Ondas de calor longas, seca e dengue: como será o mundo se esquentar 3ºC?
Imerso na mais grave seca da história após meses de temperatura acima da média, o Brasil pode viver crises desta magnitude com maior frequência nas próximas décadas. Se o planeta continuar na rota atual de 3 °C de aquecimento em relação à era pré-industrial, as ondas de calor, transmissão de doenças e demanda por energia para ar-condicionado terão impactos devastadores.
A conclusão é de um estudo feito pelo World Resource Institute (WRI) divulgado nesta quinta-feira (19/09). A análise considerou dados de 996 cidades com população superior a 500 mil habitantes. Do Brasil, 32 entraram na lista. Entre elas estão Manaus, Belém, Aracaju, Goiânia, Cuiabá, Uberlândia, Belo Horizonte, São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Maceió e Fortaleza.
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Os pesquisadores compararam indicadores de risco de áreas estratégicas como saúde pública, infraestrutura e produtividade econômica para entender como as cidades respondem a diferentes cenários: sob 1,5 °C, 2 °C e 3 °C de aquecimento da temperatura média da Terra.
"A diferença entre 1,5 °C e 3 °C tem consequências de vida ou morte para bilhões de pessoas no mundo todo", afirma Rogier van den Berg, diretor global do WRI Ross Center for Sustainable Cities, que liderou o estudo.
Os piores impactos serão sentidos pelos mais pobres: considerando todo o globo, moradores de cidades de menor renda localizadas na África Subsaariana, América Latina e Sudeste Asiático serão os mais afetados.
O aumento da temperatura da Terra já uma realidade. As atuais medições indicam que 2024 pode bater o ano anterior e superar o recorde como o mais quente da história. Até agora, o planeta está 1,4 °C mais quente em relação à época anterior à Revolução Industrial, quando a sociedade passou a ser movida a partir da queima de combustível fóssil.
Ondas de calor
Caso a temperatura média suba 3 °C, a previsão é que a frequência de ondas de calor aumente de 4,9 para 6,4 vezes por ano em média. Elas também serão mais longas: passarão de 16,3 para 24,5 dias em média.
Segundo os pesquisadores do WRI, moradores de 16% das cidades avaliadas enfrentarão pelo menos uma vez ao ano uma temporada extrema com duração de um mês. Na América Latina, a frequência de ondas de calor pode dobrar e chegar a 7,5 ocorrências por ano.
O quadro deve se agravar em praticamente todas as 32 cidades brasileiras analisadas. Cuiabá, por exemplo, pode enfrentar até 12 ondas de calor por ano - algumas podem durar 32 dias, sugere um dos modelos usados nos cálculos do WRI. Até na região Sul esse número vai aumentar: sete ondas de calor podem atingir Curitiba anualmente, mostra o levantamento.
Será mais difícil para o corpo humano se aclimatar nestas condições. O aumento excepcional da temperatura de forma repentina pode sobrecarregar o sistema cardiovascular, respiratório e urinário e agravar doenças relacionadas ao calor.
Uma pesquisa de 2021 realizada pela Fundação Oswaldo Cruz mostrou que as altas temperaturas podem elevar o índice de mortalidade na população acima de 60 anos que sofre de doenças respiratórias ou cardiovasculares.
Mais doenças
A subida do termômetro favorece a propagação em especial de um tipo de organismo: mosquitos transmissores de doenças. Eles podem carregar arbovírus que transmitem dengue, febre amarela, zika e chikungunya, entre outros.
O estudo do WRI estima que, caso a temperatura do planeta suba 3 °C, novos lugares no mundo "ganhariam" um ambiente propício para a multiplicação desses vetores. Em grandes metrópoles, onde eles já são presentes, o pico de transmissão pode se alongar em média por mais seis dias.
No Brasil, que enfrentou em 2024 sua mais grave epidemia de dengue, o risco vai se agravar. No Rio de Janeiro, 3 °C extras podem elevar de 69 para 118 os dias propícios para infecção, um aumento de 71%. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 6 milhões de brasileiros pegaram dengue neste ano até agora. Foram quase 4 mil mortes confirmadas pela doença, e a maioria das vítimas tinham entre 20 e 29 anos.
Para a malária, o aumento nas temperaturas globais de 1,5°C para 3°C tem um efeito reverso: o número de dias ideias para transmissão da doença pode cair de 114 para 104,4 dias em média em todo mundo. Mas o impacto do aquecimento em regiões mais frias, como Europa e América do Norte, favorece o aparecimento da doença onde ela atualmente não é presente.
Energia para refrescar
Para lidar com o calor extremo, moradores de cidades que tiverem condições financeiras devem investir em aparelhos de ar-condicionado - o que aumenta a demanda por energia. As estimativas do WRI mostram que, com 3 °C a mais, pelo menos 194 milhões de pessoas vão aumentar em 100% seu consumo de eletricidade destinada para resfriamento.
Na América Latina, o clima mais quente fará com que a demanda por energia para abastecer os aparelhos de ar-condicionado sofra a maior alta em relação às demais, mostram os cálculos.
Até em países com clima mais ameno e não acostumados ao uso de ar-condicionado, como os europeus, a demanda vai crescer. Em 2023, o ano mais quente já registrado até então, as vendas de aparelhos subiram em média 16% nas semanas de verão do Hemisfério Norte, estimou a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).
Atualmente, o resfriamento representa cerca de 10% da demanda de eletricidade global, afirma a IEA. Além de aumentar a pressão sobre os sistemas de energia, o calor extremo e o consumo de ar-condicionado geram picos na demanda por eletricidade - o que pode levar a um ciclo vicioso de aumento nas emissões de gases de efeito estufa para a geração dessa carga extra.
No Brasil, o calor, a seca atual e o nível baixo nos reservatórios das hidrelétricas contribuem para que a conta de energia fique mais cara. A partir de setembro, o brasileiro vai pagar R$ 4,46 a mais para cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos, de acordo com a bandeira vermelha do sistema tarifário controlado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Investir em adaptação
Frente ao prognóstico, uma das soluções para as cidades é investir em infraestrutura verde, avalia Keila Ferreira, coordenadora de baixo carbono e resiliência do Iclei no Brasil, uma associação mundial de governos locais e subnacionais dedicados ao desenvolvimento sustentável.
"Criação de espaços arborizados para reduzir o calor urbano e uso de materiais permeáveis para controlar enchentes são exemplos práticos", cita Ferreira. "Uma cidade que investe em energia solar ou eólica, por exemplo, reduz a dependência de fontes fósseis e emissão de gases de efeito estufa colaborando para estabilização do clima", complementa.