"Um ano após tragédia de Petrópolis, risco continua"
"Um ano após tragédia de Petrópolis, risco continua" - Para atual deputado e ex-vereador de Petrópolis, omissão do poder público deixa a cidade na região serrana do Rio vulnerável a novos deslizamentos. Desastre provocado por chuvas intensas deixou 241 mortos.A tragédia que vitimou 241 pessoas em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, completa um ano nesta quarta-feira (15/02). Em meio a chuvas intensas, deslizamentos de terra deixaram mais de 4 mil desabrigados. Após grande repercussão inicial, o episódio parece ter sido esquecido pelo poder público. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) levantou que, das 136 localidades que precisavam de obras, 113 ainda estão sem previsão – 83% do total.
Cenas de pessoas à procura de familiares sob escombros ainda estão vivas para quem esteve na cidade logo após a tragédia. Desde então, as famílias desabrigadas recebem o benefício temporário do Aluguel Social no valor de R$ 1.000. Sem amparo psicológico para lidar com os traumas, a população atingida convive com o medo de novos deslizamentos.
O deputado estadual Yuri Moura (PSOL-RJ), recém-eleito para mandato na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), era vereador em Petrópolis na época da tragédia. Ele presidiu a Comissão Especial de Assistência Social e Moradia e, na Alerj, ajudou a articular a criação da Frente Parlamentar de Prevenção à Tragédia e em Defesa da Moradia Digna.
Em contato permanente com famílias afetadas pelo desastre, Moura lamenta que as ações do poder público no sentido de evitar novas tragédias tenham sido insuficientes até aqui. Ele lembra que nenhuma moradia foi entregue aos desabrigados no último ano, enquanto as áreas mais atingidas continuam a apresentar vulnerabilidade.
"São localidades que sofreram muito e que, infelizmente, não receberam as intervenções necessárias. Isso quer dizer que continuam em risco", afirma o deputado, em entrevista à DW.
Nos últimos dias, a região voltou a registrar chuvas fortes, o que acendeu o alerta de novos desmoronamentos e enchentes. Nesta terça-feira (14/02), um temporal acionou as sirenes em áreas de risco na cidade, dois rios transbordaram, e a prefeitura abriu pontos de apoio para receber moradores.
Neste último ano, a prefeitura fez algumas obras para o restabelecimento das funções essenciais da cidade, enquanto o estado do Rio iniciou cinco obras de grande porte, algumas já concluídas. Apesar das ações executadas até aqui, o relatório do Ministério Público deixa claro que as áreas mais sensíveis não receberam a atenção devida.
Moura lamenta ainda que, neste mês, o governador Cláudio Castro tenha inicialmente cortado quase 400 famílias do Aluguel Social. Após mobilização conjunta entre prefeitura, MP-RJ, Defensoria Pública e parlamentares, o número de famílias excluídas do programa caiu para pouco mais de 100.
"O que fica para a gente é o medo do que pode acontecer daqui para frente, junto de uma indignação por décadas de falta de política habitacional e do uso injusto da terra em Petrópolis, onde tem terreno para construir condomínio de rico, mas não tem espaço para construir casa para pobre. Isso sem falar em um esquecimento e apagamento da memória de tantas tragédias que nos trouxeram até aqui", afirma o deputado.
DW: Que ações foram tomadas ao longo do último ano para evitar que novas tragédias aconteçam em Petrópolis?
Yuri Moura: Infelizmente, muito pouco foi feito. O primeiro ponto é que não teve solução habitacional. Nenhuma moradia foi entregue, nenhuma unidade habitacional foi provida a essas famílias vítimas. Estamos falando de mais de 4 mil famílias que estão no Aluguel Social.
O segundo é que as obras de reconstrução e de prevenção nos grandes pontos atingidos não tiveram início ainda: Vila Felipe, Chácara Flora, Morro do Oficina, algumas áreas do Quitandinha, até mesmo na Rua Nova, na 24 de Maio. São localidades que sofreram muito e que, infelizmente, não receberam as intervenções necessárias. Isso quer dizer que continuam em risco.
Muitas famílias que retornaram, ou famílias que ainda estão no Aluguel Social, não tiveram uma resposta contundente. O que avançou foi a consolidação dos núcleos comunitários de defesa civil. Esses núcleos ajudam muito na resposta a qualquer tipo de chuva mais forte ou qualquer tipo de calamidade que possa vir, mas ainda assim não resolvem o problema.
O que está faltando é uma integração maior entre município, governo do estado e governo federal, para que a gente possa dar uma solução real para esse problema histórico que se arrasta por décadas: de falta de moradia e de milhares de famílias morando no risco.
Como você avalia a resposta do poder público à tragédia, do momento inicial até agora?
O que faltou, em um primeiro momento, foi a integração entre município, estado e governo federal. Para além da questão operacional de efetivação do plano de contingência, que é a ferramenta de Defesa Civil para responder a uma calamidade como esta, houve também muita disputa política fora de tempo. Isso continua se desdobrando, ao longo dos meses, nas obras de reconstrução da cidade. Tanto é que o Departamento de Recursos Minerais (DRM), um órgão do estado do Rio de Janeiro, apontou que, das 136 localidades que precisavam de obras, 113 ainda estão sem previsão. Esse levantamento foi feito pelo MP, a partir dos laudos de monitoramento do DRM.
Isso quer dizer que, de 136, 113 ainda estão sem resposta, enquanto o governo do estado tem seis obras em andamento e sete obras prometidas, que nem licitadas foram. Além do problema que eu já citei de falta de convênio com o município, a gente percebe que as maiores obras municipais foram feitas na área de mobilidade – restabelecimento de vias, contenção de margem de rio – mas pouca coisa, seja pelo estado ou pelo município, foi feita em prevenção e reconstrução. Muito menos em habitação, ou seja, proposição de moradia digna para essas famílias, já que o governo federal não fez nada por Petrópolis. Mandou alguns recursos, menos de R$ 30 milhões de resposta à catástrofe, mas não fez nenhuma obra e sequer construiu uma unidade.
Você tem denunciado ativamente o corte de famílias desabrigadas do programa Aluguel Social, pelo governo do Rio. Qual é a gravidade dessa situação?
É uma grande covardia o que o governo Cláudio Castro fez com centenas de famílias que perderam o direito ao aluguel social. De início, foram quase 400 famílias cortadas, aí a gente se mobilizou enquanto mandato. A Defensoria Pública, o Ministério Público e a Secretaria Municipal de Assistência de Petrópolis trabalharam muito para reverter isso e provaram que boa parte dessas famílias tinha direito.
O problema é que 106 famílias ficaram para trás. São 106 famílias de servidores, que atendem ao critério da renda familiar de até cinco salários mínimos. E aí, eu quero lembrar que famílias de servidores com até cinco salários mínimos são famílias que têm muito empréstimo consignado, que perderam tudo na tragédia, ou seja, precisam reconstruir suas vidas e que, simplesmente, estão sendo consideradas agora como famílias que cometeram fraude, simplesmente por receberem seus direitos.
Esse problema existe porque o governo do estado editou uma resolução divergente do que falam todas as normativas do Aluguel Social no estado, pelas quais famílias com renda de até cinco salários mínimos podem receber o benefício. E colocou uma resolução dizendo que o teto era de três salários mínimos para as vítimas da tragédia em Petrópolis. É uma covardia que fere os princípios do direito adquirido, da dignidade humana e da isonomia.
O município de Petrópolis entrou na Justiça para tentar reverter isso, o nosso mandato apresentou uma indicação na Alerj para poder revogar essa resolução que tira o direito dessas famílias. E a gente tem feito um trabalho de enfrentamento, de denúncia e de fiscalização, para garantir que essas famílias, até o final do mês, recebam seu benefício, seu direito e não sejam despejadas. Ou seja, mais uma vez o governo do estado não está cumprindo com sua promessa em Petrópolis.
Tendo em vista a dimensão da tragédia, houve algum suporte de saúde mental para familiares de vítimas?
Infelizmente, pouco foi feito no atendimento psicossocial quanto à saúde mental dessas famílias. Todo mundo ainda está muito apreensivo, todo mundo ainda tem muito medo de qualquer chuva que começa a cair em Petrópolis. Pelo fato de não termos tido uma resposta contundente por parte do poder público, todo mundo anda muito receoso. Isso também tem impacto na nossa equipe e até mesmo em mim, como parlamentar e petropolitano, nascido e criado.
O que fica para a gente é o medo do que pode acontecer daqui para frente, junto de uma indignação por décadas de falta de política habitacional e do uso injusto da terra em Petrópolis, onde tem terreno para construir condomínio de rico, mas não tem espaço para construir casa para pobre. Isso sem falar em um esquecimento e apagamento da memória de tantas tragédias que nos trouxeram até aqui.
Nossa luta não é fácil, ela tem laço afetivo e emocional, mas lado a lado, de forma coletiva com essas famílias, a gente não vai desistir de mudar essa história.
Autor: João Pedro Soares (do Rio)
Cenas de pessoas à procura de familiares sob escombros ainda estão vivas para quem esteve na cidade logo após a tragédia. Desde então, as famílias desabrigadas recebem o benefício temporário do Aluguel Social no valor de R$ 1.000. Sem amparo psicológico para lidar com os traumas, a população atingida convive com o medo de novos deslizamentos.
O deputado estadual Yuri Moura (PSOL-RJ), recém-eleito para mandato na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), era vereador em Petrópolis na época da tragédia. Ele presidiu a Comissão Especial de Assistência Social e Moradia e, na Alerj, ajudou a articular a criação da Frente Parlamentar de Prevenção à Tragédia e em Defesa da Moradia Digna.
Em contato permanente com famílias afetadas pelo desastre, Moura lamenta que as ações do poder público no sentido de evitar novas tragédias tenham sido insuficientes até aqui. Ele lembra que nenhuma moradia foi entregue aos desabrigados no último ano, enquanto as áreas mais atingidas continuam a apresentar vulnerabilidade.
"São localidades que sofreram muito e que, infelizmente, não receberam as intervenções necessárias. Isso quer dizer que continuam em risco", afirma o deputado, em entrevista à DW.
Nos últimos dias, a região voltou a registrar chuvas fortes, o que acendeu o alerta de novos desmoronamentos e enchentes. Nesta terça-feira (14/02), um temporal acionou as sirenes em áreas de risco na cidade, dois rios transbordaram, e a prefeitura abriu pontos de apoio para receber moradores.
Neste último ano, a prefeitura fez algumas obras para o restabelecimento das funções essenciais da cidade, enquanto o estado do Rio iniciou cinco obras de grande porte, algumas já concluídas. Apesar das ações executadas até aqui, o relatório do Ministério Público deixa claro que as áreas mais sensíveis não receberam a atenção devida.
Moura lamenta ainda que, neste mês, o governador Cláudio Castro tenha inicialmente cortado quase 400 famílias do Aluguel Social. Após mobilização conjunta entre prefeitura, MP-RJ, Defensoria Pública e parlamentares, o número de famílias excluídas do programa caiu para pouco mais de 100.
"O que fica para a gente é o medo do que pode acontecer daqui para frente, junto de uma indignação por décadas de falta de política habitacional e do uso injusto da terra em Petrópolis, onde tem terreno para construir condomínio de rico, mas não tem espaço para construir casa para pobre. Isso sem falar em um esquecimento e apagamento da memória de tantas tragédias que nos trouxeram até aqui", afirma o deputado.
DW: Que ações foram tomadas ao longo do último ano para evitar que novas tragédias aconteçam em Petrópolis?
Yuri Moura: Infelizmente, muito pouco foi feito. O primeiro ponto é que não teve solução habitacional. Nenhuma moradia foi entregue, nenhuma unidade habitacional foi provida a essas famílias vítimas. Estamos falando de mais de 4 mil famílias que estão no Aluguel Social.
O segundo é que as obras de reconstrução e de prevenção nos grandes pontos atingidos não tiveram início ainda: Vila Felipe, Chácara Flora, Morro do Oficina, algumas áreas do Quitandinha, até mesmo na Rua Nova, na 24 de Maio. São localidades que sofreram muito e que, infelizmente, não receberam as intervenções necessárias. Isso quer dizer que continuam em risco.
Muitas famílias que retornaram, ou famílias que ainda estão no Aluguel Social, não tiveram uma resposta contundente. O que avançou foi a consolidação dos núcleos comunitários de defesa civil. Esses núcleos ajudam muito na resposta a qualquer tipo de chuva mais forte ou qualquer tipo de calamidade que possa vir, mas ainda assim não resolvem o problema.
O que está faltando é uma integração maior entre município, governo do estado e governo federal, para que a gente possa dar uma solução real para esse problema histórico que se arrasta por décadas: de falta de moradia e de milhares de famílias morando no risco.
Como você avalia a resposta do poder público à tragédia, do momento inicial até agora?
O que faltou, em um primeiro momento, foi a integração entre município, estado e governo federal. Para além da questão operacional de efetivação do plano de contingência, que é a ferramenta de Defesa Civil para responder a uma calamidade como esta, houve também muita disputa política fora de tempo. Isso continua se desdobrando, ao longo dos meses, nas obras de reconstrução da cidade. Tanto é que o Departamento de Recursos Minerais (DRM), um órgão do estado do Rio de Janeiro, apontou que, das 136 localidades que precisavam de obras, 113 ainda estão sem previsão. Esse levantamento foi feito pelo MP, a partir dos laudos de monitoramento do DRM.
Isso quer dizer que, de 136, 113 ainda estão sem resposta, enquanto o governo do estado tem seis obras em andamento e sete obras prometidas, que nem licitadas foram. Além do problema que eu já citei de falta de convênio com o município, a gente percebe que as maiores obras municipais foram feitas na área de mobilidade – restabelecimento de vias, contenção de margem de rio – mas pouca coisa, seja pelo estado ou pelo município, foi feita em prevenção e reconstrução. Muito menos em habitação, ou seja, proposição de moradia digna para essas famílias, já que o governo federal não fez nada por Petrópolis. Mandou alguns recursos, menos de R$ 30 milhões de resposta à catástrofe, mas não fez nenhuma obra e sequer construiu uma unidade.
Você tem denunciado ativamente o corte de famílias desabrigadas do programa Aluguel Social, pelo governo do Rio. Qual é a gravidade dessa situação?
É uma grande covardia o que o governo Cláudio Castro fez com centenas de famílias que perderam o direito ao aluguel social. De início, foram quase 400 famílias cortadas, aí a gente se mobilizou enquanto mandato. A Defensoria Pública, o Ministério Público e a Secretaria Municipal de Assistência de Petrópolis trabalharam muito para reverter isso e provaram que boa parte dessas famílias tinha direito.
O problema é que 106 famílias ficaram para trás. São 106 famílias de servidores, que atendem ao critério da renda familiar de até cinco salários mínimos. E aí, eu quero lembrar que famílias de servidores com até cinco salários mínimos são famílias que têm muito empréstimo consignado, que perderam tudo na tragédia, ou seja, precisam reconstruir suas vidas e que, simplesmente, estão sendo consideradas agora como famílias que cometeram fraude, simplesmente por receberem seus direitos.
Esse problema existe porque o governo do estado editou uma resolução divergente do que falam todas as normativas do Aluguel Social no estado, pelas quais famílias com renda de até cinco salários mínimos podem receber o benefício. E colocou uma resolução dizendo que o teto era de três salários mínimos para as vítimas da tragédia em Petrópolis. É uma covardia que fere os princípios do direito adquirido, da dignidade humana e da isonomia.
O município de Petrópolis entrou na Justiça para tentar reverter isso, o nosso mandato apresentou uma indicação na Alerj para poder revogar essa resolução que tira o direito dessas famílias. E a gente tem feito um trabalho de enfrentamento, de denúncia e de fiscalização, para garantir que essas famílias, até o final do mês, recebam seu benefício, seu direito e não sejam despejadas. Ou seja, mais uma vez o governo do estado não está cumprindo com sua promessa em Petrópolis.
Tendo em vista a dimensão da tragédia, houve algum suporte de saúde mental para familiares de vítimas?
Infelizmente, pouco foi feito no atendimento psicossocial quanto à saúde mental dessas famílias. Todo mundo ainda está muito apreensivo, todo mundo ainda tem muito medo de qualquer chuva que começa a cair em Petrópolis. Pelo fato de não termos tido uma resposta contundente por parte do poder público, todo mundo anda muito receoso. Isso também tem impacto na nossa equipe e até mesmo em mim, como parlamentar e petropolitano, nascido e criado.
O que fica para a gente é o medo do que pode acontecer daqui para frente, junto de uma indignação por décadas de falta de política habitacional e do uso injusto da terra em Petrópolis, onde tem terreno para construir condomínio de rico, mas não tem espaço para construir casa para pobre. Isso sem falar em um esquecimento e apagamento da memória de tantas tragédias que nos trouxeram até aqui.
Nossa luta não é fácil, ela tem laço afetivo e emocional, mas lado a lado, de forma coletiva com essas famílias, a gente não vai desistir de mudar essa história.
Autor: João Pedro Soares (do Rio)
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