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Olaf Scholz, quando pragmatismo rende mais votos que carisma

Sabine Kinkartz

20/09/2021 05h36

Olaf Scholz, quando pragmatismo rende mais votos que carisma - Candidato social-democrata à chefia do governo alemão exibe imagem de gerente de crises. Consciente da sua falta de carisma, ele aposta na experiência e na preferência do eleitorado por estabilidade.Olaf Scholz visita as áreas destruídas pelas enchentes e promete bilhões em ajuda. Diante da quarta onda da pandemia, o Ministério das Finanças sob sua conduta promete às empresas em dificuldades apoio financeiro até o final do ano. Com o celular no ouvido, Scholz aparece em frente ao Capitólio em Washington, durante negociações para a aplicação de um imposto mínimo global. Enquanto cruza os canais de Veneza, a caminho da cúpula do G20, ele negocia um pacto para um sistema de tributação internacional.

Essa é a imagem que o social-democrata Olaf Scholz tenta projetar. Algo também explorado pela sua legenda, o Partido Social-Democrata (SPD, na sigla em alemão), que propagandeia seu candidato à Chancelaria Federal da Alemanha como um experiente, eficiente e pragmático administrador.

Scholz é ministro das Finanças no gabinete da chanceler federal Angela Merkel desde 2018 e também vice-chanceler na coalizão governamental entre o SPD e a conservadora União Democrata-Cristã (CDU).

No momento, Scholz é o favorito nas pesquisas para liderar um novo governo após a aposentadoria de Merkel. Seu partido, após anos de desgaste, aparece com até 26% das intenções de voto. Já a CDU de Merkel, que tem Armin Laschet como candidato, vem amargando em torno de 20%, algo inédito para os conservadores.

E a imagem de pragmático e eficiente parece ter surtido efeito no eleitorado. Pesquisas mostram que Scholz é até mais popular que seu partido. Até 34% dos eleitores afirmam que preferem o social-democrata como chanceler federal.

O cenário é especialmente desolador para a CDU porque o social-democrata Scholz, e não Laschet, tem tido sucesso em emplacar entre os eleitores uma imagem de "novo Merkel", ou uma figura de continuidade tranquilizadora. Recentemente, o ministro das Finanças chegou a posar para uma revista imitando o "Merkel-Raute", o gesto com as mãos em formato de losango que é a marca registrada da chanceler.

Carreira não livre de percalços

Essa ascensão não deixou de causar surpresa na Alemanha. Scholz foi indicado como candidato a chanceler federal pelo SPD mais de um ano antes das eleições gerais. O anúncio foi visto como arriscado por ocorrer tão antes do pleito, já que o escrutínio público poderia ser maior. E foi surpreendente porque Scholz havia perdido meses antes a disputa pela liderança do SPD, que hoje está nas mãos de Saskia Esken e Norbert Walter-Borjans, figuras mais à esquerda de Scholz. É raro na história recente da política alemã que um candidato a chanceler não ocupe ao mesmo tempo a liderança do seu partido.

"Encontramos uma maneira de trabalhar juntos de forma muito próxima e harmoniosa", disse Scholz após sua indicação. "Na verdade, começamos a cooperar estreitamente um com o outro imediatamente após a eleição para a chefia do SPD, e uma confiança muito grande cresceu."

A fala foi um exemplo de como Scholz lida com as crises: levante-se, não se deixe abater e nunca duvide de si mesmo.

Com 63 anos, Scholz exibe uma autoconfiança que parece inabalável. Em suas décadas de carreira política, ele enfrentou muitas outras tempestades em sua longa carreira política.

São raras as ocasiões em que ele perde a calma, como quando teve de ficar na defensiva num recente debate ao vivo na TV, ao ser questionado pelas investigações do Ministério Público em seu ministério. Trata-se do chamado escândalo do Wirecard, uma empresa alemã de processamento de pagamentos que faliu em 2020, após a revelação de práticas contábeis ilegais. O ministro das Finanças foi acusado pelo seu rival conservador, Armin Laschet, de omissão no caso e de não investir o suficiente na supervisão de empresas do tipo. Scholz rebateu as acusações e afirmou que Laschet estava sendo desonesto ao tentar relacionar o caso à sua gestão na pasta.

Como ministro das Finanças, Scholz também ocupou uma boa posição para brilhar na crise causada pela pandemia de coronavírus: ele é responsável por desembolsar bilhões de euros em fundos de emergência para ajudar a economia e os cidadãos do país. "Esta é a bazuca necessária para fazer o trabalho", prometeu Scholz durante a crise. "Estamos colocando todas as nossas armas na mesa para mostrar que somos fortes o suficiente para superar qualquer desafio econômico que esse problema possa representar."

Em tempos de crise, o pragmatismo parece mais importante do que o carisma. E carisma é justamente algo que Scholz não esbanja. É muito raro que ele demonstre emoções. Mesmo em momentos de alegria, ele exibe a contenção de um mordomo britânico, como observou uma jornalista.

Soldado do partido

Em 2003, o semanário alemão Die Zeit o apelidou de "Scholzomat", uma combinação de seu nome e "Automat", a palavra alemã para "máquina", aludindo à tendência do secretário-geral do Partido Social Democrata (SPD) usar o jargão tecnocrático e de ser insistente ao "vender" uma ideia.

Hoje, o trabalho dessa "máquina" é continuar vendendo as políticas do SPD. Tudo começou com o controverso programa de reforma do mercado de trabalho do início dos anos 2000, chamado Agenda 2010, que trouxe rígidos cortes em benefícios sociais, mas também proporcionou um caminho para o crescimento econômico nos anos seguintes. Scholz defendeu a polêmica reforma do chanceler social-democrata Gerhard Schröder, tanto fora como dentro de seu partido.

"Eu era o homem encarregado de vender a mensagem. Eu tinha que demonstrar uma certa implacabilidade", diria Scholz mais tarde. Não se tratava de sua própria visão sobre o tema, mas da necessidade de demonstrar "absoluta lealdade" ao então chefe de governo e unir o partido. "Eu me sentia um soldado", disse. "Eu não estava tentando salvar a mim, mas meu partido."

No final, as reformas não foram bem recebidas por grande parte do eleitorado. Não só o SPD perdeu a Chancelaria Federal para a CDU como Scholz ganhou uma imagem da qual levaria algum tempo para se livrar: a de burocrata entediante.

Dentro do SPD, muitos tiveram dificuldade em simpatizar com essa pessoa pragmática de personalidade introvertida e racional de Hamburgo, que nunca diz mais do que o absolutamente necessário.

Mas Scholz se agarrou a suas armas, continuando a ascender silenciosamente na carreira política. Ele foi secretário-geral do SPD, secretário do Interior e prefeito de Hamburgo, e desde 2018 é ministro das Finanças e vice-chanceler federal da Alemanha.

Scholz é considerado um membro da ala conservadora do partido, mas é difícil classificá-lo como de esquerda ou de direita. Como líder adjunto da organização juvenil social-democrata Jusos, nos anos 1980, muitos de seus pontos de vista eram socialmente radicais e altamente críticos ao capitalismo.

Mas já se passou muito tempo desde que Scholz ingressou no SPD como estudante do ensino médio, em 1975, e da sua eleição a deputado federal do Bundestag, em 1998. Em Hamburgo, ele se especializou em Direito empresarial, quando aprendeu muito sobre o funcionamento da economia e do empreendedorismo. Isso o marcou.

A campanha

Levou muito tempo para que ele reconhecesse que política também é fazer ouvir sua mensagem e vender sua agenda. Mas nos debates dos candidatos à liderança do SPD no final de 2019, o ministro das Finanças parecia transformado.

Seu comportamento foi mais emotivo, mais acessível e, acima de tudo, mais amigável. Ao mesmo tempo, ele não fez segredo de sua crença de que estava na fila para o cargo. Ao final, ele sofreu uma derrota chocante para a dupla mais à esquerda, formada por Saskia Esken e Norbert Walter-Borjans.

Mas o velho soldado do partido se manteve firme. Scholz permaneceu concentrado em seu trabalho no governo e deixou que os novos líderes social-democratas fizessem o deles. Ele continuou leal, seguro na suposição de que a nova liderança, segundo ele inexperiente na política, cometeria os próprios erros.

Nos meses seguintes à sua nomeação como candidato a chanceler federal, Scholz evitou grandes gafes. Em agosto último, seus índices de popularidade começaram a subir. Ele tem se vendido como garantia de estabilidade e é responsabilizado pela ascensão inesperada do SPD nas pesquisas de opinião. Pesquisas realizadas após os dois debates televisivos entre os principais candidatos à chefia de governo deram a vitória para Scholz.

Em 26 de setembro de 2021, entretanto, os partidos serão eleitos, e não os candidatos diretamente. Por muito tempo, o SPD aparecia em terceiro lugar nas pesquisas, atrás da CDU e dos verdes. "Quem quiser que eu seja chanceler federal tem de votar no SPD", repete Scholz. Isso parece ter tido efeito. Nas últimas semanas, o SPD obteve ganhos significativos nas pesquisas, primeiro ultrapassando os verdes e depois também a CDU.


Qualquer futuro governo na Alemanha terá que ser baseado em uma coalizão, provavelmente de três partidos. Potenciais candidatos a uma aliança de governo com o SPD são o Partido Verde e o Partido Liberal Democrata (FDP). Também A Esquerda (Die Linke) é cogitada.

Se o SPD conseguir se tornar o partido mais forte na votação de 26 de setembro, Olaf Scholz será o sucessor de Angela Merkel na chefia do governo da Alemanha.


Autor: Sabine Kinkartz