de seis anos, a Alemanha atravessava seu assim chamado "milagre econômico".

A reivindicação dos manifestantes tinha cunho cristão: eles exigiam dos ocupadores americanos a suspensão da pena de morte para 28 homens presos em Landsberg e condenados pela Justiça militar dos Estados Unidos. Havia se espalhado pela cidade o boato de que as execuções ocorreriam em breve.

Manfred Deiler, diretor do Memorial Europeu do Holocausto de Landsberg, documentou o acontecimento: "De fato, nesse dia estava representada uma boa parte da população. Também estavam presentes o prefeito, vereadores e deputados estaduais vindos de fora."

Clemência para comandantes da SS



No entanto, a solidariedade dos cidadãos não se dirigia a presos comuns, mas sim a homens responsáveis por alguns dos piores crimes da história da humanidade. Como Oswald Pohl, que, na qualidade de diretor do Departamento Central de Administração Econômica da SS (organização paramilitar ligada ao Partido Nazista), participara de maneira decisiva da perpetração do Holocausto na época do nacional-socialismo.

Ou Otto Ohlendorf, o comandante de uma tropa de assalto da SS responsável pela morte de mais de 90 mil civis. Em setembro de 1941, a partir da União Soviética, sua divisão comunicava ao chefe da SS, Heinrich Himmler: "Territórios de ação do comando livre de judeus. De 19/08 a 25/09 foram executados 8.990 judeus e comunistas. Soma total 17.315. No momento o problema judaico está sendo resolvido em Nikolayev e Kherson."

Pohl e Ohlendorf foram presos ao fim da Segunda Guerra Mundial e, como centenas de outros detentos, alojados na Prisão Americana para Criminosos de Guerra nº 1, em Landsberg am Lech, às portas de Munique.

No começo do século 20, a cidade da Baviera vivera uma história movimentada. Lá Adolf Hitler ficou encarcerado em 1924, após a tentativa de golpe frustrada de novembro do ano anterior, e lá ele escreveu seu panfleto antissemita Minha luta.

Durante o regime nazista e a Segunda Guerra, a cidade abrigou a divisão externa de um campo de concentração: 23 mil presos, a maioria judeus do Leste Europeu, ficaram ali a serviço da indústria armamentista alemã, seguindo a estipulação do Estado nazista de "extermínio pelo trabalho".

Protesto dos sobreviventes do Holocausto

Após a guerra, muitos dos milhares de judeus então sem pátria permaneceram na cidade no acampamento para as chamadas "displaced persons" (pessoas desalojadas), no terreno de uma antiga caserna, aguardando a emigração para os Estados Unidos ou para o Estado de Israel, que fora fundado em 1948.

Em 7 de janeiro de 1951, a solidariedade dos habitantes de Landsberg para com os criminosos de guerra naturalmente chegara também aos ouvidos dos sobreviventes do Holocausto no acampamento vizinho, conta Manfred Deiler: "E aí eles também vieram e se manifestaram pelas vítimas do nacional-socialismo."

E lá tiveram que escutar os ardentes apelos da elite política presente à Justiça militar americana: "O deputado federal e principal orador Gebhard Seelos atacou severamente, em seu discurso, acima de tudo os processos de Nurembergue, e negou que os americanos estivessem aptos a se manifestar pelo Estado de direito."

O discurso causou indignação entre os sobreviventes: "Aí houve tumultos com os manifestantes contrários, que haviam se reunido à margem da praça. Ouviram-se expressões como 'Fora, judeus!' ou 'Voltem para a Palestina!'".



Mas o que movia aqueles milhares de cidadãos bávaros – além do antissemitismo persistente dos alemães –, em sua solidariedade com os assassinos de massa? Para Manfred Deiler, era a rejeição da culpa, muito difundida na Alemanha do pós-guerra: "Na mente de muita gente, na época, os americanos ainda eram invasores, apesar da fundação da República Federal da Alemanha. E na cabeça deles, um criminoso de guerra alemão ainda valia mais do que um invasor americano."

Espírito de 70 anos atrás persiste

Passados 70 anos, é cabível pelo menos duvidar da motivação cristã de parte dos manifestantes, ao se engajarem pelos criminosos de guerra. Um dos oradores de destaque na ocasião, Dr. Richard Jaeger, classificou como anticristã a pena de morte contra os 28 homens. No entanto, poucos anos depois, como ministro alemão da Justiça, ele ficou famoso por sua veemente defesa da reintrodução da pena capital na lei do país. Isso lhe valeu o apelido "Kopf-Ab-Jaeger" ("caçador corta-cabeça").

Para residentes de Landsberg politicamente engajados, como o diretor do Memorial do Holocausto Manfred Deiler, o clima da sociedade de 70 anos atrás está longe de ser história. "Quando olho as pesquisas de opinião, com as percentagens para a AfD [partido populista de direita Alternativa para a Alemanha], e suas palavras de ordem daquela época, eu diria que 20% da população ainda se guia pelo espírito daquela época."

O protesto de 7 de janeiro de 1951 foi bem-sucedido: das 28 sentenças capitais, apenas sete foram executadas em junho seguinte, entre as quais as contra Pohl e Ohlendorf.

Essas seriam as últimas condenações à morte pronunciadas em solo da República Federal da Alemanha. Pois com a Guerra Fria começou uma nova era para os EUA: o inimigo agora se chamava União Soviética, os alemães-ocidentais passaram a ser aliados. E assim, nos anos seguintes, a mudança de curso possibilitou a um ou outro assassino de massa alemão retornar a postos de peso na política e economia da jovem república do pós-guerra.


Autor: Hans Pfeifer