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Terror policial na Bahia: com PM que mais mata, o que explica escalada de violência?

Polícia Militar da Bahia passou a do RJ Imagem: PM da Bahia/Divulgação

Guilherme Henrique;

14/08/2023 04h00Atualizada em 14/08/2023 08h28

As últimas semanas foram marcadas pela violência e medo para quem vive na Bahia. Entre os dias 28 de julho e 4 de agosto, uma série de operações policiais na periferia de Salvador e em cidades da região metropolitana deixaram um saldo de mais de 30 mortos.

A situação reflete um crescimento apontado desde 2015, quando o estado registrou 354 mortes vítimas de intervenção policial. O ápice desse cenário aconteceu no ano passado. Segundo informações do Fórum de Segurança Pública, o número de mortes saltou para 1.464. O estado assumiu a liderança do ranking no quesito, ultrapassando o Rio de Janeiro.

Em 29 de julho, sete pessoas morreram após ação policial na cidade de Camaçari. De acordo com o governo estadual, as vítimas faziam parte de uma facção criminosa. Dois dias depois, nova ação da policial, desta vez na pequena Itatim, com 15 mil habitantes: oito pessoas mortas, incluindo três adolescentes.

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No dia 31, mais quatro pessoas morreram na cidade de Jaguarari. Por fim, na sexta-feira, 4 de agosto, 10 pessoas foram mortas pela polícia em duas ações distintas, ambas em Salvador: cinco no bairro de IAPI e outras cinco na região de Águas Claras.

"A Bahia tem um longo histórico de violência policial letal e esta característica se relaciona com diversos fenômenos sociais, políticos e institucionais, dos quais destacamos o racismo e a escolha do terror policial como política de segurança pública e gerenciamento das desigualdades sociorraciais.", afirmou à DW Brasil Samuel Vida, professor e coordenador do programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

"Temos visto um reforço do comando da polícia de que a letalidade faz parte do seu entendimento de eficácia em sua politica pública, o que é muito grave d o ponto de vista institucional, jurídico e, claro, humano", complementa Dudu Ribeiro, historiador e coordenador executivo da Iniciativa Negra Por uma Nova Política De Drogas.

Questionada pela DW Brasil, a Secretaria de Segurança Pública afirmou em nota que os casos de intervenção policial com resultado morte na Bahia apresentaram redução de 5,8% no primeiro semestre de 2023 e destacou que 19 armas foram apreendidas durante os confrontos. "A SSP ressalta ainda que são constantes os investimentos em capacitação, tecnologia e inteligência para as forças de segurança do Estado, buscando sempre, como principal objetivo, a preservação de vidas, bem como a legalidade das ações policiais."

16 anos de PT: governos apostaram no confronto

A Bahia é governada pelo PT há 16 anos. Em quase duas décadas, ocuparam o posto Jacques Wagner, Rui Costa, hoje ministro-chefe da Casa Civil no governo Lula, e Jerônimo Rodrigues, atual governador

Samuel Vida cita um longo histórico de ações governamentais que, segundo ele, conduziram a Bahia à crise vivida atualmente. "Desde 2007, com Wagner, as ações governamentais na área da segurança pública foram conduzidas pela adesão ao modelo penal do populismo punitivista, materializado, sobretudo, na falácia da "guerra às drogas" e na explícita orientação da atividade policial para o confronto, como estratégia política", explica.

Nesse período foram criadas unidades especializadas em confronto e de alta letalidade, como a Rondesp, a Patamo, o Bope e a Peto. Sobre Rui Costa, as críticas são de que o ex-governador não fez esforços para instalar as câmeras no fardamento dos policiais e aprovou uma norma determinando que os crimes contra a vida praticados por policiais militares deveriam ser investigados pela própria corporação, excluindo a polícia civil da apuração - a medida foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça da Bahia em março deste ano.

"Seu governo (Rui Costa) marca a disparada da letalidade policial. Desde então, verifica-se uma crescente transferência da letalidade policial para as ações institucionais da polícia baiana", aponta Samuel Vida

"Não dá para perceber diferenças nos discursos sobre segurança publica, e também nas ações, entre gestores da direita e da esquerda. A ideia central continua sendo, para ambos os lados, uma agenda que reforça o punitivismo, uma guerra às drogas que não tem a proteção da vida como norteador na segurança pública", avalia o historiador Dudu Ribeiro.

A socióloga Vilma Reis afirma que os governos de esquerda precisam apresentar ideias novas, a partir das bandeiras políticas que o campo político defende. "Nós, que estamos no campo dos direitos humanos, nós não podemos ficar refém do projeto da direita na segurança pública. Não podemos comemorar e celebrar o horror. Nosso programa precisa fortalecer os movimentos civis e ouvir a sociedade. Nós não precisamos seguir a estrutura do populismo penal"

Influência do crime organizado

O discurso de guerra às drogas utilizado pelas autoridades e criticado por professores e ativistas convive com a presença de facções criminosas no Nordeste. Em janeiro deste ano, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) divulgou que as apreensões de cocaína no estado aumentaram quase 150% em 2022 - de 870 quilos em 2021 para 2.160 quilos no ano passado.

Em maio, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que uma facção regional, a Bonde do Maluco (BDM), estava aliada ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e havia transformado uma ilha na Baía de Todos os Santos em um ponto de logística de transporte, fornecimento e exportação de drogas e armas.

Outras cidades, sobretudo no interior, como Jequié, Camaçari, Santo Antônio de Jesus e Simões Filho, que figuram entre as mais perigosas do Brasil, segundo o Fórum de Segurança Pública, vivem imersas em disputas do narcotráfico.

"Há uma intensa movimentação de disputas territoriais, tanto no interior, como na capital, que implicam em novos arranjos criminosos arquitetados através de conflagrações de elevada intensidade, com alto custo de vidas, além da disseminação da violência e medo entre as comunidades mais atingidas", explica Samuel Vida.

"Uma característica importante da violência na Bahia é a pulverização das organizações regionais. O tráfico alimentou um processo de disputa pelo território que se acentua. Esse contexto, que já é violento, piora ainda mais pelo reforço das estratégias propostas pela secretaria de segurança pública, que foca seus esforços na lógica do tiroteio, do confronto, e não da investigação", aponta Dudu Ribeiro.

Violência contra negros

O ativista, no entanto, aponta que o discurso de "guerra às drogas" é falho, porque não tem conseguido acabar a violência e a capilaridade das organizações e, por outro lado, tem ajudado a aumentar os ataques contra negros e pobres, sobretudo os mais jovens.

Em 2020, um estudo a Iniciativa Negra em Salvador mostrou que as abordagens policiais tinham resultados distintos de acordo com a localidade. Com base nos dados Secretaria de Segurança Pública, a organização revelou que bairros majoritariamente negros registraram 79 ocorrências por uso/porte de substâncias ao passo que o número de homicídios dolosos e violências somaram 209 registros.

Já os bairros com maioria branca e próximos ao centro registraram 151 casos de uso/porte de substâncias entorpecentes e, ao mesmo tempo, houve 33 casos de homicídios dolosos. Em novembro do ano passado, a Rede de Observatórios de Segurança mostrou que, das 616 pessoas mortas em decorrência de ação policial no estado em 2021, 603 eram negras.

"Essa dita guerra às drogas é uma liberação para o uso da força contra o corpo negro. Essa pesquisa mostra que o julgamento por parte do policial acontece antes mesmo de algo ser encontrado", salienta Dudu Ribeiro.

O que pode ser feito

Dudu Ribeiro, Samuel Vida e Vilma Reis convergem ao avaliar que a instalação das câmeras no fardamento policial deva ser a primeira atitude da Secretaria de Segurança Pública. O governo do estado já disse que o equipamento foi adquirido e promete colocá-lo em funcionamento até o fim do ano. "A implementação é urgente, para controlar a atividade policial, que detém o monopólio do uso da força, evitar abusos como e proteger a cadeia de provas em um eventual processo militar", comenta Dudu Ribeiro.

Vilma Reis afirma que o governo precisa criar uma Ouvidoria Externa, não vinculada às polícias estaduais, para receber denúncias e ser um elo com a sociedade civil. A medida é compartilhada por Samuel Vida. "É um controle externo da atividade policial que precisa estar ativo o mais rápido possível", diz ela, que atuou como Ouvidora Geral da Defensoria Pública.

Eles também defendem uma participação maior da sociedade civil na formulação de políticas públicas. "É urgente a instalação de um gabinete de emergência que reúna representações governamentais, as universidades e a sociedade civil, especialmente as mães e familiares de vítimas da violência estatal, para a formulação de políticas de reorientação da ação policial na Bahia", analisa Samuel Vida.

Essa reorientação, segundo Vilma Reis, passa também pelos investimentos na área de segurança pública. "O modelo brasileiro não é de investigação, mas de confronto. Ou então são as operações de vingança, como vimos na Baixada Santista", ressalta ela.

"Esse modelo trata a população como inimiga. A política de segurança deve mudar já na distribuição dos recursos, já que a maioria da verba é destinada para armamento e aquisição de munição. Isso mantém a estrutura armamentista. Devemos olhar para a formação do policial, os sistemas de inteligência, de investigação. É preciso haver um resquício de democracia nessa distribuição", finaliza a socióloga.

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